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28 DE JANEIRO DE 1948 193

o tempo que lá passa. Mas só a criança é obrigada no liceu a um esforço de tantas horas, e ainda depois leva para casa trabalho para realizar, temos de confessar que a nossa missão de professores chega a ser cruel, para lhe não chamar criminosa.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A reforma determina aos professores que passem pontos para casa que levam três horas a fazer?

A Oradora: - Não, Sr. doutor, mas temos um programa muito grande a dar, e eu digo que o professor não pode proceder de outra forma.

o Sr. Mário de Figueiredo: - Quer dizer: o professor tem de escrever coisas no quadro, ou falar como quem faz uma lição magistral, e depois passar pontos para casa que demoram, três horas a fazer aos alunos. É isto?

A Oradora: - Não é. V. Ex.ª, se me dá licença, verá, pelo desenvolvimento do que vou expor, que não é isso que eu quero dizer.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Se é isso, o seu ataque não é contra a reforma, é contra o professor.

A Oradora: - Contra o professor, não; e V. Ex.ª, se me der licença de prosseguir, verá que não é isso o que pretendo afirmar.
Continuando, pois:
É que, em vez de abrirmos esses cérebros para a luz, embrutecemo-los com acumulações e velocidades, tiramos-lhe todo o interesse pelo saber, criamos a indiferença, o deixa-correr, a passividade.
A criança não pode fazer esforços intelectuais quando está cansada: aprende automaticamente, sem interesse, para esquecer depois.
Quando é que a mãe senta a filha ao pé de si para lhe dar aquela lição de amor que só as mães sabem dar? Quando é que o pai dá com o filho um passeio em que se possa estabelecer entre os dois essa camaradagem indispensável que há-de livrar o filho de qualquer mau caminho por que pudesse enveredar?
Não. O liceu absorve o dia ao aluno; absorvo-lhe ainda a noite roubando-lhe horas ao sono; e o pai e a mãe, olhando para os filhos como vítimas inocentes, não têm coragem para os desviar dos livros chamando-os para si.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Não julguem VV. Ex.ªs que exagero: é que a criança de hoje passa todas as suas horas agarrada aos livros; mas o pior ainda é que não sabe tanto como as que dantes estudavam muito menos.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: temos de confessar que é preciso que tenham pelo estudo um amor que nessas idades é bem raro para não criarem uma certa aversão por ele ou um profundo desprezo.
Por mais atraente que seja a lição do mestre, a criança não encontra nela o prazer a que a chamam os seus instintos, a sua inclinação natural; e, se o estudo a que a obrigam a impede sempre de dar expansão ao muito que lhe vai na alma, revolta-se e sacrifica-o, ou então desanima ou adoece.
Se legisladores bem intencionados julgaram adaptar os actuais programas a inteligências médias, enganaram-se: viram talvez trabalhar crianças de um elevado expoente intelectual e não perceberam que eram excepções; ou então não as viram trabalhar dia a dia, e apanharam-nas num momento em que as suas faculdades tinham todo o poder de aquisição e elaboração.
Quero prevenir VV. Ex.ªs de que me refiro apenas aos programas do curso geral dos liceus.
Ora quer-me parecer que, por todos os motivos, se não pode admitir que a criança não tenha infância: precisa absolutamente daquela exuberância de vida quo levou Junqueiro a dizer:

A alegria é na infância o que na ave é asa
E perfume na flor!

Hoje em Portugal voem-se os alunos a braços com o seguinte dilema: ou levam uma vida de absoluto sacrifício, ou não triunfam nos seus estudos.
E os pais? O problema para esses é mais complicado ainda. Sabem o que representa na vida dos filhos um ano perdido; compreendem que o trabalho activo do liceu não basta para a aquisição dos conhecimentos que o professor exige deles; vêem-nos a cair de sono, a perder a cor e o apetite; se podem com essa despesa, arranjam-lhes explicadores, que lhes absorvem as poucas horas que passam em casa...

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - ... se não podem, ou se resignam a que repitam o ano ou os tiram dos estudos. E os que lhes exigem um esforço superior às suas forças vêem-nos cair doentes.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sob o ponto de vista moral é um principio de desorganização. O pai torna-se tolerante, permite certas atitudes e exigências dos filhos, que vê trabalharem mais do que podem; a mãe não pode iniciar as filhas no governo da casa, não lhes vai incutindo os princípios sãos que devem ser a base da educação da mulher, não lhes orienta a vida num sentido elevado.
Não pode ser o Estado, nem o Governo o quer, por certo, a desempenhar a função dos pais. O seu papel é continuar na escola o que as crianças devem ter aprendido em casa; há já muitos anos quo o tem interessado profundamente o problema da educação da mulher - justamente para que seja ela a educadora natural dos filhos.
Parece-me, portanto, que a criança não deve passar tanto tempo no liceu - a não ser, repito, que se consiga que leve de lá a lição já sabida.
Mas como pode isso fazer-se em turmas de quarenta alunos, tendo o professor um programa vastíssimo a dar e devendo atribuir às chamadas uma classificação que implica a selecção dos alunos?

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - É este o segundo ponto para o qual chamo a atenção do Governo.
Ninguém ignora quanto 1 valor a menos desmoraliza o aluno brioso que vê o seu condiscípulo injustamente mais classificado que ele. E a criança não é tão mau juiz como se pode supor.
Sr. Presidente: desde que exerço as minhas funções docentes deixo sempre que todas as alunas se manifestem na atribuição da nota à lição das que foram chamadas - ainda que muitas vezes, especialmente no princípio do primeiro ano em que são minhas discípulas, tenha de lhes dizer o motivo por que não posso concordar com elas. E não me é preciso muito tempo para ver bem quanto elas são bons juizes.
Nos exercícios escritos continuei a seguir o critério da classificação por alíneas, para que as alunas, confron-