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11 DE MARÇO DE 1948 305

Cruzam a nossa mente, ao invocá-lo, os mil passos da sua vida -os seus gestos, as suas palavras, os seus sonhos.
Não se consegue ver todo duma vez - tão grande foi sempre-, e, talvez por isso, nunca encontrei alguém plenamente satisfeito com uma imagem ou quadro que represente Nun'Álvares.
Na verdade, tão depressa o vemos, ainda criança, escutando atentamente histórias de altos feitos, como o recordamos de joelhos em Valverde, ou, de longas barbas brancas, na portaria do Convento do Carmo, braços abertos para os pobres e desgraçados, alma erguida para o Céu, numa oração em que o nome de Deus e da Pátria se entrelaçam.
E as suas palavras, com o sabor das crónicas de Fernão Lopes e Azurara- ou a beleza de forma de brilhantes espíritos que sobre a vida do santo e herói se debruçaram, vêm-nos aos lábios, como lições maravilhosas, a mostrarem-nos que a vida só é alta se através dos nossos actos é sempre possível ver Deus.
Quantas, quantas vezes, magoados, feridos, desalentados, pela aspereza da caminhada; ou felizes, encontrando em nós ignoradas energias, vendo aberta, rasgada, luminosa, a estrada da vida -nos sentimos invocando os passos de Nun'Álvares, buscando nesse recordar a força que nos falece ou ouvindo-nos a dizer que o estamos seguindo.
Agora...é ainda o rapaz que pela primeira vez se vê em frente do inimigo e que, ao regressar, quando perguntado sobre o que havia, responde: «Nada... Mas esta gente dos castelhanos vem mal acautelada: poucos e bons, com "um bom capitão, bastariam para os desbaratar».
Que grande lição nesta singeleza de dizer!
Do alto dos avifles estratosféricos outro silêncio dos laboratórios ,das grandes conquistas da Ciência podem desenhar-se sorrisos complacentes e ouvir-se o estribilho já conhecido: «Outros tempos..., mas eu não deixarei de dizer que aquelas palavras de Nun'Álvares são uma alta lição ainda para os dias de hoje.
Era ainda tão novo que para ser armado cavaleiro não se encontrara arnês que se lhe ajustasse. Foi preciso lançar mão do que servira tempos antes ao Mestre de Avis.
As suas falas foram sempre assim: simples, despidas de afectação ou petulância, enérgicas quando necessário, nunca lhes faltando a altura que correspondesse aos seus actos e aos seus pensamentos.
De joelhos, em Valverde, dizendo a Rui Gonçalves «aguardai um pouco e acabarei de orar», quando, em redor, todos perdiam a serenidade e se sentiam perdidos; num Conselho de Estado, em Almada, dizendo ao conde Álvaro Pires que «quem tinha medo do rei de Castela, ou de qualquer rei, ficava mal no Conselho», Nun'Álvaros foi a imagem da Pátria, com as virtudes da sua fé, de indomável energia, de confiança no futuro.
Foi Portugal que falou pela sua boca quando em Montemor, como nos conta Azurara, o rei lhe expôs o plano dá ida a Ceuta, primeiro passo na missão de cruzada o de evangelização da raça portuguesa:
«O que a mim me parece é que este feito não foi achado por vós, nem por nenhuma outra pessoa deste Mundo: sómente que foi revelado por Deus».
Mas se nos sentimos por vezes a murmurar as suas palavras, numa invocação de amor pátrio e de grandeza de alma, é também sempre, com emoção profunda, que recordamos os seus actos de imaculada nobreza, de elevação tão alta que, seguindo-o, todos nós nos sentimos sempre mais perto de Deus!
Na verdade, eles constituem lição permanente para todos os portugueses - novos e velhos -, lição oportuna, sobretudo nesta hora em que o poder da matéria parece imperar na Terra e os sentimentos mais nobres, tão nossos, cederam lugar aos que horizontalizam a alma o a vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao espraiar a vista pelo panorama da vida de hoje, quantas vezes nos encontramos a recordar o gesto de Nun'Álvares deitando por terra, em Elvas, a mesa a que se sentavam reis; a sua atitude de nobre rebeldia perante as intrigas e escuras manobras dos «Joões das Regras», a prontidão com que desceu, envolto já no hábito de frade carmelita, até à nau que se aprestara para socorrer Ceuta, pronto a voltar a ser o lutador de sempre, depois de ter mostrado a D. Duarte que o braço ainda estava rijo para as lides da guerra; a grandeza do seu amor pátrio perante o embaixador de Castela que o visitara no Convento do Carmo, etc.
E quantos, quantos mais, passos da vida deste grande português cruzam a minha mente nos muitos instantes que vivemos agora.
Mas, quando voltou por terra a mesa, em Eivas, houve um rei que, impressionado com tal gesto, disse: «Homem que tal fez tem coração para mais».
E quando se rebelava contra o rei não deixou de estar a seu lado no momento próprio; e este, ao vê-lo, caiu-lhe nos braços, a chorar de alegria, exclamando «Ora posso eu dizer que este é o primeiro homem de armas que nesta terra vi».
E não faltou a frei Nuno de Santa. Maria o carinhoso afecto de D. Duarte acalmando a sua ansiedade pelos receios da perda de Ceuta, nem a respeitosa e fidalga atitude do embaixador de Castela ao ouvir a sua fala de guerreiro e vendo por baixo do hábito de donato o arnês de cavaleiro.
Como soldado, o meu espirito ergue-se para a figura, do Condestável com especial devoção.
E o patrono da minha arma, da infantaria, daquela fracção dos exércitos que melhor representa a alma portuguesa ; que se transporta pelo ar, pelo mar, por terra, para chegar mais depressa à frente do inimigo, mas para lutar a pé; daquela fracção dos exércitos que, sem a sua presença, a luz da vitória não poderá brilhar o a bomba atómica e os progressos da técnica, por maiores que sejam, não destroem, porque é a própria alma da Pátria que está ali.
Esta alta missão da infantaria deu-no-la, primeiro que qualquer outro, Nun'Álvares e foi certamente inspirado nas suas batalhas que o poeta Guedes de Campos pôde encontrar a forma de cantar com impressionante beleza:

A pé fazemos a guerra a pé, rentinhos ao chão, ficando assim com a terra mais perto do coração.

De olhos nele, recordando os mil passos da sua vida de patriota, de guerreiro, de santo, dizia eu, há anos, aos meus alunos do Colégio Militar, como depois foi publicado por eles na sua revista, numa ligeira colectânea das minhas lições: S. Nuno! S. Nuno!
Devia ser o grito de arrancada dos soldados de Portugal.
Hoje, nesta hora sombria que o Mundo vive, invocá-lo é dever de todos os portugueses que desejam viver bem e morrer melhor.
A vida de Nun'Alvares é motivo de longo e cuidadoso estudo, que não pode ser feito aqui.
O que acabo de dizer é bem pouco para o erguer, mesmo ao plano em que os olhos da alma de todos os portugueses o reverenciam.
Como diz Oliveira Martins:

A apoteose de Nun'Álvares é o nosso atestado de baptismo. Remiu Portugal do cativeiro castelhano