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4 DE FEVEREIRO DE 1948 241

Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Froilano de Melo.

O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: Mahatma Gandhi, o grande apóstolo da não violência, acaba de tombar sob a violência das balas que privaram a índia do maior chefe espiritual dos tempos modernos.
E nas mensagens doridas dos nossos chefes, na voz sucumbida das nossas emissoras e nas colunas emocionadas da nossa imprensa eu sinto a compunção e a mágoa que, perante essa morte, agitam o coração temo do povo português.
A índia está órfã de pai! Ele era o homem imaculado que levou o culto da renúncia ao limiar da santidade. Ele era a alma de luz que teceu nos laços do amor a grande rede da fraternidade humana.
Para o espirito indiano a morte é uma página da vida! Destrói-se a matéria nas chamas da pira; o espírito, porém, vive eterno e imortal, a guiar a vida que turbilhona nas entranhas do Mundo. É por isso que as turbas, ao saberem que se dispersarão, para sempre, nas correntes do Ganges as cinzas desse morto querido, bradam num soluço, que é ao mesmo tempo um hino de glória: Viva Gandhi!
Possa o seu sangue de santo e mártir restaurar a calma nos espíritos e fazer brilhar para sempre a doutrina do amor, da paz e da fraternidade universal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Presidentes da República e do Conselho já exprimiram aos altos representantes da índia os sentimentos do País pela morte do Mahatma Gandhi e a sua repulsa pelo criminoso atentado de que foi vítima. Mas penso que a Assembleia Nacional quererá também acrescentar àqueles sentimentos a sua inteira repulsa pelo crime e o seu pesar pela grande perda que enlutou a índia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: ao ler ontem nos jornais a nota oficiosa do Gabinete do Ministro da Guerra, pedi a V. Ex.ª, em face da alusão que nela se fazia a qualquer documento dirigido à Assembleia, o favor de me esclarecer sobre o que havia a tal respeito.
Não teve V. Ex.ª qualquer dúvida em fazê-lo e disse-me que, na verdade, tinha recebido um documento assinado por pessoa que desconhecia e redigido em termos que logo denunciavam intuitos evidentes de especulação política.
Por isso, porque o signatário do documento não juntava quaisquer provas do que afirmava, apesar de declarar que as possuía abundantes, e porque se permitia classificar a posição assumida pelo Ministro da Guerra e pelo Governo em matéria de política internacional durante a guerra, entendeu S. Ex.ª que não devia dar-lhe qualquer seguimento.
O disposto na alínea c) do § 1.º do artigo 19.º do Regimento mostra que S. Ex.ª não usou senão da faculdade que aí lhe é conferida.
Quis ainda S. Ex.ª levar a sua deferência ao ponto de me mostrar o documento em questão.
Ao lê-lo, devo confessar que o sentimento que me invadiu foi, antes do que de indignação, de dó por aquela miséria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se me coubesse decidir, teria decidido como V. Ex.ª Nem o direito de reclamação ou queixa conferido a todos os cidadãos pelo n.º 18.º do artigo 8.º da Constituição admite aqueles extravasamentos no seu exercício, nem esta Assembleia ou o Diário das Sessões são tribuna aberta a esses ou outros extravasamentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que se diz no papel? Expurgando-o do que não é publicável, diz-se fundamentalmente isto: que o Ministro da Guerra pretende eliminar o signatário, como já eliminou o general Godinho, por ambos serem detentores de segredos sobre a sua actuação na guerra que gravemente o comprometem. Como pretende eliminá-lo a ele? Impedindo-o de ir ao hospital do cancro, único local onde pode ser observado e, porventura, tratado, apesar de isso lhe haver sido por mais de uma vez solicitado.
Como eliminou o general Godinho? Impondo a sua transferência para um presídio militar, quando, pelo seu estado de saúde, devidamente verificado pela Medicina, não podia suportá-la.
A nota oficiosa esclarece: do signatário do papel não chegou nenhum pedido ao Ministério da Guerra, nem aos seus serviços, no sentido de autorizar que fosse submetido a qualquer exame especializado; a transferência do general Godinho para o presídio militar operou-se quando o Ministro estava fora de Lisboa.
É curioso notar que em carta de 22 de Dezembro, seis dias posteriores à data da transferência para o presidio militar, o general Godinho afirma estar melhor de saúde e até parece pôr hipóteses que supõem um acentuado desembaraço físico.
Isto é suficiente para desmascarar a urdidura. É, porém, só o aspecto negativo, porque apenas diz que um facto não é do conhecimento, nem oficial nem oficioso, do Ministro da Guerra e que o outro ocorreu em Lisboa quando o Ministro cá não estava. O aspecto positivo dos vários elementos de organização da cabala virá a seu tempo, como a nota oficiosa também promete. Não perturbemos com antecipações o movimento do inquérito ou a actividade da policia.
Não deixarei, porém, de referir-me a outro passo da nota oficiosa: a participação feita à polícia judiciária pela viúva do general Godinho.
O que se contém nessa participação?
Essencialmente isto: que o Ministro da Guerra, impondo a transferência do general Godinho para o presídio militar da Trafaria, contra o parecer expresso da Medicina, e vindo ele a morrer oito dias depois no hospital, praticou um homicídio voluntário. (Risos). Eu pergunto : supondo que aquilo era verdade - e já sabemos que não é -, poderia alguém qualificar o facto de homicídio voluntário?
Basta pôr a pergunta para logo saltar aos olhos que o intuito dos que levaram a pobre senhora, exaltada pelo que lhe diziam e esgotada pelo sofrimento, a assinar a participação foi muito outro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu admito que ela nem leu o que assinou, ou, se leu, não se apercebeu ao certo do que na participação se continha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que aquilo foi escrito por indivíduo formado em Direito. É evidente, pela forma e pelo processo de dedução. Não pelo fundo, que esse denuncia que o seu autor poderá estar habituado a lidar