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460 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

Salvo casos excepcionais, foi como se uma barragem se abrisse ou extravasasse, espraiando pela terra ondas de veneno, que na verdade perturbaram a normalidade na vida e na Administração, encorajaram o inimigo e alarmaram os tímidos e certos acomodados, que, para manterem posições, até à aliança do diabo tinham de ajeitar-se.
Efectivamente, chegou a haver em certas classes um esboço de perplexidade e de incerteza. Mas isto não proveio, principalmente, do que se disse ou escreveu, mas precisamente do estado de melindre e de susceptibilidade que o exagero de restrições anteriores originara na opinião pública - frágil e volúvel como pluma ao vento.
Por isso, produziu então nela mais escândalo que faltassem ainda duas camas num hospital, um caminho no sertão ou uma escola em lugarejo de três fogos do que, há cerca de trinta anos, ter um Deputado democrático, mais tarde Presidente do Ministério, revelado no Parlamento que o País estava a saque.
Pois bem!
Apesar de tudo, que resultou de o Governo ter mandado abrir por completo em 1945 e largamente em 1949 a válvula de segurança? O resultado foi a retirada - que só quero denominar estratégica - do inimigo, o completo desmoronamento das suas campanhas alicerçadas em argila; e em 1949 a confusão, os conflitos e as desordens foram tais, naquela barafunda de homens e de ideias denominada por Botelho Moniz torre de Babel, que a polícia foi chamada a intervir para salvar os mitos, aqueles mitos que Tito Arantes lapidarmente flagelou! E o portador deles, cuja boa fé fora iludida, encontrou na nobreza e generosidade do Governo a garantia da sua integridade ameaçada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Numa palavra, os resultados das liberdades concedidas à imprensa foram: a ineficácia da campanha, totalmente aniquilada pelas realidades postas perante os olhos, mesmo dos que não querem ver, e pela réplica devida, feliz e brilhante que lhe deram os homens da Situação; a autoliquidação dos inimigos; o Estado Novo e o seu Governo vitoriosos e fortalecidos, e - verdade se diga - advertidos de algumas verdades, o que também não foi mau. E por fim, como revelação desta última verdade consoladora, o arquivamento puro e simples da lista ou cadastro pessoal dos amigos da «democracia» ... e mais de «eleições livres»!
Sr. Presidente: a actual lei (Julho de 1926) começa por declarar licito a todos manifestar livremente o seu pensamento por meio da imprensa, independentemente de caução ou censura e sem necessidade de autorização ou habilitação prévia. E, é certo, em grande parte limita-se a reproduzir e adaptar à imprensa a classificação dos delitos de direito comum e as penas já definidas e classificadas no Código Penal (injúria, difamação, calúnia, ultraje à moral pública e provocação ao crime). Neste aspecto não é legítimo opor objecção, porque se trata de normas de direito penal mais ou menos comuns em toda a parte e respeitam à vida e dignidade humanas.
Deve, na verdade, à maior liberdade opor-se a maior responsabilidade.
E não pode dizer-se que são graves as penas aplicáveis entre nós, se em alguns casos verificarmos o que sucede noutros países.
Um exemplo basta:
Relatou A Voz há pouco que, por um jornal de Santiago do Chile ter noticiado que se haviam demitido oficiais aviadores dos Estados Unidos escolhidos por sorteio para combater na Coreia, o director foi condenado em quinhentos e quarenta e um dias (ano e meio) de prisão o 10:000 pesos de multa e o editor em três anos e um dia de prisão e em multa igual.
Mas o decreto considera também abusos de liberdade de imprensa todos os crimes previstos na legislação de 1910 (Decreto de 28 de Dezembro), de 1912 (9 e 12 de Julho) e 1916 (12 de Março) e particularmente a exposição e venda de publicações da qualidade e da natureza e com o conteúdo que enumera. Quer dizer: foi buscar à tal «democracia individualista» o necessário e o demasiado.
Ora afigura-se-me que, além da actualização de toda a parte objectiva e formal, é especialmente nos defeitos e exageros transportados da legislação de tempos idos que deve incidir a revisão do problema.
Apoiados.
Contemplemos, porém, o ponto crucial.
A atenção deve incidir também, e especialmente, sobre o principal diploma regulador do exercício da «censura prévia» ou seja o mencionado Decreto de 1933, que, apesar de (como a Constituição e o Decreto de 1926) garantir a expressão do pensamento, ultrapassa o justo limite nas restrições que origina, embora, porventura, menos no texto do que na interpretação. Vai além do que é necessário e mesmo além do que é conveniente.
Estabelece que a «censura» terá somente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade.
A primeira conclusão a tirar do texto é que ele é impreciso e, portanto, naturalmente, irremediavelmente, presta-se às mais variadas interpretações, conforme a opinião, o critério dos que desempenham a função, por melhores que sejam (e têm sido) a dignidade, o escrúpulo, a boa vontade dos que se empreguem na ingrata e delicada função.
O mal é, pois, de origem e só pode remediar-se com a revisão do problema, limitando-se e sistematizando-se com a possível concretização os casos cuja publicidade seja defesa. Devem ser as comissões de censura as primeiras a desejá-lo.
E a meu ver esses casos deveriam limitar-se a noticias falsas ou tendenciosas que possam alarmar subitamente a opinião pública ou induzi-la em erro grave, revelação de segredos de Estado ou noticias e comentários sobre assuntos de ordem internacional que possam afectar a soberania ou o prestígio da Nação, e ainda todas as propagandas subversivas contra ela, contra a sociedade constituída ou contra a autoridade ou seus agentes. São razões específicas todas graves e para além das quais não me parece dever-se ir, porque o resto a contemplar pode cair sob a alçada do direito comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para se evitarem os inconvenientes que resultam do sacrifício do social ao individual ou a absorção do individual pelo social,
importa não destacar da unidade verificadora em que se aglutinam a liberdade e a autoridade. A liberdade não é a faculdade de dirigir em todos os sentidos, sem topar com obstáculos, os efeitos da própria vontade; uma tal concepção traz em si o germe da própria destruição. A autoridade, por sua vez, não consiste em subordinar a personalidade, como elemento sem vida, à «omnipotência» do «todo»