26 DE NOVEMBRO DE 1952 4-(3)
anos para cá têm-se mantido em actividade, no intervalo das sessões legislativas, algumas secções para estudo de projectos de decretos-leis ou de propostas de lei enviados pelo Governo, de tal modo que, de facto, a Câmara funcionou ininterruptamente.
Mas ainda bem que nesta data nos é dado reunir publicamente o nosso plenário para podermos passar em revista o trabalho realizado, auscultar a opinião da Câmara sobre as condições do seu funcionamento e tomar consciência da nossa unidade.
Criada pela Constituição de 1933 como uma experiência a tentar, a Câmara Corporativa depressa conquistou o respeito público pela qualidade e pela independência dos seus pareceres.
Sem pessoal técnico ao seu dispor, sem serviços de documentação organizados, sem secretaria própria sequer, a Câmara deve a sua reputação exclusivamente à alta competência e à extrema dedicação dos Procuradores a quem têm sido distribuídos diplomas a relatar.
Sou testemunha directa do enorme esforço que, na grande maioria dos casos, envolve a elaboração de um parecer, a ponto de prejudicar completam ente ou quase, nesse período, a actividade profissional do relator.
A colecção dos dados informativos em diversas fontes, o seu exame crítico, a ponderação das opiniões, a sistematização dos aspectos, a redacção do projecto de parecer, tudo tem de ser feito pelos Procuradores a partir do momento em que são escolhidos para relatar.
Segue-se a discussão na secção competente, onde, com tanta frequência durante muitos dias seguidos, se faz o estudo minucioso dos problemas e se debatem com inexcedível elevação pontas de vista contrários.
Houve receio, em tempos, de que numa Câmara onde predomina a representação de interesses esses debates reflectissem excessivamente particularismos inconciliáveis. Pois posso afirmar que mesmo em questões delicadíssimas, envolvendo melindrosas posições, sempre vi nesta Câmara colocar acima de tudo o interesse nacional, nem nunca encontrei dificuldade para elevar a discussão acima do plano dos egoísmos classistas ou profissionais.
E, se alguma vez pareceu difícil encontrar uma plataforma para congraçar opiniões opostas, é curioso notar que se tratou de questões em que havia mais de uma maneira de conceber o modo de realização dos interesses nacionais e em que, afinal, o que estava em causa não era tanto uma competição de conveniências particularistas como a defesa dos brios de corporações a reivindicarem desinteressadamente a honra de servir melhor a Nação.
Ora todo este trabalho, para ser útil, isto é, para corresponder à função constitucionalmente marcada à Câmara e até para valer o que o Tesouro despende com ele, carece de ser feito sem precipitação, com o tempo suficiente para todos os que nele devem intervir poderem preparar e meditar a sua contribuição.
Apoiados.
No século passado os Parlamentos tiveram quase por ioda a parte a estrutura bicameral. A segunda Câmara, quer fosse hereditária, quer de nomeação, electiva ou mista, possuía poderes iguais à chamada «Câmara baixa» e o seu voto era indispensável à transformação de qualquer projecto em lei.
Preconceitos doutrinários ligados à teoria democrática da soberania nacional e, sobretudo, a necessidade de aceleração do processo legislativo têm determinado a evolução, nos Estados unitários, para o sistema de uma só Câmara ou para o bicameralismo imperfeito.
Adoptaram o unicameralismo puro as chamadas «democracias populares» constituídas para além da cortina de ferro e alguns países mais. O bicameralismo imperfeito é o que existe, por exemplo, na Grã-Bretanha e em França, e conserva duas Câmaras, embora confira apenas a uma delas preponderância política e voto decisivo da legislação.
As segundas Câmaras têm por si, no consenso geral dos constitucionalistas, a grande vantagem, quanto à estrutura, de poderem acrescentar a representação obtida do sufrágio universal, com elegibilidade irrestrita, outras formas de representação nacional obtidas por outros modos de designação ou por escolha de entre outras classes de elegíveis; e, quanto à função, de assegurarem melhor estudo dos problemas e a reflexão das soluções, sendo já corrente denominá-las «Câmaras de reflexão».
A Câmara Corporativa portuguesa é, tendencialmente, um corpo representativo da estrutura orgânica preconizada pelas leis fundamentais para a Nação - o que a torna respeitável na ordem constitucional do Estado Novo. Reduziu-a a Constituição à função consultiva, mas se, porventura, daí resulta algum ilogismo, ganha-se em troca maior liberdade no exame das questões que lhe são submetidas, mais larga independência de estudo e de crítica.
Julgo essa independência um dos mais preciosos tesouros do património moral desta Casa. Dentro de um propósito elevadamente construtivo, e sempre no intuito de colaborar com os órgãos de governo no proporcionar-lhes ensejo de ponderarem pontos de vista novos, novos dados e novas soluções, a Câmara Corporativa, em que têm assento tantos homens formados na austera disciplina universitária, reivindicou sempre o direito de examinar os problemas que lhe são submetidos com a maior liberdade de espírito e a maior isenção de atitudes.
E honra seja feita ao Governo, que sempre tem aceite e respeitado esta forma de colaborar. Seria, na verdade, inútil, e até prejudicial, manter esta Casa se ela servisse unicamente de eco às opiniões governamentais ou de veículo às declarações oficiosas. A Assembleia Nacional e o Governo, detentores do poder deliberativo, têm a faculdade de escolher uma ou outra solução, aceitando ou rejeitando, como entendam, as opiniões e argumentos da Câmara Corporativa: mas a obrigação desta é esclarecer ao máximo as questões, de modo a habilitar quem tenha de decidir a fazê-lo na posse inteira dos assuntos, em toda a complexidade que possam revestir. E esse aprofundamento, esse esclarecimento, esse exame crítico e desinteressado, deve a Câmara fazê-lo por si, tenaz e até corajosamente, se for necessário.
Não são tantos, de resto, os meios à disposição do Governo para auscultação das opiniões autorizadas do País - cujo conjunto difere profundamente da vaga e irresponsável opinião pública - que ele pudesse desprezar o parecer isento e fundamentado desta Câmara, elaborado, em termos de quanto possível, o elucidar com honestidade e esclarecer de boa fé. Porque a opinião emitida nesta Casa por escrito, e a que os Procuradores ligam os seus nomes, pode não ser a melhor - mas pretende-se que seja sempre respeitável.
Quer isto dizer que o trabalho da Câmara carece de ser feito com tempo, para vir a apresentar-se com as qualidades de informação, exame e reflexão que hão-de impô-lo. Podem as circunstâncias não permitir que um parecer influa como se desejava na resolução tomada o seguir à sua elaboração: isso não impede que os pareceres desta Câmara fiquem a constituir documentos de indispensável estudo nas futuras ocasiões em que os problemas neles versados venham a ser retomados - e é quanto basta para sentirmos sobre nós o peso de enormes responsabilidades.
Eis, meus senhores, os motivos por que tenho tido sempre a preocupação de que da Câmara continuem a sair, como é já tradição, estudos quanto possível com-