1012 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 111
Levar-nos-ia muito longe, embora não nos falte o fôlego para isso, considerar todos os instrumentos de trabalho, para bem fundamentar a orgânica a escolher. É possível que voltemos ao assunto, para um maior desenvolvimento, que aqui lhe não poderá ser dado. Referir-me-ei, pois, apenas a um dos instrumentos, ou, melhor, a um dos agentes que é mais insistentemente focado: o médico.
Não nos admira a irregularidade de distribuição dos médicos, notada pelo ilustre autor do parecer. Ela filia-se em diversos factores, entre os quais claramente o económico se apresenta como principal. A presença nos grandes centros de um número elevado de médicos é devida a uma maior abundância de proventos pelo exercício da clínica ou por outras formas de actividade, a uniu remuneração mais elevada por unidade de serviço prestado, maior facilidade de acumulação de lugares, maior possibilidade de especialização, com consequente melhoria de remuneração, possibilidades mais vastas de aquisição de conhecimentos, maior projecção científica e social. Eis, segundo nosso parecer, as razões que determinam a aglomeração dos médicos, em manchas intensas, nos grandes centros.
Permito-me ainda discordar do que o ilustre Deputado Araújo Correia chama as belezas do sistema inglês, que diz recentemente decretado, embora eu possa afirmar a S. Ex.ª que tal sistema apenas ainda está em projecto. E discordo pelo que passo a expor. A sua adopção trazia dois graves resultados: a proletarização e a burocratização do médico.
A primeira talvez já não trouxesse grande espanto, porquanto eu afirmo que uma percentagem elevadíssima dos médicos não ganha pelo exercício da clínica livre o suficiente para manter um nível de vida decente. Não sei se essa proletarização é o que se pretende, mas, se é, penso que tal desiderato, propositadamente procurado, é um mau serviço prestado à sociedade e critério errado de combate ad odium a uma classe que não merece ser assim tratada.
Por outro lado, a burocratização faria desaparecer o incentivo para melhoria dos serviços prestados, para selecção dos melhores e para progresso da ciência médico-cirúrgica. Este nivelamento traria o condomínio dos menos aptos com os mais apetrechados, dos mais úteis com os menos eficientes. Não. O critério que resulta da burocratização é negativo. É nitidamente comunizante. A igualdade procurada no rebaixamento dos melhores ao nível dos mais inferiores.
Eu aceito e advogo, com o maior entusiasmo, a melhoria de condições gerais de vida das classes operária e média. Aplaudo sem restrições, nem de espírito, nem de lucro, a obra nitidamente revolucionária - passe o termo - de radicalismo "saudável", como tão bem conceituou o ilustre Deputado Dr. Mário de Figueiredo, a larga e profunda metamorfose, levada em marcha de ritmo veloz pelo Subsecretariado das Corporações no sector do ramo de previdência social.
Eu também desejo ser do social. Melhor, eu também sou pelo social. Pelo radicalismo saudável, nem outro quero e nem outro o meu sentimento deseja aceitar. Nós todos assim pensamos.
Não me admiro, porém, do não agradecimento de quem recebe os benefícios.
Foi sempre assim. Está na história de sempre e é lógica atitude há muito verificada. Até é táctica de combate, aconselhada mesuro pelos doutrinários dos extremismos.
Mas dizia eu, Sr. Presidente, que advogando que os benefícios da previdência se estendam ao maior número, que a protecção à mãe, à criança, ao escolar, ao operário, à família, seja extensiva a todos quantos dela necessitem, não me parece necessário, nem justo, que se lance na miséria a classe média. E é tão simples resolver o problema... Por que não hão-de ser todos filhos de Deus? Por que razão os médicos hão-de ser inscritos no índex dos malditos?
Sr. Presidente: no aspecto do combate à doença antevejo dificuldades intransponíveis com a resolução do problema tal como está posto. Tive ocasião de pôr os meus reparos quando se tratou nesta Assembleia da reforma hospitalar. Não me parece necessário desenvolver novamente o que disse a propósito da dificuldade de recrutamento de técnicos hábeis e em quantidade para as necessidades, no exagerado volume do numerário necessário para a aquisição de material, quer de hospitalização, quer de diagnóstico, quer de tratamento. As despesas de carácter administrativo, com o caminho que estou vendo levar às coisas, devem representar-se por cifras astronómicas. E tudo com a finalidade exclusiva de só combater a doença - insuficiente por si - como doutamente afirma o ilustre relator do parecer.
Nem a verba dos tratamentos, que muito fez admirar, poderá salvar os hospitais da exigência de, para bem cumprirem, terem a necessidade de dispor das reservas do banco emissor.
Lembra-me, a título de incidente, informar o Sr. Deputado que a verba de tratamentos que figura no quadro da p. 93, e que soma 28:109 contos, deve ser proveniente de tratamentos a indivíduos vítimas de acidentes de trabalho a cargo de companhias de seguros e de contas de patrões que não têm o seu pessoal seguro contra risco dos referidos acidentes.
Sr. Presidente: ficaria mal comigo se não fizesse algumas considerações, mesmo ligeiras, sobre o problema do combate à tuberculose em Portugal, a que o parecer em discussão também se refere, sobretudo com a apresentação de dados estatísticos.
Conheço o problema em todos os seus pormenores desde há muitos anos. Tenho-o vivido, por ter sido desde os princípios da minha vida clínica um agente activo da especialização na modalidade do diagnóstico clínico, laboratorial e radiológico. Actualmente exerço funções efectivas e objectivas que me põem em contacto diário com ele, na sua forma menos estudada e até, posso afirmá-lo, menos cuidada. Talvez por isso mesmo, eu tive a honra, ao tomar parte na X Conferência Internacional da União Contra a Tuberculose, que teve lugar em Lisboa, de focar a importância de combater a doença, pela assistência ao doente no seu domicílio e pela triagem dos co-habitantes do doente. Tive até a honra de ter sido o único congressista que leu a sua intervenção na língua da Nação no seio da qual a Conferência se realizou. E das muitas intervenções que me foi dado escutar, e tão brilhantes elas. foram, quero afirmar a V. Ex.ªs que aquela que mais funda impressão me produziu foi ouvida aqui nesta mesma sala e dirigida pelo Sr. Doutor Oliveira Salazar aos delegados da Conferência, ao inaugurar os trabalhos na noite de 5 de Setembro de 1937. Disse assim:
Socialmente - eu não confundo social com humanitário - o que importa não é que vós nos ensineis a curar o mal, mas a evitá-lo.
Eis aqui, Sr. Deputado Araújo Correia, unia opinião que está de acordo com a de V. Ex.ª, focada, em toda & exposição feita sobre os serviços de saúde, mas que V. Ex.ª não repete ao referir-se ao problema da luta contra a tuberculose. Não o fez V. Ex.ª certamente porque supôs suficientemente afirmado o princípio, para que visse necessidade de o citar novamente, neste caso muito particular e muito de considerar, no grupo dos meios de combate à tuberculose.