8 DE MARÇO DE 1951 513
matéria os anos que decorreram até ao principio da guerra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Julgava eu então, tendo em conta os progressos em matéria hidráulica, sobretudo na América do Norte, que a solução mais económica para o aproveitamento das disponibilidades aquíferas nacionais era o seu uso em todas as utilizações possíveis, coordenadamente, de modo a poder extrair de cada bacia hidrográfica o máximo de proveito económico.
Este ponto de vista foi expresso nesta tribuna, em Dezembro de 1941, quando propus, com a aprovação da Câmara, o estudo e aproveitamento da bacia hidrográfica do Tejo, em vez de, como proposto pelo Governo, o estudo do rio Zêzere.
Não se fez, porém, o estudo da bacia hidrográfica do Tejo, e persistiu-se na ideia do passado, isto é, na ideia de considerar cada aproveitamento. por si mesmo e não em relação ao conjunto das possibilidades de uma bacia hidrográfica.
Foi por isso que, tendo em conta o grande atraso do País na matéria, aqui se propôs a realização de um inventário das possibilidades energéticas, que eu próprio e os meus colaboradores estimávamos em mais de 9:000 milhões de unidades, cifra hoje possivelmente ultrapassada por talvez cerca de 1:000 milhões ainda, em virtude do melhor conhecimento dos rios nacionais.
Nos pareceres de 1942 e 1943, nos discursos aqui proferidos em 1944, no apêndice ao parecer de 1940, se provou a necessidade de estudar imediatamente as bacias hidrográficas, sobretudo as dos dois grandes rios, o Tejo e o Douro, de modo a evitar prejuízos futuros.
Então se explicou, com grande pormenor, que um rio é uma unidade económica, é um instrumento de produção que pode ter utilizações diversas e valiosas além da energia, como a irrigação, a navegabilidade, o abastecimento de água a povoações, o domínio de cheias para evitar o assoreamento e ainda outras.
E do mesmo modo foi posta, com grande cópia de argumentos, que se encontrarão no Diário das Sessões, a questão das possibilidades de aumentar a produção de energia permanente, pelo aproveitamento de caudais que se dissiparão rio abaixo se não forem claramente definidas as compensações das bacias hidrográficas dos diversos sistemas.
Quase tudo o que então se disse redundou em letra morta até hoje, e só agora se reconheceu a necessidade do aproveitamento integral do Douro, depois de mais de meia dúzia de anos de hesitações, porque durante esse tempo só foi feito o reconhecimento geral daquele rio com o anteprojecto de uma das centrais e o estudo de alguns de seus afluentes, tendo em conta apenas os caudais do próprio rio e não as possibilidades no conjunto da sua bacia hidrográfica.
Sr. Presidente: um outro aspecto desta matéria, largamente focado em escritos anteriores, era o financeiro.
E partia-se então, e não mudaram infelizmente as coisas, do princípio seguinte:
Portugal é um país financeiramente pobre, quer dizer, os recursos disponíveis para investimentos reprodutivos e outros são muito pequenos. Há necessidade, por consequência, de desviar a maior percentagem possível para obras reprodutivas, e, dentro destas, é altamente vantajoso executar em primeiro lugar aquelas que produzam maior rendimento com o mínimo de capital despendido.
VV. Ex.ªs encontram esta ideia, que eu considero fundamental, a pairar como um leit motif sobre todas as sugestões por mim feitas: obter das inversões financeiras o maior rendimento possível, tendo em vista as necessidades basilares do País.
A execução da ideia pressupõe imediatamente a necessidade de aturada investigação, por forma a determinar claramente, sem sofisma, a prioridade nas obras - aquelas que devem ser executadas em primeiro lugar, de modo a que, com o seu rendimento, se possam gradualmente executar as outras. A ideia pressupõe, além disso, a visão do conjunto do problema nacional, da vida económica, das exigências políticas da Nação.
Pode colidir, e na verdade colide, com interesses unilaterais, quer sejam de gosto individual, quer até de natureza material; contudo, se alguém quiser governar um país e colher do seu governo o maior somatório de bem-estar colectivo, tem de abstrair do gosto, ou do interesse, ou da ambição de A ou B, que podem ser bem intencionados, mas que, por vaidade, teimosia ou ignorância, não estão a seguir caminhos que as realidades indicam ser aqueles que mais servem o interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Assim, o problema da energia, o da irrigação, o da navegabilidade dos rios é um todo e o seu conjunto forma o problema económico dos rios. Resolvê-lo parcelarmente é um erro grave e sério, porque afecta o que constitui uma valiosa parte do património nacional.
Peço a VV. Ex.ªs o favor de me desculparem da insistência sobre este ponto - dessa insistência que venho repetindo enfaticamente há tantos anos. Mas tenho de o fazer, porque devo ao meu país um respeito muito grande e, como Deputado e estudioso, é meu dever apontar claramente aquilo que me parece ser racional, mas que ainda infelizmente não foi - compreendido, ou é relutantemente aplicado.
Não se trata de pequenas coisas, nem de coisas que digam respeito apenas a meia dúzia de interesses parciais - trata-se de grandes coisas, de coisas que interessam a todo o Pais, ao seu presente e ao seu futuro.
A vida de uma nação não é um dia, nem um ano, nem um século. As coisas têm de ser planeadas de modo a durarem e a darem o maior bem-estar possível ao país enquanto durarem - não vá acontecer, como já aconteceu num grande estado norte-americano, ser necessário daqui a uns anos anular uma obra por erro de concepção inicial.
Sr. Presidente: dizia eu, pois, que o aproveitamento integral da bacia hidrográfica de um rio - no caso presente o Tejo e o Douro - deve ser objectivo do Estado, que não deve consentir, e muito menos auxiliar, a construção de obras que se não enquadrem, económica, política e socialmente, no esquema geral do aproveitamento integral das possibilidades do rio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Vejamos, em primeiro lugar, o Douro.
Quando, pela primeira vez, tive a honra de apresentar um esquema do aproveitamento da bacia hidrográfica do Douro nacional e expus as razões de preferência para o seu aproveitamento, em vez do troço internacional, fui, como habitualmente acontece talvez em casos idênticos, acusado de excesso de imaginação pelos mais delicados, de homem que vive no domínio da utopia por outros.
Podia lá ser! Aproveitar a energia de um rio, num troço de 150 quilómetros, produzir perto de 2 milhões de unidades, criar uma excelente via de navegação, atingir os minérios de Moncorvo e outros, dar vida intensa a uma região pobre a debater-se em crises. Podia lá ser! Passaram meia dúzia de anos, e julgo que ninguém hoje duvida da realização daquilo que ainda há pouco tempo era considerado utopia.
Vozes: - Muito bem!