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8 DE MARÇO DE 1951 515

águas que caem nos anos húmidos. Donde resulta que, se houver meio de aproveitar essa água em outras utilizações, além da energia, a venda dessa água paga parte dos encargos da armazenagem. Quer dizer, o açude construído para a produção de energia será pago não só pela energia que produz como também depois pela venda da água, se for possível o seu uso. As duas utilizações mais vulgares são a rega e a navegação.
Ponhamos o caso da barragem do Castelo do Bode, recentemente inaugurada, e suponhamos ser possível armazenar nela 800.000:000 de metros cúbicos de água nos anos secos, para energia estival. Números aproximados dizem-nos que os encargos anuais da empresa andarão à roda de 60:000 a 65:000 contos por ano, o que dá um preço para a energia nas barras, digamos, de $21 a £22.
Aqueles que leram os pareceres das contas e o meu último livro Estudos dê Economia Aplicada viram que a área de terrenos dominada pela cota de 30 metros no Almourol ou Tancos anda à roda de 130:000 hectares.
Também documentos oficiais nos indicam que 400$ por hectare é preço razoável para água destinada a rega, o que compara favoravelmente com preços para usos semelhantes dentro e fora do País.
Não é possível dizer qual é a parte da área dos 130:000 hectares dominados pela cota 30 própria para rega - e neste aspecto chamo a tenção dos estudiosos para o que se tem feito na Itália, França (Argélia e Marrocos), Egipto e Estados Unidos em terrenos de muito pouco valor.
Ponhamos as três hipóteses de 100:000, 80:000 e 50:000 hectares e vejamos, ao preço de 400$ por hectare, a influência da rega no custo da energia.
No primeiro caso os encargos desceriam para 23:000 contos, no segundo para 31:000 e no terceiro para 43:000, que correspondem ao custo de energia, respectivamente, de $07(6), de $10(6) e de $14(2) por kWh.
Pressupõe-se que os milhões de unidades a produzir no Almourol, juntamente com a água para abastecimento de Lisboa e povoações intermédias e a navegação, pagariam os encargos da respectiva barragem.
Não quero sugerir, com o que acabo de dizer, que Castelo do Bode possa ter direitos especiais para receber estas quantias quando amanhã se completar o esquema Almourol-Ribatejo, porque outras albufeiras, como a Pracana e o Alvito, se trabalharem no Estio e fornecerem por isso caudais para rega, podem ter idênticos direitos.
Aliás isso não tem interesse, pelo que direi adiante. Quero apenas mostrar à Câmara a influência de uma única utilização económica, além da energia, no preço desta. Fá-lo reduzir para pouco mais de um terço do custo actual, que não é desvantajoso, no caso mais favorável.
O esquema Almourol-Ribatejo, que não alaga o célebre castelo, antes o valoriza, por a sua base ficar 5 metros acima do nível da albufeira, é hoje considerado fantasia, imaginação, utopia por alguns, como o foi o esquema do Douro nacional quando o sugeri há meia dúzia de anos.
A observação que tenho feito da vida portuguesa diz-me que entrará no domínio da compreensão e da aceitação por todos dentro de menos tempo - talvez dois ou três anos.
Simplesmente já ninguém então poderá evitar o prejuízo para o País de não ter sido feito o estudo em conjunto da bacia hidrográfica do Tejo, que se traduzirá, pelo menos, na perda de 5 por cento da energia produtível do Castelo do Bode, ou mais de 3:000 contos por ano, ou na necessidade de desdobrar a altura da barragem de Almourol, com manifesto prejuízo para o dispêndio de capital.
Vê-se logo, por esta interconexação de direitos e benefícios, que a entidade exploradora da bacia hidrográfica do Tejo deverá ser uma única. Mais tarde ou mais cedo, na medida em que forem crescendo as possibilidades do rio com os aproveitamentos projectados, tanto em Portugal como em Espanha, hão-de aumentar as dificuldades.
Parece, pois, de interesse nacional, dada a função pública que o rio virá a desempenhar nos transportes nacionais e internacionais e na rega e noutros fins, promover o mais cedo possível a formação de uma única empresa.
Como no caso do Douro, suponho ser indispensável, dentro dos princípios de uma sã política económica, que os interesses ferroviários - que no fundo são os interesses do Estado - se liguem também estreitamente à vida do rio.
As mais recentes informações sobre os projectos espanhóis, no troço compreendido entre a foz do Erges e Talavera de La Reina, confirmam plenamente o que escrevi no meu último livro. Vão mesmo além de todas as expectativas.
Com efeito, logo a seguir à fronteira portuguesa, está projectado o início de uma série de barragens que podem produzir mais de 1:000 milhões de unidades e podem tornar praticamente navegável o rio até Talavera de La Reina.
A mais importante, próximo de Alcântara, a 14 quilómetros da fronteira internacional da foz do Erges, deve produzir um pouco menos de 500 milhões de unidades B ligar-se-á certamente no futuro à que sugeri no Tejo internacional, de modo a estabelecer o sistema entre Lisboa e Talavera de La Reina, com as albufeiras de Fratel, Belver e Almourol.
Parece estar, por consequência, em vias de definição no país vizinho um plano notável de aproveitamentos no Tejo, que se harmoniza com o programa de aproveitamento integral do plano português, como o expus, o qual irá valorizar consideràvelmente as disponibilidades energéticas espanholas numa região que delas carecia e permitir ao mesmo tempo ligações fáceis com o mar através de Portugal.
O problema começa a ter, «pelos factos que acabo de expor, uma projecção que até transcende os interesses puramente nacionais, e é de esperar que os dois Governos acordem o mais rapidamente possível na melhor forma de aproveitar o Tejo internacional, entre o Sever e o Erges, incluindo o pequeno troço até Alcântara.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho, no seu discurso de Dezembro passado e na clara exposição que antecede o relatório do Governo sobre a Lei n.º 1:914, põe em foco certos aspectos da vida portuguesa nos últimos tempos e emite opinião sobre o caminho a seguir no futuro.
Foi um grande prazer para mim ouvir e ler as afirmações do Sr. Presidente do Conselho, que em certos aspectos não são mais do que a confirmação dos princípios orientadores da política financeira do Estado Novo por ele formulados em 1928 e que através dos tempos e de várias vicissitudes tentei defender, muitas vezes sem grande êxito prático.
Concordo com as dificuldades sobrevindas desde o início da reconstrução financeira, e não posso deixar de notar que, apesar delas, foi possível manter este País em paz, tanto nos espíritos como nas ruas.
O serviço prestado é inestimável e de grande alcance, não apenas pelo que se ganhou com o viver em paz