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30 DE MARÇO DE 1955 707

zada socialmente, que habita os grandes meios. São adolescentes que se debatem com uma crise de idade que as condições do meio tornam precoce e incomparàvelmente mais grave do que é habitual, que vão passar dois a quatro anos, por vezes mais, na rua. Ali arruinam a saúde física e moral, desaprendem tudo quanto a escola ensinou, indisciplinam-se em absoluto. São crianças que ficam perfeitamente ao abandono, pois nem sequer se pode esperar que o lar -seja ele barraca, quarto alugado ou casa independente - possa conter durante as vinte e quatro horas do dia a exuberância da sua idade. Alguns empregam-se, como paquetes, no comércio, como eles chamam à venda de limões ou dos jornais, como pequenos caixeiros . . . nas únicas profissões que de profissão só têm o nome, e que, no entanto, apesar dos prejuízos que acarretam, são menos nocivas do que a total ociosidade.
O que se faz, pois, à criança de 10, 12 anos, que fez exame de 2.º grau, ou apenas de 1.°, e que não é possível encaminhar para qualquer dos cursos médios ou secundários? O que se faz à criança de meio econòmicamente débil que está longe das escolas onde este ensino é ministrado e que não faz parte dos casos de disposições excepcionais, esses salvaguardados pela existência de bolsas de estudo? . . .
O que se faz à criança que não tem as qualidades intelectuais necessárias para prosseguir os estudos, mas tem forçosamente outras não monos úteis?
Sr. Presidente: tenho ouvido esta pergunta da boca dos pais e educadores de todas as regiões do País. Tenho-a ouvido particularmente. Tenho-a ouvido através de apelos tornados públicos. Tenho-a ouvido da boca dos grandes educadores, que se preocupam com a mocidade de Portugal.
Ouvi-a, já há muito, através da minha consciência de mãe de família, com responsabilidades de poder contribuir para facilitar a muitas outras o cumprimento da sua missão.
Sr. Presidente: na Argentina o ensino primário é obrigatório até aos 12 anos; em França até aos 14; na Bélgica até aos 14; na Alemanha até uns 16. Escolhi propositadamente estes exemplos, de entre outros, por se referirem a países que se debatem com problemas de educação, que, graças a Deus, não constituem a nossa preocupação de momento. E nós? Continuaremos a aceitar que as crianças mais inteligentes das nossas escolas possam abandoná-las definitivamente com 10 anos incompletos?
Onde vão ocupar-se?
Em que ambiente vão viver?
Onde vão aprender o trabalho a que se destinam?
Volto a insistir: O que se faz a estas crianças?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Porque continua a criança de meio rural a voltar-se para a terra quase tão mal preparada para a cultivar como o analfabeto? Porque continua a desgostar-se da vida agrícola e a considerá-la qualquer coisa de inferior, de rotineiro, sem horizontes?
Porque continua a rapariga da aldeia a dedicar-se as pequenas indústrias que lhe são confiadas, como a avicultura e outras, com a mais completa ignorância, sem possibilidade de valorizar o seu trabalho e de aplicar a sua inteligência a aptidões com algum interesse?
Queixamo-nos da falta de amor à terra, da deserção dos campos por parte de todos os que têm quaisquer aptidões, da falta de produtividade do trabalhador rural, da rotina dos métodos usados. E para remediar este mal temos três escolas elementares agrícolas, desconhecidas da massa da população (cerca de 250 alu-
nos), três escolas médias de limitada frequência (cerca de 400 alunos) e em desproporção assombrosa saem do Instituto Superior de Agronomia mais de 50 engenheiros agrónomos e silvicultoras por ano (o que corresponde a uma frequência de mais de 50O alunos).

O Sr. Almeida Garrett: - E um estado-maior sem soldados.

A Oradora: - Queixamo-nos dos perniciosos efeitos da vadiagem, onde pululam os casos de delinquência infantil, quase sempre precursora da delinquência de adultos quando não seja prontamente remediada, pela sã reeducação.
E continuamos a cruzar os braços e a permitir que a ociosidade impere em muitos milhares de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: -Sr.(Presidente: esta é a lacuna grave que existe no regime escolar português. É uma autêntica vala onde soçobra muito, muitíssimo, do que o lar dera à primeira infância e a escola conseguira durante a instrução primária.
Vejamos agora se há maneira de trazer qualquer remédio eficaz a tão importante questão.
Consultando a legislação portuguesa, encontrei dois diplomas que parecem prever, pelo menos parcialmente, a solução deste mal: as Leis n.º* 1895 e 1918 , cujo texto passo a reproduzir.
Lei n.º 1895, datada de 23 de Abril de 1935:

BASE I

Nas reformas de instrução ou assistência a realizar o Governo instituirá o ensino agrícola elementar nos estabelecimentos oficiais.

BASE II

É o Governo autorizado a subsidiar as corporações ou as instituições particulares que realizem ou possam realizar eficientemente esse mesmo ensino.

Lei n.º 1918, datada de 27 de Maio de 1935:

Base I

O ensino primário nas escolas rurais compreenderá noções gerais de agricultura, quanto possível adaptadas à actividade agrícola das regiões em que essas escolas funcionem.

BASE II

Os fins c os métodos do ensino rural serão definidos em instruções elaboradas e expedidas por acordo entre as Direcções-Gerais do Ensino Primário e do Ensino Técnico. As noções gerais de agricultura a ministrar nas escolas rurais obedecerão especialmente ao duplo objectivo de criar no espírito da criança o amor à terra e aos trabalhos do campo e de lhe facultar os conhecimentos rudimentares tendentes à compreensão dos fenómenos e operações que interessam à vida agrícola.

BASE III

O Ministério da Instrução Pública, pelas Direcções-Gerais do Ensino Primário e do Ensino Técnico, estudará a forma de preparação do pessoal docente a utilizar no ensino agrícola que deve ser ministrado nas escolas rurais.