2 De MARÇO DE 1951 459
mundo civilizado e cristão, e até nos possibilitou, há pouco, amnistiá-los amplamente em tudo o que não revelasse crime comum grave ou de lesa-pátria, e pouco mais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A realidade é esta; mas, porque o é, e como realidade são os grandes factos que a determinam, o Estado não tem de recear, o Estado não pode recear, o Estado não deve recear ir mais além em tolerância para os que dela se mostrem dignos; tolerância que, ao fim e ao cabo, vai ser outro testemunho da consciência da sua razão, da certeza da sua força.
Compreendia-se que, seguindo o exemplo da primeira República, o Estado Novo, na sua fase embrionária, e por isso mesmo necessariamente incerta e instável, sem norte nem rumo definido, e porque o inimigo não desarmou, usasse do direito de legítima defesa e se precatasse com medidas legislativas ou meramente policiais destinadas a conter os ímpetos do adversário e a manter a ordem pública, não assegurada desde logo, como se revelou nalgumas tentativas goradas.
Mas o Estado Novo, o Estado Novo a que os mais optimistas só vaticinavam meses de vida, atingiu há muito tempo a sua maioridade, entrou na idade adulta, adquiriu prestígio e adquiriu força - a força da razão, que suplanta a das próprias armas -, e criou no seu activo uma obra inigualável e imorredoura, que nada e ninguém podem destruir, encobrir ou depreciar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E para isto, quanta vigília, quanto trabalho, quanto sacrifício e sofrimento e quanta resignação de tantos e tantos que, exaustos, já ficaram pelo caminho, e dos que vivem, mas, queimando a vida, continuam sempre e sempre esforçando-se por conduzir a Nação a melhores destinos, tendo à sua frente o estímulo e a acção de um homem que, pelo exemplo de suas virtudes e pela obra nunca igualada de um Governo de mais de vinte anos (quase um quarto de século!) conquistou o respeito e a admiração de todo o mundo civilizado. Conquistou, para os portugueses, Portugal e, para si, a gratidão dos portugueses!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A obra impõe-se em quantidade e qualidade suficientes para resistir a todas as investidas demolidoras, a todas as críticas dos que, acima da Pátria, coloquem as paixões, os ódios acerados pela impotência, os interesses, as vaidades feridas.
«Quem não deve não teme» é a expressão comum adequada, e «a Constituição considera a opinião pública elemento fundamental da política e administração do País» - disse o Governo no relatório do Decreto n.º 26:590, de 14 de Maio de 1936.
Eis as razões porque imagino poder-se tornar possível, ao aludido hóspede ilustre, se um dia aqui voltar, modificar o seu juízo sobre a excepção que formulou.
E, mesmo agora, ele, para ser justo, devia fazer o confronto com a realidade noutros países ou com o passado do nosso, também baptizado de «democracia»; com esse passado tenebroso, em que as liberdades eram tantas que, atropelando-se, se esvaiam em sangue ou se convertiam em reacções de despotismo e tirania, de que foi imagem flagrante a «acção directa», que teve precisamente a imprensa por melhor testemunha e maior vítima.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há quatro anos, na sessão de 11 de Fevereiro de 1947, ao realizar um aviso prévio sobre as importantes reformas de justiça, apontei a conveniência da revisão da lei de imprensa, cujo diploma fundamental data de 29 de Julho de 1926, e, portanto, de há cerca do vinte e cinco anos; revisão que aliás, se não estou em erro, havia sido anunciada.
Fazia-se mister actualizá-la, enquadrá-la numa nova ética, em novos princípios, ir ao encontro de justas aspirações, sem que todavia estas deixassem de ser condicionadas por aquele conceito de que «a imprensa é um enorme poder para o bem e deve evitar ser um poder para o mal»; conceito que ela tem e, na generalidade, nobremente respeita.
E aquela necessidade mais se acentuou depois de ter sido modificada estruturalmente, nas grandes reformas de 1945, a orgânica objectiva dos processos penais e a competência e funcionamento dos tribunais respectivos.
Mas, como fiz então - e sem que isto enfraqueça o império daquela necessidade -, não deixo de acentuar que a legislação anterior àquele decreto ditatorial do limiar do Estado Novo, completado, quanto à censura prévia, especialmente pelo n.º 22:469, de 11 de Abril de 1933, representou, apesar de tudo e sob determinados aspectos, um passo de valor em beneficio da liberdade de imprensa.
Sim, meus senhores!
Basta salientar que a legislação do Estado Novo não só aboliu, mas expressamente proíbe e pune, no artigo 9.º daquele primeiro decreto, a apreensão dos jornais e demais publicações, que na primeira República, antes, durante e depois da grande guerra, podia ser ordenada (Decreto de 28 de Outubro de 1910, § único do artigo 2.º; Lei de 12 de Julho de 1912, artigo 3.º; Decreto n.º 2:270, de 12 de Março de 1916, artigo 1.º; e Lei n.º 495, de 28 de Março de 1916, artigo 4.º).
E esta violentíssima, ampla e arbitrária faculdade das autoridades administrativas e policiais, sem regra nem limite, ainda não contivera a tal «justiça popular» na sua longa teoria de assaltos, empastelamentos e roubos, só possível nos países de liberdades sem controle, melhor dizendo, de «licença» sem limite, e, é claro, visaram a imprensa desafecta ao despotismo dominante. E, como é óbvio, aquela ampla atribuição do foro policial era a mais violenta e mais prejudicial que podia haver para os jornais, revistas, livros e mais publicações, pois inutilizava completamente o trabalho feito e o enorme dispêndio consumado em composição, impressão, papel, etc., sem possível resgate.
Não. Do nenhum modo podem servir-nos de apoio a legislação, a atitude e os exemplos de um passado de triste recordação. O que conta é, sim, o reconhecimento directo da existência de normas que hoje são rigorosas, excessivas, que, como disse, o dealbar do regime actual justificava, mas a normalidade e a segurança presentes dispensam e tornam irrevelantes, o mesmo contraproducentes. E mesmo contraproducentes, insisto, porque a «censura» origina o «segredo da abelha»; e uma excessiva restrição à divulgação e crítica na imprensa facilita a divulgação clandestina deturpada a calúnia, o boato tendencioso, a criticazinha por vezes traiçoeira, malévola e dissolvente do café ou do soalheiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em geral, pior do que aquilo que possa dizer-se ou publicar-se é o proibir que se diga e publique.
E quantas, quantas vezes se quebram nas mãos dos que as empunham as armas apontadas contra os outros!
Todos se recordam daquela fase de panegírico, retrato e entrevista nos períodos eleitorais de 1945 e 1946.