20 DE MARÇO DE 1953 921
Admite-se na sua decisão uma apreciação livre e puramente subjectiva dos elementos constantes do processo, com a única restrição na fixação da indemnização, de se mover entre os limites máximos e mínimos indicados pelas partes em litígio, limites esses que geralmente se encontraram altamente distanciados.
E, agora, eu pergunto, Sr. Presidente: será razoável e justo que, conferida por lei ao julgador uma tal latitude de apreciação quanto aos interesses em conflito, da sua decisão não possa interpor-se recurso para os tribunais superiores?
A situação criada a este respeito pelo Decreto n.º 37 758 é manifestamente inconveniente.
Em face do larguíssimo âmbito de apreciação concedido ao julgador para fixação do montante da indemnização, esta torna-se fundamentalmente dependente do critério pessoal do juiz que tiver de proferir a respectiva decisão.
Nestas condições é evidente que situações idênticas submetidas à apreciação de magistrados diferentes ficam sujeitas a ser decididas em flagrante desigualdade, pois dependem unicamente do critério pessoal do julgador.
Veja V. Ex.ª, Sr. Presidente, que também é juiz, e muito ilustre, de um dos mais altos tribunais do nosso país, as perigosas consequências que podem derivar da disposição do § 1.º do artigo 31.º do Decreto n.º 37758, desde que não possa haver qualquer recurso das decisões proferidas ao abrigo dessa disposição legal.
Para os próprios magistrados que têm de pronunciar-se nestes processos isso representa uma situação altamente embaraçosa e que, em certos casos, os pode colocar perante os interessados em posição de particular melindre, que pode até reflectir-se no prestígio da própria administração da justiça.
Chamados a decidir dentro desse sistema que lhes atribui uma larguíssima margem de apreciação dependente de um critério pessoal e subjectivo, a decisão que tenham de proferir representa uma pesadíssima responsabilidade, sabendo de antemão que da sua decisão nunca poderá haver qualquer recurso.
E o melindre das decisões a proferir em casos semelhantes, nas comarcas em que haja mais de um juiz, pode atingir, por vezes, situações de extrema gravidade, que bem se compreendem, sem que seja necessário nelas insistir mais demoradamente.
Assim, é evidente que os próprios julgadores em l.a instância ficarão muito mais à vontade, até quanto á livre apreciação das provas produzidas, sabendo que a decisão que proferirem está sujeita a ser confirmada ou modificada por um tribunal superior.
Por outro lado, a admissibilidade de recurso das decisões de l.a instância tem ainda a grande vantagem de se ir criando, pela jurisprudência dos tribunais superiores, uma informização de critérios Ide apreciação, que não pode deixar fie ,ser benéfica para as partes em litígio, quer estas sejam as entidades expropriantes, quer sejam os próprios expropriados.
Sr. Presidente: postos assim genericamente os aspectos que me pareceram fundamentais no problema em discussão quanto à admissão de recursos, restaria apenas fazer algumas considerações sobre os dois textos do projecto de lei remetidos u nossa apreciação - o do projecto inicial, da autoria dos nossos ilustres colegas Srs. Sá Carneiro e Bustorff da Silva, e o que é sugerido pela Câmara Corporativa.
Em ambos eles se conseguiu conciliar, de forma satisfatória, o princípio da revisão por meio de recurso das decisões da l.a instância com a própria natureza destes processos, que se não compadece com as delongas que resultariam da interposição de recurso com efeito suspensivo.
Em princípio, e embora o texto da Câmara Corporativa não represente uma alteração de fundo quanto ao âmbito do projecto inicial esse texto parece preferível, como, aliás aqui foi reconhecido pelo próprio Dr. Sá Carneiro, pois nele se definem mais especificadamente todos os recursos a interpor das decisões que venham a ser proferidas no decurso do processo, limitando assim as possibilidades de interpretação divergentes quanto às decisões susceptíveis de recurso e natureza deste.
Além disso, no mesmo texto sugerem-se alterações quanto a algumas disposições da Lei n.º 2 030, que, na realidade, se tornam necessárias por virtude do regime Je recursos estabelecido pelo projecto em discussão.
Poderiam, é certo, formular-se algumas objecções quanto ao texto da Câmara Corporativa, mas essas objecções caberiam mais numa discussão na especialidade.
No entanto, depois de ter ouvido a brilhante exposição que acaba de ser feita pelo nosso ilustre colega Dr. Sá Carneiro, as dúvidas que poderiam suscitar-se foram esclarecidas e o próprio texto da Câmara Corporativa completado e melhorado pelos aditamentos e alterações de redacção propostos por aquele Deputado.
Perfilhando, portanto, o texto sugerido pela Câmara Corporativa, com as emendas e aditamentos do Dr. Sá Carneiro, dou ao projecto o meu voto, que espero será também o voto unânime desta Assembleia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Meneres: - Sr. Presidente: o projecto de lei agora em discussão diz respeito a um dos aspectos mais melindrosos do direito de propriedade, que, de absoluto que foi, tem sofrido muitas e variadas restrições por força das necessidades da sociedade moderna.
Não podemos esquecer, porém, que a nossa economia assenta ainda nos conceitos da propriedade privada, e é com vista a ela que se movem as nossas actividades.
Por isso, e sempre que haja necessidade de restringir o exercício dos correspondentes direitos em benefício da sociedade, como acontece no caso das expropriações por utilidade pública, haverá que proceder com o máximo de cautelas para que esse benefício não seja obtido à custa de um sacrifício exagerado ou até incomportável dos expropriados.
Tudo se resume em conseguir o máximo de equilíbrio na transferência de interesses de uns para outros.
Claro que isto que acabo de dizer são lugares-comuns que estão no espírito de toda a gente, mas nem por tal motivo devem deixar de ser repetidos a propósito do projecto em apreço, uma vez que este tem por objecto, como já foi exposto, obter maior equilíbrio na fixação das indemnizações a pagar aos sacrificados com as expropriações.
Sob este aspecto, o projecto merece todo o meu apoio e creio que também o merecerá da Assembleia, como, aliás, também já o mereceu da Câmara Corporativa.
Desde que não se demore a realização das expropriações, nunca será de mais toda a latitude que se conceda à defesa dos expropriados, e a este propósito deve mais uma vez lembrar-se ao Governo, e designadamente ao Ministério da Justiça, a necessidade inadiável da publicação de um código ou estatuto das expropriações para definitivamente ficarmos a saber em que lei vivemos, uma vez que sobre o assunto há diplomas que vêm de há mais de um século e que devem considerar-se ainda em vigor.
Não é esta a oportunidade para se apontarem as contradições, as deficiências e as dificuldades de interpre-