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29 DE ABRIL DE 1948 589

5. Só podem provar-se por escrito as estipulações que importem alteração ao regime supletivo do contrato.

Os Deputados: Mário de Figueiredo, Luís Maria Lopes da Fonseca, Paulo Cancela de Abreu, José Cabral, João das Neves, Francisco de Melo Machado, José Gualberto de Sá Carneiro.

O Sr. Bustorff da Silva: -Sr. Presidente: pedia palavra na sessão de ontem precisamente quando ao redor do n.º 1 do artigo 1.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa nesta Assembleia se esboçavam três correntes.
Havia quem sustentasse uma doutrina formalista, rigorista, digamos de extrema direita, e quem se batesse por outra inteiramente oposta, dando facilidades máximas para a prova do contrato de arrendamento. A meio termo, entre ambas, o Sr. Dr. Sá Carneiro propunha-se conseguir uma solução de acomodação em nome da nossa comissão eventual.
Na "extrema direita" dizia-se: é indispensável que o contrato de arrendamento conste, em qualquer hipótese, de titulo escrito. Com título, uma grande parte das questões desaparecem, ou, pelo menos, simplificam-se. O risco das falsificações, mercê de duas ou três testemunhas de ... "boa vontade"; que aparecem em juízo a debitar as maiores mentirolas, como é do conhecimento e verificação quase diária de quantos fazem, vida do foro, é por completo afastado.. Não se compreende, de resto, que para o inquilinato comercial se exija título escrito e que se adopte diferente critério para o inquilinato civil.
Os três requisitos ou elementos constitutivos do contrato de arrendamento -determinação do imóvel, do prazo certo e da remuneração certa - devem constar de título escrito, pois, se é intuitivo que a prova do primeiro elemento -determinação do imóvel - deve ser sempre fácil, não o é menos que na dos dois restantes a fantasia e a malevolência dispõem de largo campo de acção.
Na extrema oposta arrazoava-se assim: são realmente muito interessantes os fundamentos invocados pelos propugnadores da indispensabilidade do título escrito para prova do arrendamento; mas sobrepõem a teoria à realidade dos factos.
Ora esta é dura e até, por vezes, trágica. Muitos senhorios, se passasse a ser indispensável a prova por documento escrito dos contratos de arrendamento para habitação, teriam meio fácil de conservar os arrendatários à mercê dos seus caprichos. Devido à grande carência de casas, à imperativa necessidade de encontrar um abrigo, não teriam conta os casos daqueles que para conseguir tal desiderato se prestassem a dispensar o título escrito. Instalavam-se, pagavam a sua renda e - pobres deles!- daí por diante não havia imposição, sugestão ou pressão do senhorio a que não tivessem de ceder!
Os senhorios de má fé rejubilariam; os inquilinos confiantes estariam em regime permanente de espoliação facilitada.
Ora este quadro tenebroso não se me afigura sequer provável com referência a pequenas cidades, ou vilas, ou aldeias. Em Lisboa e Porto reputo-o marcadamente fantasista.
As questões de inquilinato têm tido tamanha publicidade nas duas principais cidades do País que raros, raríssimos, serão os arrendatários sem título escrito de arrendamento - é claro que para os casos em que a lei o não dispensa ou dispensava.
E quanto às restantes terras do País, se é exacto que a pequenez do meio, o conhecimento recíproco da quase totalidade dos respectivos habitantes e a confiança fácil de criar entre pessoas estreitamente relacionadas entre si
podem ter afastado a exigência do título escrito de arrendamento, não o é menos que essa mesma confiança, a pureza de costumes, não afectada pelos desbordamentos dos soi-disant grandes centros e escandalosa repercussão que teria a falta à palavra dada, o temor do desprezo público - tudo isto há-de contribuir ou concorrer para anular os receios de abusos que só seriam mais fáceis precisamente naquelas cidades onde, como disse, já nenhum inquilino entra para uma casa sem a garantia do seu título escrito de arrendamento.
Talvez por tudo isto a nossa comissão eventual deliberou pôr de banda as soluções extremistas e adoptar a de conciliação, constante do n.º 1 do artigo 1.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa.
Ora, se houvesse na Mesa qualquer proposta no sentido de se exigir sempre título escrito para prova do arrendamento, ainda mereceria a pena enfastiar V. Ex.ª, demorando-me na apreciação de qual a fórmula mais vantajosa, se esta se a da... "extrema esquerda"; prova de arrendamento por todo e qualquer meio.
Mas não há.
Logo, o problema restringe-se à fórmula contemporizadora do texto da proposta e à corrente, revelada por alguns dos Srs. Deputados presentes, no sentido de nem sequer ser necessária a exibição do recibo para prova do contrato de arrendamento.
Colocado o problema com tal simplicidade, por mim, deixo de hesitar.
Em hipótese alguma me associarei ao critério de deixar .à merco da pretensa prova de dois ou três depoentes, tanta vez mais que suspeitosos, parciais ou perjuros, a prova dos dois elementos do contrato de locação: prazo e preço certo.
O recibo ë o mínimo.
E não constitui sombra de inovação.
Recordem-se V. Ex.ªs que até à face das leis fiscais vigentes toda a entrega, a título de pagamento, de uma quantia importa a passagem do correspondente recibo selado.
Se isto é assim, por imposição expressa da lei, para todos os pagamentos, porque vai agora deixar de ser para os relativos a rendas?
Não se concebe. Não se justifica.
Se após toda a publicidade dada à discussão do assunto ainda houver quem, por incúria ou confiança, se deixe colocar na triste situação prevista pelos ilustres Deputados de que estou divergindo, sofre as consequências da sua própria falta!
Podemos afirmar, sem receio de contestação, que desde 1916 ou 1917 os senhorios portugueses vivem num regime de limitações, mais precisamente de desfavor, que o económico repele e só o social explica.
Não agravemos mais o que já existe.
Todas as cautelas são poucas no sentido de acautelar os interesses legítimos dos arrendatários pertencentes à classe média, que vivem de recursos parcos e têm quase sempre a seu cargo um numeroso agregado familiar.
Por conseguinte, quanto a facilidades em matéria de aumento de rendas, sou dos que entendem que cumpre agir com redobrada prudência.
Passar, todavia, desta para a protecção do desleixo ou a facilidade da fraude, nunca!
A solução intermédia da comissão eventual satisfaz-me.
De resto, no projecto há um preceito que estabelece uma sanção mais que violenta.
E pergunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se a ameaça da aplicação dê uma sanção tão severa como esta não eliminará os derradeiros riscos de uma aceitação unanime à sugestão que nos foi dada pela nossa comissão eventual.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!