514 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 80
O Orador: - Anunciou-se há pouco que o Douro nacional está tecnicamente estudado; julgo ser esta afirmação excesso de optimismo ou talvez um equívoco, porque o aproveitamento integral em conjunto do Douro ainda não está tecnicamente estudado, e já podia e já o devia estar há uns anos, porque, de todos os grandes rios portugueses, é sobre ele e sobre o Tejo que se conhecem mais dados de natureza hidrológica para fazer com certa rapidez esse estudo.
Julgo que dentro de um ano será possível ter ideia definitiva de todo o valor económico do Douro, nos seus diversos aspectos de energia, navegação, rega e quaisquer outras utilizações que porventura possa oferecer toda a sua bacia hidrográfica, que é vasta e de grande interesse.
Um ilustre colega nosso, que tantas saudades deixou nesta Casa, ardente defensor do problema do Douro em diversas intervenções justas e bondosas, como sempre foram as suas, aludiu um dia ligeiramente, creio que quando tratava do Douro internacional, a dificuldades possíveis na utilização, em território nacional, de água proveniente do pais vizinho, sem contudo lhes dar importância, que, por declarações vindas agora a público, parecem constituir a razão fundamental da demora dos estudos e aproveitamentos sugeridos no parecer das contas de 1943.
Ora uma leve reflexão sobre o problema mostra que o grande valor do Douro, além dos caudais e desníveis próprios e de seus afluentes, provém também da existência de um grande reservatório em território espanhol, justamente na fronteira portuguesa, e da construção de outros também bastante próximos.
Na divisão do troço internacional, por convénio, cabe ao país vizinho uma secção com alto desnível, situada na parte inferior do troço, logo a seguir ao Douro nacional. O desvio de valiosos caudais dos reservatórios já construídos, se fosse económico ou até possível, iria naturalmente ferir uma das mais importantes possibilidades hidroeléctricas do pais vizinho - seria contra o seu próprio interesse.
Devemo-nos regozijar com o progresso já feito pela aceitação da ideia do aproveitamento integral do Douro, na base de energia, navegação, rega e quaisquer outras utilizações possíveis.
Para findar esta ligeira demonstração sobre o Douro nacional, resta ainda aludir a um ponto delicado, que é o da orgânica futura da sua exploração, e doutrina idêntica se aplicará mais adiante ao tratar do Tejo.
A própria definição de aproveitamento integral implica logo a necessidade de unificar num organismo a superintendência e a responsabilidade administrativa, económica e financeira desse aproveitamento.
Isto significa ser indispensável que a concessão e a exploração dos recursos da bacia hidrográfica do Douro nacional sejam confiadas a uma única entidade. Parece não ser possível extrair do conjunto o máximo proveito económico sem a completa integração das entidades que superintendem neste ou naquele afluente.
A exploração da bacia hidrográfica do Douro nacional em matéria do energia e água para rega deverá concentrar-se numa única empresa - oficial, mista ou privada. E como o aproveitamento integral implica o estabelecimento de uma via de comunicação da fronteira ao Porto, haverá que considerar a situação da linha férrea que margina o rio.
Não vejo agora outra solução para resolver tão vasto problema que não seja a exploração, no que diz respeito a água, por uma empresa única que sub-rogaria na empresa ferroviária a exploração da via fluvial, com condições impostas pelo Estado em matéria de tarifas. Deste modo parte do tráfego da linha do Douro passaria a ser feito por via fluvial, com proveito para a entidade ferroviária exploradora, oficial ou não, e para o próprio País.
Seria ainda a única maneira de auxiliar, sem encargo para o orçamento do Estado, a situação dos caminhos de ferro, que há-de continuar a ser precária em frente da concorrência e dê outros factores.
Sr. Presidente: ditas estas palavras sobre o Douro nacional e seus problemas, vejamos o caso do Tejo.
Se a bacia hidrográfica do Douro, em conjunto, representa a mais valiosa fonte de energia em Portugal, o Tejo é, sem dúvida, a mais valiosa fonte de caudais para rega, sem de modo algum querer menosprezar a sua influência como origem de energia hidroeléctrica.
É um rio com uma bacia hidrográfica que necessita de ser vista em conjunto.
Darei, ainda que sumariamente, alguns esclarecimentos sobre este momentoso problema.
Pus ao Governo em 1941, Lei de Meios e por intermédio do parecer das contas de 1943, a sugestão de estudar o Tejo em conjunto, e sugeri também, mais especificamente, que seria de vantagem considerar a possibilidade de estudar um aproveitamento em Almourol e a alternativa de Almourol e Tramagal ou próximo.
Considerei o Zêzere, nessa data e anteriormente, como um afluente de grande valor, por tornar possível o armazenamento de um grande volume de água, que poderia atenuar falhas no Douro e no Tejo.
Era e é um instrumento susceptível de utilizar energia, que de outro modo se dissipará para o mar durante meses, no Inverno. A ideia vem expressa no Diário das Sessões de 11 de Novembro de 1944 e em escritos anteriores.
A grande preocupação que paira em tudo o que então disse é a dos anos secos ou muito secos. Por falta de. energia podem cessar actividades industriais de grande interesse, com a necessidade de recorrer ao racionamento, como tem acontecido em diversos países, entre os quais o nosso.
Julgo que o desenvolvimento económico português deverá ser baseado exactamente no princípio de suprir as deficiências de caudais do Douro e do Tejo e de outros cursos de água com a produção suficiente de energia estival onde for praticável, e com o mínimo de apoio térmico, tendo em conta os anos secos. É isso possível em muitos afluentes, e entre eles ocupam lugar importante alguns na bacia do Tejo, do Douro e de outros rios.
Assim, no caso do Tejo, o próprio rio, o Zêzere e o Ocreza estão intimamente ligados. Uns são complemento dos outros - não apenas no que diz respeito a força motriz, mas também ao próprio valor dos caudais do rio ou que nele são lançados pelos dois afluentes, depois de produzirem energia.
A bacia hidrográfica do Tejo pode fornecer ao Pais as utilizações seguintes: produzir bem mais de 1:000 milhões de unidades de energia, regar uma vasta área no Ribatejo e no Alentejo, servir a navegação até à fronteira, abastecer Lisboa e outras povoações de água potável.
O primeiro aspecto a considerar é o da segurança. Quer dizer, é indispensável planificar o aproveitamento dos sistemas hidrográficos de tal modo que nos anos secos o abastecimento de energia não desça a um nível que paralise, ainda que por pouco tempo, a vida económica do País. E isso só é possível pela constituição de reservatórios que armazenem o máximo das disponibilidades aquíferas, para utilizar nos anos secos.
«Este é - dizia eu em 1944 - o primeiro problema que se levanta e dele nascem muitos outros de natureza económica, financeira e até política».
Ora a construção de grandes reservatórios custa muito dinheiro, que aumenta em geral quando se leva ao extremo a ideia de guardar para anos secos os excessos de