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4 DE FEVEREIRO DE 1948 245

E lá está sempre a disparidade de salário das actividades industriais, por um lado, e a miragem da emigração, quantas vezes cercada de engodos, para países longínquos, a despertar-lhes a ideia do êxodo, e, desta forma, uns após outros, quantas vezes afogados em saudades, vão deixando a terra natal, que, apesar do recentemente realizado pelo Estado Novo em seu beneficio, ainda está longe de proporcionar o grau elementar de conforto que a dignidade humana exige e de garantir retribuição do trabalho conforme ao nível de vida que absolutamente é preciso manter.
Apesar de, na opinião de técnicos altamente conceituados, na terra alentejana serem lucrativamente viáveis as culturas de sequeiro, eu, talvez por ter nascido no Minho e passado a minha já longa vida a apreciar as vantagens da lavoura de regadio, continuo esperançado no milagre da água das albufeiras (umas em construção e outras projectadas) e da que a electricidade a preços módicos há-de permitir elevar dos mananciais do subsolo, nas extensas campinas do Alentejo, onde as produções, como aqui foi afirmado, são baixíssimas.
Ao atravessar, umas vezes de comboio, outras de automóvel e, quantas vezes, valendo-me das pernas, atrás das perdizes, dos coelhos e de outras espécies cinegéticas, aquelas sequiosas planuras, onde a vegetação rasteira é geralmente enfezada, mas os sobreiros e as azinheiras são por vezes ciclópicos e tocam de certa majestade a paisagem de limites distantes e confusos, acontece-me topar com uma mancha verde, a lembrar o meu lindo Minho, onde a horta cresce e frutificam admiravelmente os melhores espécimes da nossa pomicultura.
Sempre que me foi possível não deixei de examinar de perto os oásis que ia surpreendendo nas minhas excursões, e quase invariavelmente lá ia encontrar o manancial aquífero, por via de regra subterrâneo e munido de engenhos primitivos, que constituía a razão principal daquelas manchas de verdura a salpicar o torresmo alentejano.
Sr. Presidente: como alimento fundamental, há que garantir o pão nosso de cada dia a todos os portugueses.
Mas garanti-lo em quantidade, qualidade e a preço em relação com os respectivos recursos.
Não fora a guerra, com sua ameaça permanente, apesar dos esforços tenazes de todos os pacifistas, a pairar, como espada de Dâmocles, sobre os que têm de cuidar do bem-estar público, e as nossas insuficiências alimentícias poderiam ser supridas com fornecimentos vindos de longe e a preços comportáveis.
Mas a dura e repetida experiência, que nos demonstra quanto são precários todos os sistemas de transporte sempre que às leis pacíficas, que regulam as relações internacionais se substitui o imperativo arbítrio dos períodos bélicos, impõe-nos como única solução a que nos recursos nacionais encontre, pelo menos, o indispensável para não termos de baixar as rações a número de calorias incompatíveis com as exigências insofismáveis da existência humana.
Em face do exposto impõe-se o estudo de uma fórmula que permita a repetição da campanha da arroteia do trigo, pois, antes de se adoptarem definitivamente os diferentes tipos de pão de mistura propostos pelo distinto Deputado Sr. Dr. João Mexia, importa averiguar se de facto o território português dispõe de condições para nos abastecer de trigo, já não digo com regularidade perfeita, mas de maneira a, quando surgirem deficits, serem supridos com outros cereais aqui produzidos, ou até com incorporação de farinha de batata na percentagem de 20 por cento a que o Sr. engenheiro Mira Galvão aludiu, e que já há bastante tempo se fabrica no Minho, com boa aceitação dos consumidores.
É bem de ver que o recurso ao pão de mistura já o Governo o vem determinando para compensação de más colheitas de trigo, incorporando percentagens elevadas de farinha de milho.
Sòmente o preço que oficialmente tem sido atribuído ao milho é indevidamente muito mais baixo do que o do trigo, o que não está em relação com o respectivo valor alimentício.
Segundo Berthelot, o valor calorigénico de 100 gramas dos diversos ceriais é o seguinte:

Calorias
Milho ..................... 363,8
Arroz ..................... 354
Trigo ..................... 346
Centeio ................... 341
Cevada .................... 331,5
Aveia ..................... 328

O milho tem sido pago a cerca de 1$80 o quilograma, o que, para um alqueire de 20 litros, anda, conforme a densidade, à volta de 27$50.
Pois no mercado livre (que nada tem com o mercado negro, praticamente banido no que respeita ao milho com a sua oportuna e justificada libertação) aquela cotação oscila entre 35$ e 40$.
É que os consumidores não ignoram que, comprando-o por esse preço, obtêm maior número de calorias do que recorrendo a quaisquer outros tipos de pão à venda no mercado.
Além disso, o pão de milho agrada mais ao paladar de grande parte da população, sobretudo do Minho e das Beiras, além de que se alia melhor à sua alimentação corrente - o tradicional caldo de couves, feijões e azeite, o bacalhau, as sardinhas, o toucinho.
Da generalização do consumo de pão de trigo, de qualquer dos tipos oficiais, tem resultado notória perturbação nos hábitos alimentares daquelas populações, as quais sucessivamente vão substituindo o tradicional caldo, que admiràvelmente se casa com as migalhas de broa, pelo leite, quer estreme, quer misturado com café, cujo consumo se concentrava nos burgos de maior importância, onde actualmente se regista a sua falta, porque grande parte se destina agora ao consumo rural.
E acontece que o açúcar, cujo uso nos meios rurais se limitava à confecção de doces regionais para as datas festivas, agora é largamente ali empregado, sobretudo ao almoço, para adoçar o café com leite.
Em compensação, os feijões indispensáveis para o caldo regional já não têm procura. E tambm se verifica que o bacalhau (o fiel amigo de sempre), as sardinhas, o toucinho, o salpicão e outras iguarias que pediam o acompanhamento da broa e dos vinhos secos, sobretudo de vinhos verdes, vão cedendo a secular posição que ocupavam nas ementas rurais à carne de vaca e outros alimentos mais em voga nas cidades e vilas, onde agora vão rareando.
Sr. Presidente: esta grande mutação que se vai realizando, e a que acabo de referir-me, na alimentação de alguns milhões de habitantes já tem consequências apreciáveis na lavoura e na vida do povo; mas está destinada a uma- projecção de grande vulto não só no aspecto económico, mas no sanitário.
Entendo, pois, estarmos em face de um problema que exige imediato estudo, a fim de que o Governo disponha de todos os elementos para traçar o rumo a seguir em tão momentosa matéria e a Nação seja convenientemente esclarecida acerca dos resultados que para a saúde e para a agricultura e outros sectores da lavoura, bem como para a vida doméstica, poderão advir da grave e importante transformação que se está operando.
Atribuíam-se ao milho graves inconvenientes, tais como a pelagra, acusavam-no de má digestibilidade, de pesar exageradamente no estômago e até havia quem pusesse em dúvida suas altas qualidades nutrientes.