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160 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58

Vou, portanto, cingir-me a estes três pontos: os princípios que o informam, o seu significado e a sua dimensão.
São princípios informadores na ordem interna: o reconhecimento da existência da comunidade luso-brasileira e das afinidades espirituais, morais, étnicas e linguísticas que a determinam; o fortalecimento constante da amizade entre os dois povos irmãos e a equiparação de direitos entre os súbditos da cada estado, equiparação tão completa que só conheça as excepções constitucionais, formando um verdadeiro estatuto particular de Portugueses e Brasileiros. Fica assim constituída em cada país, à face do direito, uma categoria de pessoas que tanto se aproxima do cidadão que bem poderá um dia a vir quase a confundir-se com ele. Mas , sobretudo, na perda da qualidade de estrangeiro que está o significado transcendente do tratado.
O tratado não se contenta, porém, com a definição genérica do princípio da equiparação; precisa também as esferas em que se subdividem os direitos da nova cidadania dos Portugueses no Brasil e dos Brasileiros em Portugal - a jurídica propriamente dita, a comercial, a económica, a financeira e a cultural.
Depois precisa ainda quando concede todas as possíveis facilidades no sentido de atender os interesses comerciais e financeiros dos particulares, quando especifica a protecção devida pelas autoridades locais aos naturais da outra parte, quando inclui no tratamento especial os naturais de cada país que permaneçam transitoriamente no outro, quando assegura a livre entrada e saída e o livre estabelecimento de domicílio, e, finalmente, quando reconhece, ipso facto, aos Portugueses no Brasil e aos Brasileiros em Portugal os mesmos benefícios que tiver concedido aos naturais de outros países. É a aplicação do estatuto mais favorável, na definição do Prof. Paulo Cunha.
Mas qual a verdadeira amplitude destes direitos e a sua diferenciação dos que são, constitucionalmente, concedidos a nacionais e estrangeiros?
Quanto aos direitos políticos, são estes exclusivamente reservados aos naturais de cada país. Nada impede, porém, que sobre tais direitos se estabeleçam conversações quando os dois Governos assim o entenderem.
Quanto aos direitos públicos, a situação é idêntica para os nacionais e para os estrangeiros, salvo as reservas constitucionais. Também aqui há largo campo para novas negociações, se se julgar necessário.
Quanto aos direitos civis, o tratado traz, na maior amplitude de direitos, consideráveis benefícios aos cidadãos de ambos os países.
O princípio da equiparação dos naturais dos dois países tem um significado transcendente na preservação da raça contra deformações.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - A situação especialíssima criada a favor dos Portugueses no Brasil reforça consideravelmente a atracção que o Brasil exerce sobre o nosso emigrante. Espera-se que assim se mantenha uma forte corrente emigratória para o Brasil, que assegure a preponderância da nossa raça na composição étnica brasileira.
Bem sei que as nossas possibilidades emigratórias para o Brasil estão condicionadas pelas necessidades do ultramar, mas creio que durante muito tempo ainda a nossa capacidade dará para todos, apesar da industrialização, que nunca poderá absorver grandes quantidades dos excedentes demográficos.
O princípio da conservação das características étnicas actuais do Brasileiro, que deriva do princípio geral da equiparação, o qual, por sua vez, assenta no reconhecimento formal das afinidades étnicas, encontra a sua natural correspondência no preceito que dispõe que todas as possíveis facilidades serão reciprocamente, concedidas no campo comercial e financeiro no sentido de atender os interesses particulares dos nacionais da outra parte. Este preceito, que parece à primeira vista ter particular significado para Portugal, não tem significado menor para o Brasil, porque da medida em que a sua aplicação se verificar efectiva dependerá o volume da corrente emigratória espontânea.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, o nosso homem, quando pensa deixar a terra e partir para o Brasil, vai na crença de que há-de amparar a família que cá fica com o que lá vai amealhar; mas o desalento cedo o vence se não vir assegurada a remessa do seu dinheiro ou lhe faltarem com o comer e a bebida tradicionais.
O tratamento especial consignado no tratado vai permitir, de futuro, resolver o problema das transferências e o das nossas relações comerciais no plano onde elas deveriam sempre ter estado, fora da complicada arquitectura duma política comercial rígida e irrealista.
O comércio luso-brasileiro é um comércio sui generis, que se prende, quer se queira quer não, com os mais altos interesses da comunidade-a preservação da raça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Especifica-se no tratado a esfera económica. Mas, uma vez que se destacam dela o financeiro e o comercial, para se lhes dar tratamento à parte, parece depreender-se que na esfera económica propriamente dita ficará tudo o mais - um mundo de possibilidades.
Lembremo-nos da incomensurável fortuna dos Portugueses no Brasil: prédios, fábricas, fazendas, bancos, estabelecimentos comerciais, que se avaliam em dezenas de milhões de contos - quem sabe se mais de cem milhões!
Lembremo-nos das possibilidades que nos estão abertas e podem vir a ser exploradas no campo dos acordos pautais, na harmonização das nossas políticas económicas relativas à produção e à utilização das matérias-primas ou à racionalização coordenada da indústria, na constituição em Lisboa da zona franca, velha aspiração do Brasil - um cais próprio na Europa para os seus produtos.
Este preceito pode vir a ser um fecundo manancial da integração luso-brasileira.
Leis e regulamentos subsequentes irão alargando progressivamente - assim o esperamos - o âmbito da nova cidadania e fixando as normas da sua aplicação e execução, para que a equiparação reconhecida pelo tratado adquira a plenitude do seu alto significado como expressão formal da realidade nacional luso-brasileira.
Estes são os princípios informadores na ordem interna e o seu significado.
Mas, Sr. Presidente, o tratado não fica por aqui, projecta-se para o exterior. Cuida das relações da comunidade com o Mundo, quando dispõe que o Brasil e Portugal se consultarão sempre sobre os problemas internacionais do seu manifesto interesse comum, o fixa como objectivo supremo «o desenvolvimento e o progresso, a harmonia e o prestígio da comunidade luso-brasileira no Mundo».
São estes os princípios informadores na ordem externa.
O acordo é um corpo com vida própria-vida orgânica e vida de relações. Enraíza o poder exterior na unidade interna.