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11 DE MARÇO DE 1948 301

verão e entendo que estes seus últimos despachos têm muito maior projecção do que teriam se se confinassem à defesa económica duma classe, à defesa dos interesses restritos duma classe - aliás digna de consideração e simpatia-, visto que também se integram numa elevada política de cultura, num regime de devida protecção ao desenvolvimento da arte nacional e ao bem-estar e possibilidades dos artistas deste País.
Vem de longe, Sr. Presidente, o interesse dos poderes públicos pelos nossos artistas, a começar na atitude dos nossos velhos monarcas na matéria: D. Sancho I e D. Dinis figuram como grandes animadores na história da arte musical deste Pais. D. João I, como vários seus antecessores e sucessores, queria, no dizer dos cronistas, que se cantasse, que se tangesse, que se folgasse. Cantar, tanger, folgar.
Organizaram-se as capelas nos paços reais com um sentido de estímulo ao - desenvolvimento da nossa música, e houve mesmo célebres serões da Corte em que os - artistas portugueses tinham ocasião de evidenciar as suas possibilidades.
O nosso Gil Vicente, ele próprio ensoou, quer dizer, pôs em som, musicou alguns dos seus autos, representados nos paços reais.
Também D. João V, como D. Pedro III, foram grandes protectores dos artistas nacionais.
Em 1733 iniciou-se entre nós a ópera italiana no Teatro da Trindade, e ao mesmo tempo o célebre advogado António José da Silva, por alcunha O Judeu, apresentava no Teatro do Bairro Alto, na «Casa dos Bonecos», espectáculos com óperas joco-sérias portuguesas.
Antes de no final do século XVIII, se inaugurar o Teatro de S. Carlos, temos, além do Teatro da Trindade e do do Bairro Alto, ópera no dos Condes, no da Ribeira - na Opera do Tejo, que foi destruído pelo terramoto de 1755 - e nos Paços Reais da Ajuda, Queluz e Salva-terra, onde a ópera era largamente cultivada.
Em 1793 inaugura-se o Teatro de S. Carlos, verificando-se desde o início a influência italiana. Leal Moreira e Marcos Portugal reflectem essa tendência, mas, no entanto, por vezes desenhou-se uma corrente anti-italiana, num sentido de nacionalismo musical. É representante dessa corrente Bontempo, apoiado pelo conde de Farbobo.
Restaura-se, numa das obras mais grandiosas e notáveis desta situação política, o edifício do Teatro de S. Carlos. A inauguração do Teatro restaurado faz-se no dia 1.º de Dezembro de 1940, com uma ópera portuguesa, D. João IV, e com artistas nacionais.
Enfim, ultimamente tivemos, embora curta, uma temporada lírica de ópera portuguesa, o que reputo altamente louvável.
Mas, Sr. Presidente, é preciso mais, é preciso ir mais longe.
O elenco de artistas para a temporada lírica italiana e alemã de Março a Maio, que hoje foi publicado nos jornais, compreende um número mínimo de artistas portugueses, o que ainda se compreenderia para a ópera alemã, mas que não se justifica para a ópera italiana.
Acho que é preciso aumentar a proporção dos elementos nacionais. Mas mais do que isso: é preciso organizar em S. Carlos um conjunto de arte, conjunto uniforme, conjunto amplo, conjunto coerente.
Tenho diante de mini as palavras que ,um autor inglês ainda há pouco escreveu a propósito da Opera do Estado de Viena, a qual fez representações no Covent Garden, de Londres. Diz Hussey - esse autor - o seguinte sobre a ópera de Viena: «sua singular unidade de estilo, unidade, obtida por um completo entendimento entre cantores e instrumentistas, maestro e director de cena, e alcançada por uma constante cooperação de todas as partes».
Toma-se necessário entre nós tentar a constituição dum conjunto harmónico desta natureza.
Não basta a existência dum corpo coral próprio do Teatro; não basta a preferência dada a artistas portugueses ; não basta a constituição de uma orquestra privativa do Teatro, como não basta a constituição de um corpo de bailo próprio do Teatro, e a este propósito devo dizer que reputo de grande valor, mas não suficientes, as participações de duas notáveis iniciativas da Emissora Nacional, que são a orquestra sinfónica e o corpo de baila dos Verde Gaio. É preciso mais: é preciso o equilíbrio de todos aqueles elementos e a cooperação de auxiliares, mesmo dos mais modestos operários de teatro, para uma perfeita unidade de conjunto.
E é preciso também, entendo, que todos esses elementos sejam remunerados equitativamente em correspondência com o pessoal de idênticas categorias estrangeiro.
Consta-me que os coristas de S. Carlos não recebem, pelo menos alguns deles, metade do que recebem os coristas dos Teatros Maria Vitória e Variedades, e não obstante alguns dos primeiros terem o curso do Conservatório.
Infelizmente o público não auxilia muitas destas iniciativas; mas um teatro do Estado, um teatro normal, não deve lisonjear as preferências indevidas do público, antes deve procurar (mesmo com sacrifícios e insucessos materiais) educar o gosto, corrigir o snobismo condenável de muita gente que prefere estrangeiros medíocres aos melhores artistas nacionais.
Sr. Presidente: eu desejaria ainda ocupar-me de um assunto de que várias vezes tenho falado nesta Câmara a propósito da política do espírito e da política da cultura: trata-se do livro português.
Limito-me a chamar mais uma vez a atenção para a campanha louvável em favor da protecção ao livro português que tem sido feita, especialmente - pela revista O Ocidente. Propõe esta providências várias nesse sentido, entre as quais a da criação do Instituto Nacional do Livro. Merece consideração e aplauso.
Espero muito do prosseguimento da política do espírito, da qual a última exposição do Secretariado Nacional da Informação deu brilhantemente alguns aspectos, porque só alguns aspectos foram apresentados, visto que o assunto no seu conjunto tem maior amplitude, dependendo a sua realização também de outros organismos, como o Ministério da Educação Nacional, o Instituto da Alta Cultura, museus, escolas, academias, sociedades, exposições, publicações, etc.
Na verdade, Sr. Presidente, um país que não procura desenvolver os valores de cultura, um país que, em vez de estimular e acarinhar os seus artistas, os seus homens de ciência e de letras, os seus pensadores, pelo contrário, os despreza ou os esquece, não é um país civilizado.
Presto homenagem aos membros do Governo, que têm exercido a sua acção, principalmente nos últimos anos, no sentido expresso nesta verdade, que, embora fundamental, não deixa de ser elementar e axiomática.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: permitam-me V. Ex.ª e a Assembleia que eu trate hoje de um assunto que, ligado directamente à viação e trânsito na cidade de Lisboa, é no entanto de uma grande importância para os habitantes das províncias do País que ficam ao sul do Tejo.
Os habitantes das regiões do sul, ao chegarem a Lisboa, são os mais mal servidos de transportes de todo o País. De facto, a não ser um pequeno número de peões que atravessa o rio nos barcos que fazem o trajecto de