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564 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81

saber e no dobrar da leiva, no rodar de gerações, o que podemos dizer, com justeza, como sendo o espirito e o vigor da ruralidade. Ruralidade que foi, e ainda o é, o fundamento de toda a nossa epopeia. E esta, como é óbvio repetir, por ser de todo o mundo conhecida, passou-se algures, que hoje nenhures ignora.

Referir, pois, esses clamores e procurar ver e denunciar, mas denunciar apenas, as suas causas foi o motivo que me levou, digo nos deve levar, a dizer algo; mas algo que seja fruto de algum pensar e como tal que deva só ser dito - para se ser claro - em poucas e singelas palavras, e evitar assim que aqui se levantem novos clamores que possam gerar ainda mais desalento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dando por terminadas estas palavras à laia de intróito, direi que o que me trouxe a esta tribuna foi assim apenas o desejo de pensar alto sobre esta crise, digamos, dizer alto o pouco a que se resume o descortinar da origem, isto é, das causas primeiras das queixas, digo melhor, dos anseios de tantos que até nós chegam. E, ditas estas, quais os remédios para uma terapêutica mais eficaz. Eis tudo.
Mas não se pense, porém, que será possível falar sobre questão tão ampla como a vitivinícola sem tocar, mesmo que seja só ao de leve, em outros domínios do agrário. E pela razão simples de que, salvo onde a vinha se consócia com a pedra, por que, outra coisa lá não vai, em todo o resto ela está no Âmago de várias e múltiplas actividades rurais; só ainda mais uma excepção - e já me ia dela a esquecer: a daqueles sítios onde a cepa come a nata do solo, sem deixar para a vida da grei viço maravilhoso que seja verdadeiro sustentáculo da sua existência.
Ora, tudo o que ficou dito é certo. Mas o número dos que dela vivem será, contudo, na realidade, tão significante que justifique a ansiedade que sempre geraram os seus problemas? Quanto será esse número? Ninguém o sabe ao certo, pois, embora incluídos de facto nele poucos empresários, grandes e médios, fáceis de localizar, há também uma multidão anónima de pequenos; e em insensível transição aparecem ainda os que, não possuindo mesmo a cepa, dela, porém, vivem pelo labor do seu granjeio e do fabrico do vinho. De resto, foi sempre assim desde os primeiros tempos.

Olhe-se, por exemplo, para esse admirável e sugestivo quadro do século XII que estou vendo num velho livro do convento de Lorvão, e logo se descortinará que, nessas grandes braças de lenho sarmentoso, dependurado em arvoredo alto, formando tão decorativos festões, se enquadram tantos e tantos em aturadas e profícuas operações de cultura.
E esses festoes são, nem mais nem menos, as repetidas grinaldas dos verdes campos, que foram, e ainda hoje o são, o nosso verdadeiro berço.
Digamos pois, mas só para apontar um número que nos dê ideia duma escala, que os da viticultura serão, talvez, nos tempos que correm, pouco menos que um quarto de todos os que habitam este rincão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, agora dito que são muitos os dos minifúndios vitivinícolas, porquê esta preferência pela vinha, que já vem de tão recuada data, preferência que se transformou em dedicação sem limites pela cepa?
A razão é simples.
Infelizmente ou felizmente, o nosso território não deu até agora para outros misteres mais rendosos. Não falo, para não me repetir, pois ainda há pouco o disse em público, no porquê do porque fomos herdeiro pobre no mundo contemporâneo da riqueza. Na realidade, só nos ficou nessa modesta herança apenas arvoredo, algum valioso é certo - sobro, azinho, pinho e castanho; mus tudo isto é só árvore, e o fuste dá pouco trabalho a propagar e depois é somente ver crescer e nada mais.

Ia dizendo, pois, arvoredo algum valioso ó certo, nos litorais e nas montanhas do Norte e do Centro, bem como nos peniplanos do Sul, e todos estes aspectos são assaz frequentes; e ainda, além da vinha, a oliveira, mas esta também é arvoredo; o mais é apenas pão, e pouco, alvo ou negro, e, a partir de certa data, o exótico mais.
Todo o resto, que ó fruto do mimo que damos e pouco do que recebemos, é simples acidente, para servir de termo de comparação a quem queira traçar com justeza a história exacta da nossa vida rural.
Mas continuemos a pintar o quadro, tão cheio de contrastes, da nossa viticultura. Assim, dos quase 300 000 viticultores que os papéis registam com a pomposa designação de empresários, digamos, 95 por cento são na realidade elementos de uma modesta grei rural, vivendo totalmente da terra e para a terra. Por isso, apenas ínfima parcela - os 5 por cento restantes - tira da empresa vitivinícola quinhão valioso, contribuindo ainda, pelo trabalho que dão a tantos outros, para fazer viver muitos dos mais pequenos e ainda inúmeros assalariados,
que tocam várias teclas do trabalho, de resto tão variado, os nossos campos.

Se, porém, dissermos que o vinho gerado pela massa incontável dos pequenos e médios viticultores corresponde a cerca de 85 por cento da produção total e que os restantes 15 por cento são fruto de grandes empresas das várzeas, trabalhando cora um custo de produção três a seis vezes menor que os da vinha de encosta, talvez tenhamos encontrado uma das causas primeiras dos anseios da grande massa rural da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, continuando: assim, enquanto o Minhoto trepa, poda e empa, fazendo prodígios de equilíbrio, cava, lavra e granjeia várias coisas ao mesmo tempo, para recolher todas as migalhas dos minifúndios, e o Duriense parte pedra com p asada alavanca, constrói degraus e faz terra, que depois veste dessa cepa que há-de ser, por toda a vida, um espelho de canseiras; enquanto o Beirão e o Estremenho surribam e plantam encostas - não falo das várzeas, per estas serem ai moro acidente -, para colherem, de novo e só, as gotas do suor que derramaram no solo; digo: o que vemos por outras paragens nesses baixios da erosão acumulada de tantos sítios?

Vemos, nu realidade, outra viticultura, de regimentos infindáveis de cepas em parada, passeados periodicamente por máquinas e animais de trabalho e frequentemente por grandes ranchos que vêm de longe. E até o fabrico e u conservação destas grandes massas vi nicas são feitos em oficinas que mais parecem grandes fábricas do que adegas e onde o baixo custo de produção é a principal meta a atingir.

Mas dirão muitos: é exactamente este o caminho a seguir nestes tempos, em que se pretende igualar gostos - pelos de baixo, é certo -, por forma que os vinhos possam caminhar afoitamente para os mercados externos, não temendo a concorrência de produtos similares de outras paragens - dos países novos ou dos velhos rejuvenescidos. Isto é: será aqui o nosso Midi? Pura ilusão.

Abram-se hoje as fronteiras alfandegárias, por breves momentos fiscais, e apenas aos vinhos sul-americanos ou norte-africanos, e então veremos dentro da nossa própria casa o ruir de todo este frágil castelo de cartas. E a explicação não será difícil de encontrar.