23 DE ABRIL DE 1956 959
rever, terá certamente outra oportunidade, mas não quis deixar de assinalar agora as razões de não fazerem parte do trabalho deste ano.
Tenho aprendido muito com os debates nesta Câmara, desde há dezoito anos. O parecer das contas toma sempre em atenção as sugestões, as queixam, os reparos e os comentários Aos diversos oradores.
O exame das condições do País, numa atmosfera serena e compreensiva, leito por quem está em directo contacto com as realidades da vida quotidiana e com a complexidade dos problemas humanos, representa um dos mais sólidos instrumentos de governo.
O País necessita do concurso de todos, de modo a poder atingir o lugar que naturalmente decorre das potencialidades económicas e humanas que contém. É falaz, sem consistência, a ideia de que tudo pode ser resolvido apenas por medidas de governo, que nelas reside o elixir para todos os males. A iniciativa particular é um poderoso instrumento de prosperidade. Mas a iniciativa privada em muitos aspectos da economia nacional tem-se mostrado apática e tímida.
Parece haver o receio de inovações, ou a falta de energia para levar a cabo empresas de interesse privado e nacional, muitas vezes perturbadas por desnecessárias interferências burocráticas. £ daí atrasos de muitos instrumentos de fomento, baixo nível do poder de compra, insuficiência nos consumos, coisas que necessitam de ser neutralizadas em tempo curto, sob pena de gravosas consequências no futuro.
As duas grandes guerras, mas sobretudo a última, operaram uma transformação brusca na política mundial, que se repercutiu profundamente na vida económica dos povos.
Os progressos realizados na produção, a luta cada vez mais acerba na concorrência em mercados internacionais, as necessidades de novos países que procuram em poucos anos atingir níveis de consumo idênticos aos de velhas sociedades, os dissídios, os antagonismos de doutrinas, as dificuldades nas trocas internacionais originadas em causas de natureza económica ou política, o desvio de vastas somas para imposições de defesa, a desconfiança, o ciúme e as rivalidades ocultas e latentes entre povos, tornam difíceis as condições de governo e impõem cada vez maior vigilância da economia e coordenação mais estreita dos seus diversos aspectos.
Ora nós somos uma nação dispersa pelo globo. Precisamos de estar atentos não só às condições locais, derivadas de climas e circunstâncias que diferem de uma para outra parcela da comunidade portuguesa, mas também aos progressos e circunstâncias inerentes a territórios vizinhos.
Apesar do considerável avanço nos meios de comunicação, os processos de administração provincial, fora da metrópole, terão de se adaptar às condições locais. E, assim, o próprio orçamento, os métodos de exploração agrícola e industrial, o crédito, as complicadas questões relacionadas com a mão-de-obra, o povoamento europeu, e outros, terão de requerer tratamento diferenciado. Sendo todos parte de um aglomerado nacional, temos de admitir que, enquanto não for operada uma soldagem mais perfeita nas condições que prevalecem em cada parcela do conjunto, há necessidade de harmonizar com as condições locais os métodos de governo - na administração e na economia.
O parecer das contas tenta dar uma ideia de conjunto da unidade portuguesa - na metrópole e no ultramar. Embora volumoso, ele está longe de corresponder às necessidades da compreensão exacta das condições de vida nos vastos territórios das províncias ultramarinas. Já foram focados aqui alguns aspectos das suas actividades por oradores conhecedores da matéria, que completaram as considerações feitas no parecer ou trouxeram ao conhecimento de nós todos elementos úteis para bom entendimento da administração e dos recursos de Portugal de além-mar.
Espero, se me for possível redigir um novo parecer, que me seja dado por todos os que se interessam por estes assuntos o auxílio indispensável para a imparcial e cuidadosa consideração dos factores que condicionam a vida das nossas províncias ultramarinas.
No estado actual dos negócios internacionais, na luta travada de ambições e desejos desvairados, na anarquia tão alheia à compostura de outras idades, os problemas ultramarinos requerem cuidados especiais - necessitam de ser vistos à luz das realidades do presente e antevistos à luz de previsões futuras. E certamente infundada a ideia da existência de nacionalismos nos nossos territórios. As suas populações são estruturalmente portuguesas, orgulham-se da sua nacionalidade e da sua civilização, ainda que pertençam a raças- diferentes das da Mãe-Pátria. Quem viajar pelos vastos descampados de Angola ou Moçambique sente esta realidade nas relações com os povos que os habitam, sem distinção de origem ou de raça.
É um fenómeno inédito no mundo revolto que caracteriza o momento - mas é um fenómeno à vista e sentido por todos os que têm tido o privilégio e o prazer de viajar em territórios portugueses.
Como foi possível atingir esta uniformidade de sentir, ninguém o poderá explicar, e não vale talvez a pena proceder a profundas investigações, porque ele é sem dúvida um produto do andar dos séculos, de generosos contactos entre populações de modos de ser diferentes, deste inato humanismo e bondade que nos torna compadecidos da pobreza ou da pouquidão de nossos semelhantes, independentemente da sua origem ou raça.
Mas este sentir inato e indiscutível precisa de ser mantido nas nova.- condições que tudo indica se desenvolverão no próximo futuro em terras africanas. Precisamos de acompanhar o ritmo de progresso e de modernização nus territórios nacionais e executar neles a obra indispensável ao seu rápido progresso.
Apontam-se nas páginas do parecer algumas disposições a tomar no sentido de trazer à superfície o conhecimento mais perfeito dos recursos das províncias ultramarinas, de modo a estabelecer uma escala de prioridades nos investimentos que possam ser anualmente desviados para o ultramar, ou lá desenvolvidos. Esta necessidade, ou, talvez com maior rigor se possa dizer, esta exigência do condicionamento da política económica nacional, tem projecção extraordinária nas províncias ultramarinas.
O mundo português constitui hoje um todo coeso, cimentado por um imponderável liame de sentimento e patriotismo, assinalado em todas as graves emergências da vida nacional. As suas economias são complementares, dando à palavra o sentido de a prosperidade de cada território estar inteiramente ligada à dos outros territórios da comunidade. De modo que os problemas económicos, como os de natureza política, têm de ser coados por uma visão de conjunto, serena, objectiva e imparcial, que nos dê exactamente a resultante mais produtiva e melhor adaptada aos interesses do aglomerado nacional constituído por todos os territórios.
Chegamos justamente ao ponto da ascensão da nossa vida de nação independente e livre, por tantos séculos, em que se desenrola diante de nós um novo panorama de interesses políticos e económicos de territórios dispersos.
Precisamos de encontrar uma linha geral que defina o rumo certo da contribuição de cada um para o bem