20 DE MARÇO DE 1953 919
especial que a lei exija para a existência ou prova do acto ou facto jurídico.
Atribuir ao colectivo competência para fixar a indemnização e, simultaneamente, reduzir a escrito os depoimentos das testemunhas não pode ter outro sentido que não seja o do significar aos juízes que lhes podem ser exigidas contas se não julgarem de harmonia com a prova, o que julgo ofensivo do Poder Judicial.
Mas tudo isto tem valor meramente histórico, pois os tribunais têm considerado revogado pela Lei n.º 2 030 e pelo Decreto n.º 37 758 aquele diploma, chamado «dos Centenários»; pelo menos assim decidiu recentemente a Relação do Porto, em acórdão de que foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nesta matéria de expropriações todas as dúvidas são legítimas sobre o que está e não está em vigor.
Bem o revela o parecer da Câmara Corporativa, de que foi relator um ilustre advogado, antigo membro desta Assembleia, também subscrito por distintos professores universitários. Em todo ele há linguagem cautelosa acerca dos diplomas que vigorarão.
O cumprimento do artigo 20.º, n.º 2, da Lei n.º 2 030, que impõe ao Governo o encargo de reunir em um só diploma todos os preceitos relativos ao regime jurídico das expropriações por utilidade pública, representaria, não só uma prova de respeito do Governo pela lei que esta Assembleia votou, como uma obra de caridade para com os tribunais e todos quantos lidam no foro.
No parecer sobre a proposta de lei n.º 202, referente a questões conexas com o problema da habitação, reconhecia-se que a condensação em um só diploma de toda a vasta matéria legal sobre expropriações é, por natureza, obra demorada. Decorreram, porém, quase cinco anos sobre a votação da lei, e esse tempo foi mais que suficiente para o Governo cumprir a deliberação da Assembleia.
Para publicar o regulamento previsto no n.º l do artigo 20.º careceu o Governo de ano e meio, em vez dos seis meses estabelecidos no artigo 109.º, § 4.º, da Constituição Política.
Trabalhando-se neste ritmo, não será exagerado computar em algumas dezenas de anos o tempo necessário para aquela unificação dos diplomas sobre expropriações.
São dois os reparos feitos no parecer à justificação do projecto:
1) Um relativo ao sistema da Lei n.º 2 030;
2) Outro referente a continuarem a escrever-se os depoimentos.
Quanto ao primeiro, nenhum preceito daquele diploma vedava o recurso da decisão do juiz proferida no recurso interposto do resultado da arbitragem.
Se é certo que nas expropriações urgentes o processo deve, em caso de força maior devidamente comprovado, ultimar-se no prazo de três meses, a ver-se nisso a proibição do recurso, ela seria restrita a tais expropriações.
Na proposta governamental era ao tribunal colectivo que se cometia o julgamento da decisão dos árbitros. Eliminadas as respectivas disposições pela Câmara Corporativa, que tinha em mente a subsistência do Regulamento de 1946, ficou dependendo do diploma a publicar a competência do juiz singular ou do colectivo. O regulamento optou pelo primeiro, e, logicamente, devia ter admitido recurso das suas decisões.
Quanto a escreverem-se os depoimentos, o parecer reconhece que é essa a prática adoptada. E, se é certo que a mesma não é imposta pelo regulamento, filia-se no precedente do Regulamento de 1946, embora não se compreenda a redução a escrito dos depoimentos quando não é admissível recurso.
Mas, estabelecido este por aplicação dos artigos 642.º e 579.º do código, os depoimentos serão escritos.
O projecto não curava da hipótese do artigo 15.º do regulamento, em que se estabelece o meio de o expropriado reclamar a expropriação total do prédio. Não há, todavia, motivo para, facultado o recurso da decisão final, não se admitir o mesmo naquele caso.
Discordamos, porém, da permissão do recurso para a 2.a instância independentemente do valor da causa.
O projecto visa a integrar os processos de expropriações em causa no regime geral dos recursos, e não a criar para esses processos um regime especial.
Nem se diga que, nessa fase, a causa não tem valor, pois à petição mencionada no artigo 13.º do regulamento tem de ser indicado valor, nos termos do artigo 318.º do Código de Processo, sob pena de não ser recebida; e, se o tiver sido, o juiz convida o requerente a indicar o valor.
Acresce que um dos documentos que acompanham o requerimento inicial é a certidão do valor matricial do prédio.
O valor indicado no artigo 40.º do regulamento é apenas o da contagem do processo, nada tendo com o fixado para efeito de alçadas, até porque, na economia do regulamento, o recurso para o juiz era sempre facultado, independentemente do valor da causa, e a decisão desse recurso era definitiva.
As dificuldades que possam surgir quando o seguimento da expropriação indique valor abaixo da alçada da l.a instância não são privativas da expropriação, pois se verificam no processo de inventário, no de prestação de contas e em todos aqueles em que a determinação do interesse económico em causa apenas se determina com rigor no seguimento da lide.
Não é, a nosso ver, de invocar o caso do inquilinato, pois o recurso independentemente do valor da causa era concedido desde 1925 ao arrendatário, até ao Supremo Tribunal de Justiça. A Lei n.º 2 030 pôs termo a essa desigualdade de tratamento.
E, como tais acções têm em regra valor baixo, permito-se sempre o recurso para a 2.a instância.
No caso de expropriações não se verificam as razões, até de ordem social, que impunham o artigo 80.º daquela lei.
Dentro do espírito do projecto, que é o de aplicar às expropriações as regras das alçadas, não podemos aceitar desvios. Daí a nova redacção que propomos para o artigo 1.º
Aprovado ele, o expropriado poderá agravar dos despachos proferidos, não só acerca da expropriação total, como sobre qualquer outra questão.
É mais frequente do que poderia supor-se o facto de se requerer uma expropriação sem base legal. Citado para expropriação que não foi decretada de harmonia com a lei, o expropriado poderá, antes da tentativa de conciliação, pedir a anulação do processo e tem o direito de agravar do despacho que indefira a sua reclamação.
Os restantes artigos que a Câmara Corporativa sugere parecem-me de votar, pois o 3.º a 5.º se tornaram necessários pela admissão do recurso da decisão do juiz da l.a instância.
O 6.º equivale ao 2.º do projecto.
Não se admitia que se vedasse o recurso em processos que não seguiram o sistema do Regulamento de 1950, mas sim o de diplomas em que o recurso era facultado.
Integradas, porém, as expropriações feitas de harmonia com aquele regulamento no sistema geral das alçadas, não podia deixar de permitir-se o recurso nos processos que estiverem pendentes na data em que a lei entrar em vigor.