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29 DE JANEIRO DE 1955 447

Com estas ligeiras considerações a este apelo termino a minha modesta intervenção, Sr. Presidente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado (para interrogar a Mesa): - Rogo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de me dizer se já veio a resposta ao requerimento que fiz para saber se os surdos tinham dado lugar a algum desastre.

O Sr. Presidente: - Não recebi até hoje qualquer resposta.

O Sr. Melo Machado: - Estranho o facto, porque a repartição respectiva me disse que já tinha respondido.
Já pedi essa informação há muito tempo e já terminou até o debate sobre o Código da Estrada, e, afinal, ainda não fui informado daquilo que pretendia saber. No entanto, muito obrigado a V. Ex.ª pela informação que acaba de me prestar.

O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente.: quando há dias a imprensa publicou a fotografia da maqueta do Grande Hotel de Lisboa, obra de larga projecção interna a externa que a Sociedade de Investimentos Imobiliários se propõe realizar, fiquei um pouco desiludido por ter criado no meu espírito a ideia de outro edifício, mais harmónico talvez com esta, cidade de tradições e arquitectura definida em moldes bem distintos. Ontem, no Secretariado Nacional da Informação, tive o ensejo de examinar a maqueta e, através dela, confirmar o meu desapontamento.
O assunto não teria lugar nesta Assembleia se não fossem as disposições e facilidades especiais que o Governo e o Município promulgaram ou concederam, com o fim à satisfação de uma necessidade imperiosa de turismo, necessidade que, a meu ver, continuará em aberto.
Vai-se fazer um grande hotel de luxo, de que aliás, Lisboa não precisa, atendendo a que o Hotel Avis raramente tem ocupados os seus vinte e quatro quartos ; vai-se queimar uma oportunidade única de obter tão elevado capital particular, com a agravante de, se a experiência fracassar economicamente, como é de prever ficarem comprometidas todas as tentativas idênticas.
O que se pretendia era um hotel não de luxo, mas de grande turismo, confortável e digno, mas sem ultrapassar o nível de vida aceitável em Portugal. Ele serviria. assim, o turismo internacional e o próprio turismo português, pois mal se compreende que se faça obra de tanta monta só para estrangeiros e sem atender à solução de apoio e usufruto nacional em épocas de menor afluência.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Entre nós, geralmente, ou não se faz coisa alguma ou, quando se faz, excedem-se as próprias necessidades, e esta constante histórica tem já comprometido muitas vezes o êxito dos empreendimentos mais acertados; no caso presente ultrapassou-se também a satisfação das necessidades em causa, para se acudir a outras não existentes.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Quanto ao projecto da obra, afigura-se-me trabalho consciencioso e exaustivo, funcionamento notável, mas deslocado em Lisboa. Melhor ficaria no
Estoril, Casablanca, Florida ou S. Paulo, terras jovens e sem tradições, onde não há que conciliar o passado com o presente; turisticamente, de rosto, importa sempre fixar caracteres nacionais como valorização do meio e sua projecção- externa.
Por mim, ainda que admirando técnicamente o projecto e muito considerando o seu autor, confesso que não gostei da solução encontrada, e pasmo diante do parecer dos serviços de salubridade e de edificações urbanas, que diz textualmente: «Vamos Ter, por fim, uma obra dignamente nacional, pela sua concepção, pela natureza dos materiais que se vão empregar ...». Isto é, até aqui não temos feito obras dignamente nacionais! Agora é que vamos começar, e, então, para fazer obra nacional inspiramo-nos na arquitectura de Le Corbusier, obstruindo-a na base com uns acrescentos que, a meu ver, lhe tiram grande parte do seu efeito e negam até a própria suficiência funcional da concepção; para fazer obra nacional, quanto aos materiais empregados, beneficia este hotel de excepcionais regalias alfandegárias!
Afigura-se-me que a Câmara Municipal de Lisboa não procedeu neste caso com a serenidade crítica que era de esperar o que se emocionou com a grandiosa novidade, que talvez não se coadune bem com o seu desejo, expresso aliás no artigo 6.º da alienação do terreno, de valorização arquitectónica e paisagística da cidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É muito delicado discutir o assunto nesta base, mas não creio que a apreciação da obra de arte seja privilégio do artista, antes pelo contrário, visto que a sua opinião ou as dos seus correligionários é tendenciosa: ele ou tem uma estética sua e não compreende a dos outros, ou não a tem, e o seu depoimento não interessa.
A obra de arte só pode ser considerada como tal quando subsiste desafiando o tempo; a de agora, ainda em formação e evolução, pode estar sujeita a um gosto transitório de moda e não oferece tantas garantias de durabilidade como aquelas que gerações e gerações admiraram e consagraram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Era, a meu ver, mais prudente que o Grande Hotel de Lisboa tivesse um certo classicismo de linhas, pois a moda é passageira e só a obra clássica é duradoura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E entendo por clássica aquela onde existem proporções, equilíbrio e harmonia, e eu pergunto a mim mesmo se esta obra é harmónica no seu conjunto ou se não constitui antes um grito arquitectónico que perturba o equilíbrio existente, salvo raras excepções, na cidade de Lisboa. O futuro o dirá.
A Câmara Municipal, com grandes obras de urbanismo já realizadas, designadamente na Praça do Areeiro, trilhou um caminho acertado, fundindo as novas correntes de arquitectura com as correntes tradicionais. Não foram tais obras concebidas e delineadas segundo o último figurino estrangeiro, mas a prova do seu valor e estabilidade reside no simples facto de ainda hoje vingarem e serem actuais, o que não acontece com tantas outras que foram última moda há poucos anos e hoje ninguém as tolera: eram então a «arte nova», mas o tempo se encarregou de a envelhecer e destruir ... Quem nos garante a sobrevivência de que agora se nos aponta, como rumo a adoptar?