308 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 134
As razões por que o fez sucintamente as apresentou aqui.
Achou melhor, mais compreensivo da situação, mais eficiente, mais. próprio para dar satisfação àquele espirito, ao encontro do qual, repito, vinha o projecto. Tudo se resolveria aqui, em matéria de feriados,, sem ficar dependente de diligências futuras. Estabelecia-se desde já o princípio - respeitar os dias santificados.
Mas logo a seguir subiu à tribuna o nosso ilustre colega Dr. Mário de Figueiredo, que desenvolveu a questão com a subtileza do seu espírito de jurista, com autoridade especial na interpretação do articulado da Concordata, dada a sua situação de representante nosso nas negociações com a Santa Sé.
E concluiu que era preferível o projecto de lei inicial, visto serem mais aceitáveis as considerações de que é precedido o próprio projecto - não fixar numa base unilateral o problema dos dias feriados. Pertenceria ao Governo fazê-lo, como o projecto determina, em entendimento futuro com a Igreja.
E diz ainda o Sr. Dr. Mário de Figueiredo: não há no pacto com a Santa Sé qualquer compromisso da parte do Estado Português de aceitar como feriados os dias santificados pela Igreja.
Na verdade, quem ler o artigo 19.º da Concordata não pode chegar a outra conclusão.
Objectivamente considerado, o problema é assim mesmo: o Estado não se obrigou formal e expressamente a tal fazer. O outro contratante neste pacto, que é de carácter perfeitamente internacional, não reclamou o cumprimento de tal obrigação, o que não deixaria de fazer se tal se achasse estipulado. Logo, o Estado está perfeitamente à vontade no problema.
Mas agora vamos ao aspecto subjectivo da questão, vamos ao pensamento que fez aproximar neste pacto as duas entidades, Estado e Igreja, que há muito não se tinham aproximado, para estabelecer em bases legais as suas relações.
O pensamento é outro. O pensamento do Estado indo ao encontro da Igreja e o da Igreja indo ao encontro do Estado é justamente para que não haja, na verdade, entre um e outro, neste ponto de vista, divergências inconformáveis com a tradição católica do País e com o sentimento religioso dos católicos, de que a Santa Sé é zeladora.
Sendo assim, pergunto: qual será a fórmula mais consentânea com os princípios que informam a Concordata? Aquela fórmula do problema em questão que é traduzida pelo parecer da Câmara Corporativa ou a que traduz o projecto inicial? Eu presumo que é a primeira. Posso estar em erro. mas, por mais que reflicta e medite, acho que essa é a preferida.
O Estado obriga-se, nesse artigo 19.º da Concordata, a providenciar no sentido de tornar possível aos católicos que estão ao seu serviço ou são membros das suas organizações o cumprimento regular dos deveres religiosos nos domingos e dias feriados.
Mas como dar cumprimento a esta obrigação?
Só pela inserção nos feriados nacionais dos dias santificados.
Não podem cumprir devidamente os seus deveres religiosos os católicos que exerçam funções públicas ou tenham a seu cargo serviços que podem ser reclamados nesses dias. É evidente.
As suas obrigações vêm da própria lei que regula a sua actividade funcional, de que não podem afastar-se sem que expressamente esteja marcada na lei a liberdade de abandonarem as suas funções nesses dias.
Não vejo que o Estado possa cumprir de outro modo a obrigação que assumiu na Concordata.
Esta aspiração que os católicos funcionários têm não pode satisfazer-se, portanto, sem a intervenção do Estado, que superintende nas suas actividades. 0 artifício duma dispensa., duma tolerância de ponto, enfim, um Estado paternal, bondoso, que feche os olhos às faltas, não é de aceitar. Isso é pouco e falível. Só não é falível o que está expresso na lei.
Acho na verdade que esta fórmula, da Câmara Corporativa- é a mais consentânea com o espírito que informou a aproximação dos dois poderes na referida disposição da Concordata.
Sr. Presidente: não pode haver dúvidas nem pode haver hesitações um só instante de que o Estado Novo é bem diferente do Estado velho. Tudo se reformou ou se procura reformar, e por isso se diz a cada passo que a Revolução está em marcha ainda. Não pode dizer-se de forma alguma que os homens do Estado Novo tenham procedido com o avontade dos demagogos do õ de Outubro, nas suas reformas, que saltavam por cima das tradições do País unicamente para dar expansão ao espirito jacobino, que não tinha em vista senão atacar ou destituir a Igreja de toda a sua autoridade e prestígio.
O Estado Novo é diferente do velho, nem doutro modo se compreenderia a Revolução. Bem diferente do que se fazia nesse tempo é o que o Estado Novo tem feito em Portugal desde que se constituiu. O seu espírito é outro e outras as suas realizações.
Eu não quero de modo algum cansar a Assembleia com a história da legislação da República de õ de Outubro, tanto mais que já ouvimos ontem aqui uma proficiente lição de história do Sr. Deputado Dr. Paulo Cancela de Abreu.
Mas, Sr. Presidente, direi alguma coisa do que se passou então, quando se proclamou a República, e o que foi a sua legislação demagógica, toda tendente a laicizar o Estado e a destruir o espírito religioso da Nação. É bom recordar. Logo após o 5 de Outubro, no dia 8, apareceu o célebre diploma que fez pôr em vigor as leis sectárias do marquês de Pombal e do Joaquim António de Aguiar. Pelas primeiras foram expulsos os jesuítas, pelas segundas foram extintas as ordens religiosas e determinada a expulsão dos seus componentes das respectivas comunidades.
É fácil de ver que todos os diplomas de Joaquim António de Aguiar são o complemento das ideias sectárias do marquês de Pombal. Os liberais estavam assim de acordo com a monarquia absoluta nas leis liberticidas do sentimento religioso. E os seus sucessores republicanos seguiram-lhe na peugada.
A marcha de ataque à Igreja é progressiva desde o constitucionalismo.
Os demagogos republicanos completaram a obra.
E é curioso notar, tal o espírito jacobino das leis de Joaquim António de Aguiar, que, logo após a ausência de D. Miguel e da subida ao Poder de D. Pedro IV, pelo decreto de 31 de Julho de 1833 foi criada uma célebre comissão -comissão de reforma geral eclesiástica-, a que presidia um padre -Marcos Pinto Soares Vaz Preto-, assistido por mais três padres, a qual foi dissolvida poucos dias depois, a 23 de Agosto de 1833, para ser restaurada uma malfadada «Junta do exame do estado actual e melhoramento temporal das ordens regulares», a qual, criada com o fim de resolver a situação financeira difícil das comunidades religiosas, se transformou numa verdadeira intromissão do Estado na vida monástica.
Isto já no tempo da Senhora D. Maria I e quanto às ordens religiosas masculinas. Para as femininas, diz um escritor, «deu-se-lhe a morte por inanição», sob a alçada do decreto de õ de Agosto de 1833, que expulsara as noviças de todos os institutos e proibira a admissão de outras novas.
Olhando mais para trás, não podemos responsabilizar apenas os homens da República; temos de responsabi-