13 DE DEZEMBRO DE 1952 315
Quando as nações da Europa, terminada a segunda guerra mundial, tiveram de reconstituir as suas economias enfraquecidas, voltaram ao sistema das relações e dos tratados bilaterais.
A falta de meios de pagamento, por um lado, e a carência premente de abastecimentos -inclusivamente produtos alimentares-, por outro, criaram um estado e necessidade, a que o bilateralismo se mostrou impotente para pôr fim. Quando se tornava útil precisamente fomentar as trocas -para refazer atocha, acudir à saúdo das populações, reconstituir equipamentos, intensificar o emprego e melhorar o nível de vida-, a preocupação das divisas o dos meios de pagamento originou um conjunto de medidas discriminatórias que dificultou extraordinariamente o levantamento do comércio internacional.
A pouco e pouco o auxilio americano, nas suas diversas formas, foi ajudando as nações mais depauperadas a recomporem-se e reconstituírem-se, e foi ainda na execução do Plano Marshall que, através dos direitos de saque, se caminhou para um sistema de pagamentos multilaterais, que teve a sua expressão final na fundação, rio 2.° semestre de 1950, da União Europeia de Pagamentos.
No fundo, a União Europeia de Pagamentos funciona como uma grande câmara de compensarão, em que cada pais não tem de ter em consideração, como anteriormente, a sua posição devedora ou credora para com esta ou aquela nação, mas sim com o conjunto de países que a própria União engloba. Se um pais necessita do fazer uma determinada importação de outro, não tem de preocupar-se, como no sistema do bilateralismo, se é devedor ou credor desse país e se tem forma de satisfazer essa importação sem recorrer a um pagamento em ouro. Tem apenas de estar atento à sua posição final
- credora ou devedora- perante a União.
É da orgânica deste sistema a utilização do crédito como forma regular de pagamento desde que o saldo credor ou devedor do participante se mantenha dentro de certo limite previamente fixado e correspondente à sua quota dentro da União.
Não quer isto dizer que os saldos, credores ou devedores, são integralmente liquidados com crédito, mas sim que uma parte é liquidada através deste e outra através de pagamentos em ouro.
A proporção em que cada credor recebe e em que cada devedor paga em crédito e em ouro depende da sua posição na União, e para esse efeito as quotas são divididas em cinco escalões, correspondente cada um a um quinto da quota total. Os credores, ultrapassado o primeiro escalão, recebem metade em crédito e metade em ouro. Os devedores pagam maior percentagem em ouro à medida que os seus débitos se aproximam do limite da quota.
A quota de cada pais foi fixada em 10 por cento das suas transacções visíveis e invisíveis com os outros países da União em 1949. A Portugal, como é sabido, foi atribuída uma quota de 70 milhões de unidades de conta, ou seja o equivalente a 70 milhões de dólares, e como os países participantes são obrigados a conceder e têm direito a receber crédito até 60 por cento da sua quota, isso correspondia a Portugal ter, originariamente, direito de obter e obrigação de dar crédito até ao limite do 42 milhões de dólares.
Ficávamos também com o direito de utilizar os nossos saldos em esterlino para o pagamento de débitos à União.
Na hipótese de qualquer nação participante deixar de fazer parte da União Europeia de Pagamentos ou de esta se dissolver, as posições credoras ou devedoras seriam rateadas entre os países que dela fizessem parte, assumindo carácter meramente bilateral e devendo esses créditos e débitos, convertidos na moeda nacional do
país credor, ser reembolsáveis no prazo de três anos, na falta de acordo ou de providências especiais.
Dentro do mecanismo da União Europeia de Pagamentos, no fim de cada mês, que foi o período contabilístico adoptado, apura-se a posição de cada pais relativamente a todos os outros, e o saldo dessas operações permite determinar o que cada participante tem a pagar ou a receber da União. E ó precisamente porque um determinado saldo mensal pode, de facto, não traduzir a verdadeira situação de uma balança de pagamentos que se dispensa a liquidarão total em ouro e e faz larga aplicação do crédito, com o fim de facilitar e impulsionar o comércio externo das nações.
Tendo o nosso pais aderido ao novo organismo, podia discutir-se qual a posição que mais nos convinha dentro dele.
É fora de dúvida que. se a União Europeia de Pagamentos, através de um multilateralismo adequado, procurava abolir as práticas discriminatórias e aumentar as permutas entre os povos, era do seu espirito que cada nação, sem se preocupar com a sua posição perante este ou aquele dos países participantes, devia tender para um equilíbrio no conjunto das suas transacções com a União, por forma a não registar fortes posições credoras ou devedoras.
A orientação portuguesa não podia deixar de enquadrar-se nesta política de conjunto. Todavia, sem ser de desejar que o nosso país, por sistema, fugisse a situações credoras, era do seu interesse ocupar uma situação moderadamente devedora para com o conjunto dos países da União. Tínhamos possibilidade de liquidar essas posições devedoras com saldos em esterlino acumulados durante a guerra.
Por outro lado, fugíamos a dois riscos: o que resultava de represálias de outros países sobre as importações portuguesas e o que provinha, na hipótese de liquidação da União, de termos de aceitar em pagamento dos nossos saldos positivos créditos de valor contingente. Era então já do nosso interesse importarmos dos países participantes da União e tentarmos desenvolver algumas das nossas exportações para a área do dólar. Estávamos no 2.° semestre de 1950.
Dera-se mais um passo no caminho da reconstituição europeia, em continuação e no prolongamento do auxílio dos Estados Unidos, que haviam assegurado as primeiras operações da União Europeia de Pagamentos através de um fundo de maneio de 350 milhões de dólares.
Desde então, factos diversos e de importância relevante se deram no tablado da vida mundial. Uns de natureza política, outros de ordem militar, muitos de carácter meramente psicológico. Mas todo este conjunto de circunstâncias causou uma alta de preços considerável nos produtos alimentares e nas matérias-primas, originou a elaboração de novos planos de armamento, alterou os cálculos estabelecidos para a oferta e para a procura de alguns dos produtos de maior valia no mercado internacional.
A União Europeia de Pagamentos fora estabelecida na mira da liberalização do comércio, tendo em vista desenvolver as importações e as exportações sem que se perdesse a noção de equilíbrio entre a posição credora e devedora de cada uma das nações participantes.
Mas os factos ultrapassaram as expectativas e os acontecimentos quase não deram tempo para verificar as previsões.
O instinto de defesa originou a corrida às matérias-primas. O receio de fortes posições devedoras deu lugar a novas medidas discriminatórias.
Não pôde o nosso pais, como não puderam os outros, fugir às consequências deste novo condicionalismo.
A valorização e maior procura das matérias-primas e substancias alimentares, a tendência para a formação de