19 DE MARÇO DE 1953 897
A organização do ensino de Farmácia, apesar da competência, do seu professorado, tem um sabor pré-biótico e pré-industrial. Escolas, Faculdades, há pouco interesse pedagógico em fazer essa discriminação; o que se torna necessário é reforçar as verbas orçamentais e organizar o ensino, quer profissional, quer de licenciatura, para que esteja devidamente actualizado e disponha de laboratórios onde a prática se faça segundo os ditames modernos da Ciência.
Não interessam os títulos universitários; impõe-se mais um elenco de cadeiras que dê a este ramo de ensino uma eficiência científica e prática. O Sr. Reitor da Universidade de Lisboa, no seu relatório referente ao ano transacto, com a lucidez de sempre, afirma:
Problema semelhante se apresenta agora e com aspecto alarmante na Escola de Farmácia, sendo particularmente impressionante os apelos para as instâncias superiores a este respeito formulados pelo seu actual director, que à vida e progressos da sua Escola se tem dedicado com uma solicitude e um acerto que o tornam credor de louvores e imprimem especial autoridade aos seus apelos.
Como ó sabido, a Escola está actualmente funcionando em instalações consideradas provisórias, na chamada «Quinta da Torrinha», ao Campo Grande, num sítio isolado, onde mal chegam ainda os trabalhos de urbanização. Está por concluir a pavimentação da rua de acesso ao edifício, que assim fica isolado, como que na zona extrema da cidade onde não há policiamento nocturno, o que faz com que na roda do ano se repitam com frequência desconcertante os roubos de canalização e do contador da água.
De há muito que se pensa na melhoria dessas precárias instalações, e já tive ensejo de nestes relatórios aludir às obras que há anos ali foram feitas, após uma profícua visita do Sr. Ministro das Obras Públicas, e que dotaram providencialmente a Escola com duas salas de aula, modestas, mas limpas e arejadas e com boa luz, sem as quais nem sei o que se teria passado na vida deste sector da Universidade frequentado por 311 alunos de ambos os sexos.
Mas, apesar disso, a situação tornou-se de tal modo angustiosa que levou o seu director a declarar, em ofício dirigido à reitoria, em Julho último, que não julgava aconselhável iniciar novo ano de estudos sem que se atendessem à(r) necessidades mais urgentes em obras naquela dependência universitária.
A situação, de que o Dr. Mendes Ribeiro traça um quadro confrangedor, apresenta-se particularmente grave no que respeita a laboratórios. Instalados há trinta anos em casas construídas para recolha de alfaias agrícolas, sem esgotos, canalizações, ventilação e instalação eléctrica que permitam condições, razoáveis de segurança, para o trabalho escolar, funcionam em condições de salubridade deficientes e comportam reduzidíssimo número de alunos.
No ano lectivo transacto a Escola de Farmácia de Lisboa ministrou ensino prático a diversos cursos, que contam desde o mínimo de 58 alunos até 141, regulando a maior parte por cerca de 70 alunos. Para isso dispõe apenas de cinco laboratórios de dimensões reduzidas, o mais amplo dos quais comporta apenas 12 alunos. Isto obriga a numerosos desdobramentos, com notável acréscimo de trabalho para o escasso número de professores de que a Escola dispõe. E torna-se assim quase praticamente impossível organizar os horários dentro das horas aproveitáveis do dia e da capacidade de resistência física dos professores.
O local afastado em que a Escola se encontra aconselhou a instalação de uma cantina para evitar aos alunos deslocações para a refeição necessária no intervalo entre os cursos da manhã e os da tarde. Pois a cantina foi encerrada há vários meses, por não oferecer as necessárias condições de comodidade e ... de salubridade. Os alunos, além disso, não têm sala de estar; nos intervalos das aulas espalham-se pelo jardim, o que, pelo menos no Inverno, especialmente em dias de chuva, não é de grande conforto.
E mais poderíamos dizer se quiséssemos reproduzir o quadro traçado pelo director da Escola. Tem-se observado que se desaconselha fazer obras dispendiosas numa instalação provisória. Mas a verdade é que se tornou de urgência imediata a instalação definitiva. E cremos que esta se poderá fazer na própria Quinta da Torrinha, onde há terreno bastante e que não fica longe do novo Hospital Escolar, não parecendo, por outro lado, desvantajoso - segundo opinião dos da especialidade - que se encontrem vizinhas a Escola de Farmácia e o Hospital Escolar, sede futura da Faculdade de Medicina.
A frequência da Escola de Farmácia e a utilidade pública do ensino que nela se ministra justificam que se pense sem delongas na sua conveniente instalação. Já em 1949-1950 o número de alunos que frequentava em Lisboa o 1.º ciclo do curso de Farmácia era superior ao da soma dos que frequentavam o mesmo ciclo nas Universidades de Coimbra e Porto: 298 alunos em Lisboa, 118 em (Coimbra e 154 no Porto. A soma dos dois últimos números é apenas de 272 alunos, contra 298 em Lisboa.
E note-se que, no que respeita à licenciatura, que só se obtém no Porto, dos 130 alunos que a cursavam no citado ano lectivo, a maior parte provinha da Escola de Lisboa; ali se deslocavam para completar o sen curso.
As circunstâncias referidas, e ainda o facto de que em Lisboa estão localizados mais de dois terços da indústria farmacêutica do País, tornam injustificado o facto de o ensino completo de Farmácia se fazer apenas no Porto, em vez de Lisboa.
Seria de interesse do Estado facilitar e fomentar este ensino no País, localizando-o na capital. Em 1949, segundo notas fornecidas à reitoria pela direcção da Escola de Farmácia, o valor dos medicamentos especializados selados no País para venda ao público foi de cerca de 500:000.000$, e importámos nesse ano do estrangeiro medicamentos especializados no valor de 218 £20.i320$.
Grande parte destes medicamentos, muitos deles fabricados com matérias-primas por nós exportadas, poderia ser manipulada em Portugal se a Escola e Faculdades de Farmácia fossem dotadas de instalações e de laboratórios que permitissem aos seus alunos receber a preparação técnica que hoje têm de procurar no estrangeiro.
Aqui oferecemos à ponderação do Governo um problema, que, não apenas pelo aspecto cultural, senão também pelo aspecto económico-financeiro, é verdadeiramente de interesse nacional ...
Depois da leitura deste tão interessante relatório, há que concluir que se torna necessário reorganizar o ensino farmacêutico, não tanto para dar licenciaturas a todos os profissionais, mas para lhes ministrar uma adequada proficiência e bem actualizada competência; não