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8 DE MARÇO DE 1951 511

possivelmente distinto da parte de alguns, reduzindo-os à miséria e ao desespero no último quartel da vida?
Ora, Sr. Presidente, se há lapso legal, só há um único caminho, que o conceito de humanidade e de justiça impõe: é corrigir-se por diploma legal o lapso ou falha que exista.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E assim não haverá quebra de outro conceito, que esta situação política criou e é de manter: o Estado pessoa de bem.
E é ser pessoa de bem acudir aos que são, sem culpa, espoliados dos seus legítimos direitos.
Confio em que o Sr. Ministro das Finanças tomará as medidas que o estranho caso requer.
Sr. Presidente: aproveito estar no uso da palavra para me referir a assuntos culturais já por mim versados e por outros ilustres Deputados.
Faço-o sinteticamente, para não ultrapassar o tempo regimental.
O caso da compra da Biblioteca da Manisola, em Évora, pelo Estado continua sem a necessária solução.
Os problemas que se prendem com a instalação e funcionamento das bibliotecas e museus mantêm-se na mesma posição insolúvel.
Os casos máximos que sofrem de doença aguda são precisamente os que respeitam à Biblioteca Nacional, à Torre do Tombo e ao Museu de História Natural da Faculdade de Ciências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Toda a gente já sabe o que de afrontoso e prejudicial se passa com esses três poderosos instrumentos de cultura nacional. Tudo isto tem sido posto em evidência através de larga campanha de imprensa, especialmente O Século, que aponta os remédios.
Falar-se do estado de miséria e de abandono da Biblioteca Nacional é só pôr aspas no que se refere, aos outros dois serviços.
Já conhecia a Biblioteca Nacional, como modesto frequentador em anos idos, especialmente quando estudante em Lisboa.
Li com o maior confrangimento a notícia dos desmandos ali praticados por mãos criminosas.
Meditei sobre as palavras publicadas por ocasião da posse do último director.
Ouvi com a maior atenção as palavras de esclarecimento e aviso do nosso ilustre colega Dr. Jacinto Ferreira.
Visitei depois de tudo isso a Biblioteca Nacional.
O que vi nessa desagradável visita ultrapassa em muito o que foi traduzido em palavras por outros e agora por mim próprio.
A sensação colhida foi de infinita tristeza pelo que já se perdeu irremediavelmente e pelo que se vê perder hora a hora, num ambiente de supremo desconforto e desolação.
Antes o incêndio de Alexandria.
Ao menos ficou na Humanidade a impressão trágica da riqueza opulenta que se perdeu.
Eu tenho esperança, Sr. Presidente, de que, passada esta hora má que o Mundo está vivendo, o Governo lançará as suas vistas salvadoras para esses três tesouros da cultura nacional: o Museu de História Natural, a Torre do Tombo e a Biblioteca Nacional, que terão finalmente as instalações que lhes são apropriadas e que honrarão a Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: a minha intervenção quero-a rápida, para se tornar mais eficaz.
O surto da alta de preços trouxe inevitavelmente consigo uma guarda avançada do velho e ressuscitado «mercado negro» - um mercadote amulatado, café com leite, mas muito bem açucarado.
Nesse mercadejamento não trabalham já isolados: organizaram-se, agruparam-se e aperfeiçoaram-se, encadeando-se numa espécie de trusts, com as redes cumpliciantes bem asseguradas de cautelosos intermediários, como que a tentarem cancerizar a burocracia, estipendiando e corrompendo funcionários e decompondo os seus serviços.
As «lavas» passaram a ser para esses corruptores uma fornia de evitar as impressões digitais - descalçando-as consideram-se ... honestos cavalheiros.
De súbito, nesse céu sereno em que gozam as delicias capuanas da vida esses criminosos antieconómicos - no grupo dos quais os açambarcadores formam a ala mais vistosa, mas não talvez a mais nociva- rompe inesperada a maré alta das multas encapeladas, escandalosamente alterosas, em que não se sabe se é mais de espantar o quase inverosímil e astronómico das quantias de multa provável, se a facilidade com que o dinheiro para as satisfazer é arrebanhado, multas essas cujo quantitativo ascende a quantias que às vezes ultrapassam o próprio capital nominal de alguns dos emissores.
Os processos formam-se lentamente, mas a chicana, inteligentemente, ainda os delonga, em companhia do tempo, que é grã-senhor e que acaba por lhes dar um ersatz de amnistia.
Entretanto a alta da vida fere essa classe média que constitui o alicerce seguro da Nação, fere-a inexoravelmente, implacàvelmente, por um lento processo de desagregação, proletariza-a, deixando-a como presa fácil para o comunismo.
Nessa tesouraria da Intendência dos Abastecimentos, a que eu chamo humoristicamente o 8.º bairro fiscal - o bairrito da plutocracia, que eu não confundo com os ricos que cristãmente ganharam os seus haveres e deles bem dispõem moralmente-, dizia eu, nessa tesouraria arrecadam-se multas, mas o delinquente continua a gozar a vida na prisão dourada o movimentada dos seus oito ou doze cilindros.
Novas noções penais, que arrepiavam os jurisconsultos clássicos, difundiram-se legalmente entre nós, no afã de bem assegurar e condicionar a defesa social, quer para os delinquentes habituais, quer para os de certos delitos políticos «comunicados», num duplo sentido da palavra.
Ao delito clássico e perfeitamente definido veio substituir-se uma noção delitual trabalhada e elasticizada pela periculosidade e temibilidade, mas tão adaptável às necessidades imperiosas de uma segurança económica.
Essa noção- não se insinuou rio nosso direito criminal e económico, nunca a competência inegável do actual titular da pasta da Justiça foi chamada a legislar sobre o delito antieconómico para lhe dar uma definição flexível «género cauchu», que se adapte com um delito proteiforme em que diabòlicamente uma imaginação doentia materializa os mais inconfessáveis interesses.
Formação rápida de processos, julgamentos prontos, recusa de fiança para os delitos antieconómicos que assumam o carácter de crimes de traição à economia portuguesa ou duma espécie de homicídio generalizado, eis em súmula o que exige a opinião pública para uma legislação adequada.
Se há uma legislação para os contumazes, para os comunistas - de momento não discuto politicamente se é boa ou má -, porque é que não se aplica mutatis mutandis nos seus termos de excepção aos «comenistos», porque uns e outros não se devem afigurar menos perigosos para a segurança do Estado?