24 DE MARÇO DE 1947 1013
Mas eu, que sou do métier, que vivo o problema, que o conheço nas suas mais pequenas projecções, fiquei impressionado ao verificar a justeza das palavras do Sr. Presidente do Conselho. Assim era e assim é. E uma luz se acendeu na minha fé.
Supus que os fados iriam mudar. Mais: acreditei que mudariam.
Mas o assunto é vasto e merece ser tratado mais largamente nesta tribuna, se Deus na sua infinita bondade me der vida e saúde e os fados não mudarem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Nesta altura assumo a presidência o Exmo Sr. engenheiro Sebastião Ramires.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: subo mais uma vez a esta tribuna para apreciar um dos diplomas fundamentais da administração pública, o qual entrou nesta Assembleia acompanhado, esclarecido e completado por outro diploma também da maior importância.
Trata-se das Contas Gerais do Estado relativas a 1945 e do parecer sobre elas elaborado pela nossa ilustre Comissão das Contas Públicas, de que é muito distinto relator o nosso colega Sr. engenheiro Araújo Correia.
Se as contas, na sequência da administração zelosa, inteligente e verdadeiramente notável que o País reconhece e admira, demonstram que durante a gravíssima emergência que por longo período se caracterizou pela desorganização e consequente desequilíbrio mundial a nossa Administração conseguiu manter íntegro, o nosso equilíbrio orçamental, sem exigir sacrifícios tributários incomportáveis e não deixando de prosseguir na grande obra de reconstituição e de fomento fielmente seguida de há anos a esta parte, o parecer da nossa ilustre Comissão das Contas, além do exame minucioso dos diferentes capítulos das receitas e despesas, constitui valiosíssimo repositório de elementos do maior valor para se avaliar das possibilidades e disponibilidades do Estado e da Nação.
Além disso e de harmonia com o critério que norteara os anteriores e muito valiosos pareceres, regista uma larga e utilíssima série de bons conselhos e de alvitres inteligentes para o conveniente aproveitamento e indispensável valorização de todos os recursos nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O parecer este ano oferecido à Assembleia Nacional apresenta anexos três apêndices, todos eles notáveis e repletos de indicações, muitas delas inéditas, que devem contribuir para esclarecer governantes e governados.
O primeiro intitula-se "A pobreza e a riqueza do País".
Trata-se de proficiente dissertação sobre os recursos do País.
Começando pelo ferro, afirma existirem 150 milhões de toneladas de minério em Moncorvo, com alta percentagem de sílica, mas a pouca distância do rio Douro, que um dia há-de garantir seguro e barato transporte fluvial até ao Porto e fornecer a energia necessária para a económica fusão daquela montanha de hematites, hoje muito facilitada mercê de recentes progressos da respectiva técnica nos Estados Unidos.
Refere-se também aos jazigos de Quadramil, junto à fronteira e a pequena distância de Bragança, e ao da serra do Marão, nas proximidades de Amarante.
Lê-se também uma referência aos jazigos do Alentejo.
A propósito, recordo que esta fundamental indústria foi preocupação minha, que me determinou a nomear uma comissão, logo que em 1929 tomei conta do Ministério do Comércio e Comunicações, para estudar aquele importantíssimo problema.
A fase em que então se encontrava a técnica siderúrgica, a falta de energia eléctrica barata e na quantidade requerida, bem como de coque de fundição, tudo isto, conjugado às condições do mercado, e ainda outras circunstâncias fundamentais para a económica exploração daquela indústria, determinaram o adiamento da sua instalação.
Mas a importante riqueza constituída por muitos milhões de toneladas de minério de ferro, aliada à possibilidade de se conseguir, mercê do conveniente aproveitamento dos nossos rios, mais de 9 biliões de unidades de energia, e ainda a existência de alguns jazigos de carvão são de molde, como se diz no valioso parecer, a garantir um dos principais pilares da industrialização do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há ainda a registar a grande vantagem de o caudal dos nossos rios, se ó certo estarem sujeitos a irregularidades resultantes do clima ibérico, em que as estiagens são prolongadas mas susceptíveis de correcção mediante o recurso a albufeiras, que simultaneamente concorrerão para garantir e regularizar a produção de energia, a rega dos campos e, em alguns casos, a navegação fluvial, não estarem expostos a outras irregularidades de correcção mais difícil, como é a que resulta de invernos com temperaturas glaciais, que determinam a congelação da água e a consequente baixa de caudal.
Sempre orientado por um critério de confiança gerador de confortante optimismo, este valioso capítulo do parecer elucida-nos acerca de outros recursos do nosso território e demonstra que o solo considerado como improdutivo em larguíssimas áreas, como a do plioceno do grande golfo Tejo-Sado e a das areias em grande extensão da costa, é susceptível de transformação em magníficos campos e hortas capazes de concorrerem para a nossa colonização, proporcionando trabalho e garantindo recursos a numerosas famílias.
Sobre o milagre que se está operando no aproveitamento de extensas zonas da beira-mar, onde predominavam areais e dunas, basta ler o relato dos trabalhos florestais e a bela obra sobre a Aguçadoura, no concelho da Póvoa de Varzim, para nos certificarmos que a sua transformação se vai operando com inteligência e tenacidade, de forma que nuns pontos crescem hoje frondosas florestas e noutros se cultivam cereais, vinhas e hortaliças magníficas, que contribuem para o abastecimento dos grandes centros populacionais.
Acerca do pliocónico estéril, que numa zona vastíssima vinha resistindo a todas as tentativas de valorização, mantendo-se teimosamente improdutivo, lê-se no referido capítulo ter-se ali verificado a existência de importantes lençóis aquíferos, a profundidades que oscilam, geralmente, entre 15 e 30 metros, indo em alguns pontos a 50 metros, mas tendo-se encontrado também entre 6 e 10 metros.
Esta feliz circunstância, conjugada com a expectativa de electricidade a baixas tarifas para a elevação económica da água de rega, faz-nos prever um largo futuro nesta extensíssima zona da outra banda do Tejo.
E responde a uma interrogação que pesava no meu espírito e à qual, sistematicamente, todas as pessoas que eu consultara davam resposta negativa, qual a de saber se os grandes trabalhos hidroagrícolas do Pego do Altar e do Vale do Gaio, em que o Estado vai despendendo bastantes centenas de milhares de contos, não poderiam ter sido evitados, ou reduzidos, por vantajosa utilização de mananciais de água do subsolo.
Mas, seja como for, a verdade é que, mercê de grandes obras de irrigação e de enxugo da iniciativa do Governo, e muitas outras, embora de menor fôlego, realizadas por