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646 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 87

O Orador: - Estou a acabar, Sr. Presidente. Vinha a propósito fazer estas afirmações.
Peço para isso mais dois minutos a V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Concedo mais algum tempo a V. Ex.ª, mas para tratar da crise do Alentejo. Se V. Ex.ª não vai tratar desse assunto, coloca-se fora da minha concessão.

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, dá-me licença que eu aproveite o momento para destruir alguns mal-entendidos que houve acerca do meu último discurso?

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Orador: - Daqui resultam naturalmente equívocos ou mal-entendidos que podem originar falsas interpretações, que certamente se evitariam com uma publicidade mais elucidativa.
Foi precisamente o que sucedeu com o meu último discurso. Houve quem visse nas minhas palavras uma ameaça quando me referi à posição do Exército perante a Revolução Nacional. Uma ameaça - pobre de mim! Como podia eu ameaçar se a minha palavra e a minha espada não representam mais do que um voto? Nem uma ameaça nem um aviso sequer! Formulei apenas uma aspiração, e essa meramente individual.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já lá vai o tempo em que, por mais de uma vez, tive a honra de falar em nome do Exército diante de Salazar. Submeti voluntariamente ao seu parecer a matéria dos meus discursos; eu fazia então afirmações mais graves e mais irreverentes do que faço agora, e, todavia, Salazar não me cortou uma única palavra. «Se V. Ex.ª não vê inconveniente...» - perguntei. E Salazar respondeu-me textualmente: «Nenhum; acho até conveniente que essas coisas se digam».
Hoje é por mim que falo, sem nomeação oficial e sem consulta prévia. Não tenho por trás de mim qualquer apoio, pelo menos material; mas é melhor assim: é toda minha a responsabilidade; não a partilho com mais ninguém.
O 28 de Maio foi há vinte e cinco anos. O Exército já embainhou a sua espada, porque a Revolução Nacional está em mãos seguras. E eu só faço votos para que o ruído das espadas não seja substituído pelo ruído dos talheres. Nada mais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De resto, não ataco o Governo. Pelo contrário; entendo mesmo que um Ministério é um posto de combate, um lugar de trabalho e de sacrifício, que exige um intenso e árduo labor. Portanto, os Ministros, só porque o são e enquanto o forem, merecem o respeito e a gratidão do País. Não ataco o sistema corporativo; até o defendo na sua orgânica e nos seus objectivos fundamentais. Não ataco o Estado Novo. Ataco apenas os homens que dizem servi-lo, de olhos postos unicamente na fruição insaciável de bens materiais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não sou demagogo - repito - e sei perfeitamente que só me prejudica esta «mania» de vincar as coisas; mas sei também que os verdadeiros inimigos da Situação não são os que a exortam, são os que a exploram; não são os que protestam, são os que mastigam; não são os que deixam de comer para conservar a linha, são os que perdem a linha para continuar a comer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eis, meus senhores, o que, a propósito da lavoura alentejana, me veio à lembrança a talho de foice.
E por hoje, Sr. Presidente, não enfado mais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Muúrias: - Sr. Presidente: são apenas algumas palavras para que não deixe de ficar registado na acta desta sessão um pensamento de profundo pesar pela morte de Edgar Prestage.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Edgar Prestage foi, efectivamente, no seu tempo o maior amigo inglês da cultura, da literatura e da história de Portugal.
Só hoje se soube em Lisboa que Edgar Prestage tinha morrido e que os jornais ingleses já haviam publicado a notícia do seu falecimento no dia 13 passado.
Isto nos poderia levar a considerações sobre o desinteresse das agências telegráficas de informações para a imprensa portuguesa quanto àqueles acontecimentos decorridos além-fronteiras e que mais poderiam interessar à sensibilidade e ao coração - ou aos interesses - dos portugueses, para se lamentar, uma vez mais, a falta de uma agencia nacional.
Embora tarde, e não por sua culpa, a imprensa portuguesa dedicou hoje ao passamento de Edgar Prestage aquelas palavras que não se puderam escrever no próprio dia e são, decerto, as que naturalmente estavam no íntimo de todos os que, neste país, não andam alheios aos grandes problemas da cultura.
Mas é evidente que nessas palavras se não disse tudo, nem poderia dizer-se tudo. Haverá tempo, agora, para o fazer... E há um aspecto da actividade de Edgar Prestage que me parece não ter sido frisado e gostava de registar aqui: a ele se deve nos países de língua inglesa a formação de um certo número de núcleos de lusófilos que mais ou menos por toda a parte, e não apenas na Grã-Bretanha, estudam e procuram divulgar as feições mais elevadas da actividade histórica dos portugueses e as mais belas páginas da sua literatura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Hoje existe realmente na Grã-Bretanha, existe realmente na União Sul-Africana, um certo número de lusófilos que começaram a sua actividade e a prosseguem levados pelo exemplo, pelo magistério e pelo admirável dinamismo portuguesista de Edgar Prestage.
Viveu entre nós; aliançou-se connosco pelo coração e pelo espírito; e, tendo sido um grande mestre de lusitanismo, nem por nos ter deixado jamais esqueceu as amizades que aqui recolhera, nem se desprendeu das preocupações que connosco partilhara.
Creio que nos não ficava bem se neste dia, apesar do aperto de tempo para os trabalhos que temos em mão, se não dissessem aqui algumas palavras de saudade pelo grande amigo que perdemos e de admiração e reconhecimento pela sua obra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.