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17 DE MARÇO DE 1951 645

e pobre da charneca alentejana, muito menos teria condições de vida.
«A cavalo novo cavaleiro velho» - diz o povo e diz bem.
Empregando a mesma forma, poderia dizer-se com a mesma verdade: a terra pobre lavrador rico.
O pior é que por este andar, se a crise se prolongar por mais dois ou três anos, não haverá dinheiro no Alentejo para amanhar as terras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Urge, portanto, que o Governo, perante este fenómeno de crises periódicas, procure solucionar, enquanto é tempo, o problema momentoso e lancinante que ameaça subverter o celeiro de Portugal.
Pelos grémios da lavoura do distrito de Évora foi delineado um plano de soluções, que passo a ler:

1.ª Financiamento, por hectare, da cultura do trigo: 1.000$ na 1.ª e 500$ na 2.ª fracção (o dobro do concedido até agora);
2.ª Colocação à ordem da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do quantitativo correspondente à propriedade cadastrada;
3.ª Reforço da dotação da Junta de Colonização Interna;
4.ª Pagamento do trigo baseado no custo de produção averiguado no inquérito feito pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo (3$50);
5.ª Compra, pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo, de todos os cereais, incluindo a aveia, esta até ao montante das necessidades e em rateio;
6.ª Revisão e actualização das taxas a pagar à mesma Federação e das dotações aos grémios da lavoura;
7.ª Construção de celeiros destinados à mesma Federação;
8.ª Construção em comparticipação de silos e nitreiras, bem como de instalações transformadoras dos lixos dos grandes aglomerados populacionais em bons estrumes;
9.ª Revisão sobre contratos de arrendamento da propriedade rústica;
10.ª Criação de um fundo para a solução das crises de trabalho entre os rurais, abastecido pela taxa de desemprego aplicada à propriedade rústica e explorações afins;
11.º Estabelecimento de um plano de obras a custear por aquele fundo e a empreender em épocas de crise, no qual se englobe: arborização da serra de Ossa, barragem do Almansor, combate à erosão, despedrega, drenagens e pequenas obras de rega;
12.ª Representação da lavoura junto dos organismos corporativos de grau superior e de coordenação económica;
13.ª Criação das federações distritais dos grémios da lavoura;
14.ª Criação do Conselho de Agricultura;
15.ª Restabelecimento do Ministério da Agricultura.

Isto será exigir muito? Talvez, sobretudo se for feito duma vez só. Em todo o caso, é de crer que as medidas financeiras preconizadas nesta exposição facultariam à lavoura as condições de vida de que carece para cumprir a sua missão e as medidas de representação lhe dariam aquele prestígio, satisfação e confiança que até agora lhe têm sido negados.
Foi entregue este plano aos Srs. Ministros do Interior, da Economia e das Corporações, em cujo alto critério se confia, sendo, portanto, ocioso pedir-lhes providências.
E com efeito, pelo conhecimento que temos nesta Câmara do seu espírito do justiça e da sua acção governativa, tudo nos leva a esperar que os ilustres titulares daquelas pastas farão tudo o que estiver ao seu alcance para realização destas aspirações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E assim ninguém nos poderia acusar de impormos à lavoura sacrifícios que ela por si só não pode suportar, negando-lhe os direitos que lhe assistem, como qualquer outra actividade nacional, à nossa contemplação e ao nosso amparo.
Se o argumento em contrário for o da compressão de despesas, nesse caso que ela se estenda a todos os sectores; senão seria poupar no farelo para gastar na farinha. E eu então pergunto se é justo abandonar à miséria e às tentações dos meneurs esse cortejo de desempregados que nos aflige, desde os rurais do Alentejo aos deserdados das grandes cidades, alguns destes com cursos e habilitações e, tantas vezes, com um rosário de sacrifícios em prol da nossa causa - conheço muitos assim -, que aguardam resignadamente que alguém lhes garanta, num mísero salário, o pão de cada dia, enquanto os parasitas da indústria e da finança se vão refastelando em avultados capitais, que o Estado galhardamente e honestamente confia a empresas que os malbaratam, distribuindo os seus lucros fabulosos em gratificações opulentas pelos mandibulários, em vez de aplicarem esses lucros, como é devido, a bem da Nação.
Isto, Sr. Presidente, não é com intenções demagógicas que o digo. É por imperativo de consciência; é por piedade.
E se não cito nomes não é porque os tema; é porque os ignoro, porque os não fixo; além disso, não sou beleguim. Limito-me a pôr o Estado de sobreaviso. Ele que se defenda, não de nós, que o defendemos, mas dos seus falsos amigos, que o comprometem, no assalto indecoroso às prebendas e às sinecuras. Sim, o Estado que se defenda, e para isso lhe basta escutar a voz da Assembleia Nacional e confiar, de preferência, na opinião e na força pública.
Sr. Presidente: calculo que a censura me vai cortar mais estas passagens; não importa. Basta-me saber que os serviços da censura são exercidos por camaradas meus, e muitos deles dos melhores, para que eu não proteste. E nem por isso me sinto atingido na minha inviolabilidade parlamentar, que para mim não existe de facto, porque em caso algum deixarei de me despojar voluntariamente das imunidades que a Constituição me confere para responder, em todo o terreno, pelos meus actos e pelas minhas afirmações.
E, sem desmentir de forma alguma a minha solidariedade com o Sr. Deputado Daniel Barbosa, eu, que também fui abrangido pela censura, entendo, porém, que o nosso órgão de publicidade é o Diário das Sessões, e esse é intangível.
A censura só nos atinge quando nesta tribuna nos constituímos eventualmente colaboradores dos jornais; nessa altura é a censura à imprensa, e não a censura ao Parlamento.
O pior é que os cortes que este organismo nos faz nas colunas dos periódicos tapam por um lado mas descobrem por outro, porque o homem da rua também lê o Diário das Sessões, confronta os dois relatos e faz os seus comentários.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª tinha-me pedido a palavra sobre a crise do Alentejo...