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16 DE MARÇO DE 1955 549

Também não esquecemos o depoimento pungente daqueles que avaliam de perto a vida cruciante do pobre, à frente dos quais sobressai a figura apostólica e nacional do padre Américo.
Isto é, pronunciaram-se sobre este assunto homens de Estado de reconhecida clarividência e devotados ao bem da Nação, técnicos, economistas, sociólogos, urbanistas, não só individualmente como reunidos em congressos e outros encontros, etc.
E ao fim e ao cabo ter-se-á medido a acuidade do problema em toda a sua dimensão? Ter-se-á alguém sentido totalmente empenhado nele?
Mais ainda: teremos nós a noção exacta de quantos portugueses do norte e sul do País têm uma habitação digna que abrigue a intimidade do lar?
De quantas famílias têm uma casa onde, além de encontrarem repouso, lhes é permitido o trabalho condizente com o nível educacional, a ocupação agradável nas horas vagas e aquele convívio aconchegado dos serões passados à lareira, que os poetas têm evocado e as famílias lembram com saudade, mas que hoje tantos desconhecem?
E não vale a pena relembrar, de tal modo isso é do conhecimento de todo, VV. Ex.ªs, que a grande maioria daqueles que possuem uma habitação que satisfaça as legítimas necessidade da vida familiar a paga por preço que compromete sèriamente o seu nível de vida.
Sr. Presidente: todos sabemos que o Governo está não só atento ao problema mas interessado nele. Sabemos ainda que há instituições particulares, de entre as quais muitas empresas se destacam, que estão presentes a esta cruzada. Conhecemos também os prodígios que a caridade tem realizado. Mas não creio que tenha havido até hoje a cooperação séria e objectiva de quantos têm tentado resolver o problema nem a coordenação de todos os esforços envidados nesse sentido.
O problema da habitação não é um problema exclusivamente técnico ou económico, ainda que as suas soluções tenham de assentar sobre a técnica e a economia.
Não é tão-pouco apenas um problema de sociologia pura. É, sim, um problema humano na plena acepção da palavra, que requer o contributo sério dos sociólogo», dos educadores, dos higienistas, dos técnicos, para ser resolvido. Isto é, hão-de encontrar-se nele todos aqueles que cuidam da valorização integral da pessoa humana e das suas relações e o que têm por missão encontrar-lhe expressão prática.
Pergunto: ter-se-á dado este esforço de coordenação de pensamento e acção até hoje?
O problema da habitação está na encruzilhada de muitos outros, como a estabilidade do lar, tão precisa ao equilíbrio da sociedade, a educação da juventude em ordem à formação de valores - que tanto nos preocupa hoje em dia -, o problema da saúde - e em que medida !-, o rendimento profissional, a distribuição demográfica, incluindo os aspectos de fixação rural e da emigração, etc. . . ., só para destacar os mais graves. E com estes se ligam o urbanismo, a aplicação de capitais, o prestígio e a tranquilidade do País e tantos outros.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Todos estes sectores da vida social têm os seus especialistas, que sobre eles se pronunciam, e os seus práticos, que procuram dar-lhes solução.
Por isso dá-se uma encruzilhada sim, e de não poucos caminhos. Mas quando numa simples estrada é possível fechar-se o trânsito e abri-lo alternadamente à passagem dos veículos, esta encruzilhada, porque é humana, tem de encontrar uma solução que satisfaça simultaneamente os vários requisitos que estão em causa.
Não é viável a casa cheia de sol. mas exígua, excessivamente distante dos locais de trabalho, ou cujo acesso a estes se torne dispendioso. Nada remedeia alojar os operários da cidade e deixar que o trabalhador rural continue a partilhar o seu tecto com o burro e as ovelhas.
Não é solução traçar cidades a régua e esquadro som considerar com realismo os dados sociais da vida e possibilidades dos habitantes.
Não é aceitável construir casas e bairros sem nivelar os seus encargos com o orçamento daqueles a quem se destinam, quer diminuindo aqueles, quer ampliando este, por qualquer forma tendo em conta as condições económicas dos interessados. E estas tão diferentes não de terra para terra que só uma política de conjunto poderá atingir resultados satisfatórios.
Penso, Sr. Presidente, que, uma vez que este é o problema da habitação, todos deveriam ser convidados a colaborar na sua solução: o Estado, os particulares, as famílias.
Os particulares, por um lado, há que atraí-los, como preconiza o ilustre Deputado Amaral Neto, a empregar os seus capitais disponíveis, para que não suceda que continue apenas a ser remunerável o capital aplicado nos chamados prédios de rendimento e o pobre continue à mercê de quem não receia cobrar-lhe uma renda bem superior ao razoável juro do custo da habitação que ocupa, valendo-se da lei da oferta e da procura.
Dentre os particulares, as grandes empresas teriam aqui rasgado horizonte para aplicação dos lucros disponíveis. Já lá vão vinte anos que visitei as instalações habitacionais da Lis, e quando ainda pouco se falava das chamadas finalidades sociais, a sua iniciativa constituía um exemplo, hoje largamente divulgado.
As instituições de previdência, essas, têm tomado uma posição que só nos compete louvar vivamente, e nos dá motivos de esperar que a sua acção prossiga de acordo com as grandes possibilidades que têm de avaliar o problema e de o resolver.
Ao Governo cabe, sim, o dever de tomar iniciativas próprias, de impulsionar e fomentar as particulares, partilhando algumas destas; cabe ainda o dever de estabelecer bases de acção, por uma legislação adequada de que só exija o cumprimento, sem permissão de abusos.
Volto ao termo: ao Governo pertence, e só a ele, coordenar ideias, conjugar c facilitar meios de acção.
É certo que mesmo assim ficariam alguns casos desgraçados por resolver: aqueles que até hoje povo algum conseguiu evitar, mesmo numa sociedade bem estruturada e com uma previdência, organizada eficientemente. Mas a esses, que não seriam fruto de uma injustiça social, mas os casos esporádicos em que a doença, a morte, o vício tivessem feito passagem, a assistência pública, completada pela caridade, encontraria remédio pronto.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Voltemos, no entanto, ao que há de positivo.
Quem leia os jornais encontra, graças a Deus e cada vez mais, bastantes motivos de regozijo quanto a realizações práticas neste sector. Ora se inaugura um bairro económico construído pelo Ministério das Corporações, ora um bairro municipal subsidiado pelo Ministério das Obras Públicas, ora surge aqui e além um bairro fabril ou qualquer outra bela iniciativa particular. Por toda a parte se erguem modestas, mas ricas de significado, as casas do Património dos Pobres.