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9 DE DEZEMBRO DE 1954 161

Os princípios informadores, na sua preocupação de consolidar a unidade luso-brasileira, vieram, em certo modo, dar estrutura a um imperativo nacional - o da comunidade.
O conceito de comunidade é a adaptação do conceito de unidade à realidade política da independência brasileira.
A unidade constitui uma constante da formação portuguesa. Creio ter desenvolvido, há dias, esta tese no meu discurso sobre a Índia. O conceito de comunidade nasceu com a independência do Brasil e entronca-se no conceito de unidade, conceito universal que integra a Nação Portuguesa.
A independência do Brasil parecia vir quebrar a unidade, mas logo acudiu o rei, porque os nossos reis foram sempre os depositários da tradição, da consciência nacional. D. João VI, na Carta-Patente de 13 de Maio de 1825, dispôs que «os naturais do Reino de Portugal e seus domínios serão considerados no Império do Brasil como Brasileiros e os naturais do Império do Brasil no Reino de Portugal e seus domínios como Portugueses, conservando sempre Portugal os seus antigos foros, liberdades e louváveis costumes».
Nascera e ficara definido o conceito de comunidade, conceito que mais tarde havia de ser atraiçoado na letra do tratado que Sir Charles Stuart negociara e assinou, em nome de Sua Majestade Fidelíssima, com Sua Majestade Imperial D. Pedro I do Brasil.
Mas o que importava estava feito. D. João VI, expressando a consciência da Nação, dera na sua efémera carta-patente forma ao conceito nascente da comunidade. Ficava assim assegurada a continuidade nacional.
Os tempos foram passando e o conceito que Sir Charles Stuart, apertado por Luís José de Carvalho e Melo, julgara haver sepultado no tratado de Agosto de 1825 reviveu, reflorescendo na alma nacional. As manifestações colectivas deste sentimento não têm conto na frequência, nem medida na grandeza. A alma portuguesa vive na alma brasileira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não creio necessário seguir de perto a evolução do pensamento de comunidade no decurso dos cento e trinta anos que vão decorridos desde a sua nascença.
Ele renasce agora com termo apropriado no Tratado de Amizade e Consulta.
Não posso deixar de sentir íntima congratulação pela assinatura deste tratado, tão oportuno, tão exacto na expressão da realidade nacional, que é uma realidade mais do que jurídica, mais do que política.
O tratado é um passo necessário na nossa evolução histórica. Ele consagra a Nação uná na dualidade dos seus estados soberanos.

Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em longas caminhadas no interior do Brasil, por árduos caminhos, vi aos descampados sucederem-se as terras férteis do opulento agro brasileiro, cultivadas por homens duros, esbeltos de raça, aprumados no porte, com um passado de gerações no sertão; vi as cidades e as vilas, as fortalezas e os palácios, as igrejas e os cruzeiros, que os Portugueses de Seiscentos e de Setecentos deixaram por toda a parte no Brasil, tão puros nas suas linhas, tão brancos na sua cal, tão limpos, de bem cuidados. Senti a presença da mulher, senti na alma da mulher brasileira a mulher portuguesa a sorrir.
Vi a obra imensa do Império, com seu jeito burguês e amável, e não pude deixar de sentir que estava ainda em Portugal.
Vi o Brasil da República, vi o Brasil moderno, o Brasil das metrópoles gigantescas, que a sensibilidade brasileira afagou, quebrando-lhe as durezas. Senti-me sempre em Portugal.
Apoiados.
Não pude quebrar meu impulso, tive de o dizer logo ali, diante de muitos portugueses e brasileiros, na sala magna das sessões da Associação Comercial do Rio de Janeiro:
Senhores: entre os nossos dois países há uma comunidade que se não pode esconder, que carecemos de reconhecer na plena consciência dos factos, para deles podermos tirar as necessárias ilações, aproveitando esta inexaurível força da comunidade na consecução do objectivo comum do nosso engrandecimento e bem-estar.
Foi numa tarde morna de Primavera, no dia 27 de Outubro de 1948. Agradeço a Deus por ter permitido que eu vivesse para assistir a este transcendente acontecimento histórico: a ratificação do carta constitucional da comunidade luso-brasileira.
Sr. Presidente: creio que estamos dando ao Mundo fórmulas de organização internacional. Creio que a estruturação do Mundo de amanhã terá de fazer-se em torno dos grandes agrupamentos, de preferência com base na identidade nacional, como 1.º fase da integração geral, muito mais viável e real do que a utopia que se desfez no azul calmo do Leman, para renascer mais tarde numa babel de cristal.
Considero, por isso, que a comunidade luso-brasileira é uma contribuição positiva para a organização do Mundo. A sua solidez está assegurada pela identidade nacional, pela homogeneidade geográfica que a define - territórios que beiram um mar comum e o dominam estrategicamente-, pela natureza da sua economia, que contém quase todas as matérias-primas minerais, vegetais e animais e os produtos alimentares em quantidades potencialmente inesgotáveis.
Sr. Presidente: não foi só agora que demos ao Mundo exemplo.
O nosso conceito de unidade levou-mos cedo a não aceitarmos distinções de raças, a não reconhecermos na cor dos homens fronteiras sociais ou políticas, a todos considerar portugueses, buscando a unidade na espécie, buscando-a na comunidade espiritual pela propagação da cultura portuguesa, aportuguesando tudo e todos. Na igreja, nas escolas, ma família, nos seus direitos, os homens não conheceram entre nós diferenças nascidas na distinção da sua cor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Este espírito de igualdade, que o da unidade fecundou, espírito velho, de séculos na nossa história, tão criticado outrora por estranhos na sua subordinação a preconceitos inconcebíveis, só agora, em pleno século XX, só agora desperta na consciência geral.
Lembremo-nos que foi já neste ano de 1954 que nos Estados Unidos foi votada a lei federal de não-segregação racial nas escolas.
Os Estados Unidos são, como Portugal, uma nação mista na sua composição étnica. Ali se fundiram as raças mais diversas, mas o processo de integração total das raças de cor foi tardio e lento.
Entre os Europeus há toda uma teia de preconceitos que começa apenas a desfazer-se.