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2 DE DEZEMBRO DE 1950 85

O Orador: - Exemplo de trabalho, primeiro. E, depois, exemplo de desassombro. Não cuidemos neste momento de resolver ato que ponto eram certas as ideias de Alfredo Pimenta, até que ponto eram as melhores as posições que tomava. Eu fui dos que mais frequentemente estiveram de acordo com ele, mas não ignoro que muitos estiveram em desacordo.
Seja como for, há que reconhecer-lhe uma rara intrepidez na defesa dessas ideias e dessas posições. Com um vigor, uma clareza, uma insistência que não deixavam lugar a cálculos ou reservas, precipitava-se no combate, afirmava-se em campo descoberto, era um batalhador sem escudo e sem viseira, ansioso por despedir golpes e pronto a recebê-los de frente.
Nunca foi difícil saber o que queria e onde se encontrava, tal a nitidez com que exprimia o seu pensamento, tomava as suas responsabilidades, corria os seus riscos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E numa época em que tanto abundam os obscuros, os tortuosos, os ambíguos, os que «avançam mascarados», segundo a famosa expressão cartesiana..

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... com o intuito de se manterem disponíveis para todas as mudanças, transigências e ludíbrios- não pode recusar-se a quem assim procedia a estima que inspira pela coragem que revelou.
Enfim: exemplo de desinteresse. É bem sabido que Alfredo Pimenta, na sua juventude, professou ideias anarquistas, que pertenceu depois a um dos partidos republicanos e que veio mais tarde a converter-se à religião católica e, na ordem política, a concluir pela Monarquia.
Toda a sua evolução, que sempre justificou de maneira a tornar bem claro ter obedecido a razões de puro carácter espiritual ou mental, seguiu a linha inversa dos interesses ou conveniências materiais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Republicano nos últimos anos do regime monárquico, veio a confessar-se monárquico em pleno regime republicano, quando podia colher os benefícios do seu apostolado anterior.
Fê-lo movido por imperativos de consciência e de inteligência - embora isso pesasse sobre a vida difícil que então levava e lhe pudesse mesmo valer a perseguição e o ostracismo.
Pelo tempo fora conservou-se inalteravelmente assim: incapaz de habilidades, de estratégias acomodatícias, de imposturas oportunistas ou de silêncios equivalentes a cumplicidades.
Os seus adversários poderiam acusá-lo de muitas coisas - nunca do um acto de tal espécie. E manteve-se até ao fim igual a si mesmo. Não será este, talvez, o seu máximo título de glória?
Exemplo de trabalho, de desassombro, de desinteresse - eis a tríplice lição de Alfredo Pimenta, que, além do valor da sua obra de escritor, tão nobremente concorre para nos obrigar a não esquecer o seu nome.

O Sr. Silva Dias: - Peço licença a V. Ex.ª para nova observação: é que eu não posso esquecer a injustiça praticada pelo Sr. Dr. Alfredo Pimenta em relação a um dos maiores valores da nossa geração - o Dr. António Sardinha.

Os Srs. Carlos Moreira e Cortês Pinto: - Tem V. Ex.ª toda a razão.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Sem dúvida nenhuma!

O Orador: - Isso já está contido na minha apreciação do polemista.
A última vez que falei com Alfredo Pimenta foi há poucos meses, neste mesmo edifício, no seu gabinete de director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Lembro-me do calor com que me descreveu as suas actividades desde que ali se instalara, me expôs os seus projectos de futuro, me contou os receios que o atormentavam, perante a deficiência das instalações do Arquivo, de que se deteriorassem e perdessem muitos dos preciosos documentos confiados à sua guarda.
Pediu-me até que levantasse aqui um brado de alarmo e chamasse a atenção do Governo para o perigo em que se encontram tantos desses valiosos, insubstituíveis, tesouros do nosso património cultural.
Ao ouvi-lo convenci-me da sua razão, do dever de lançar um apelo instante aos Poderes Públicos a solicitar medidas rápidas e eficazes que protejam, defendam e salvem o recheio ameaçado da Torre do Tombo e prometi-lhe que me ocuparia do assunto mal reabrisse a Assembleia Nacional.
Como havia de supor então que já não poderia ver-me cumprir essa promessa?
Aqui estou, no entanto, a cumpri-la. O facto de satisfazer assim a vontade expressa de um homem que deixou de pertencer ao mundo dos vivos dará - quem sabe? - maior projecção a estas breves palavras.
Se elas tivessem, por isso, a fortuna de serem escutadas e atendidas, estou certo - visto conhecer Alfredo Pimenta como o conheci - de que seria a melhor forma de honrar a sua memória e de recompensar de algum modo uma vida inteiramente consagrada ao serviço da cultura portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Caetano Beirão: - Sr. Presidente: desejo apenas associar-mo de todo o coração às brilhantes e sentidas palavras que o ilustre Deputado Sr. Dr. João Ameal acaba de dedicar à memória de Alfredo Pimenta.
Não são estes nem o momento nem o lugar próprios para evocar a obra imensa e a personalidade tão vincada do escritor que há mês e meio deixou um vácuo na cultura portuguesa.
Mas, já que o Dr. João Ameal aludiu à trajectória do pensamento do autor dos Estudos Filosóficos e Críticos, creio ter toda a oportunidade de sublinhar a coerência, e, direi até, a unidade que presidiu à evolução desse pensamento.
Tem-se tocado por vezes mal, de uma forma que se presta a equívocos, a tecla do escritor que mudou de ideias, que transitou de um campo para outro, como se fosse movido apenas por um temperamento irrequieto ou andasse caprichosamente ao sabor das ideias em voga. Ora isso não corresponde à verdade.
Alfredo Pimenta foi sempre, através de todas as vicissitudes, o homem superior que não transigiu com o mal da sua época e reagiu tenazmente contra as mistificações do século XIX, à procura da luz verdadeira que os mitos fascinantes da sua mocidade persistiam em ocultar. E, assim, nunca se acomodou ao formalismo da Carta, ao parlamentarismo aliciante, à ficção da Democracia. Nunca foi democrata. Isto revela que houve uma constante no seu pensamento.
Se, como reacção contra as ideias de 89 e contra a inadaptação do liberalismo ao nosso país, cultivou aristocraticamente a flor do anarquismo intelectual, dever-