956 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 146
Os excessos demográficos e suas consequências, o baixo nível de vida e os fracos consumos e a política de obras públicas também merecem ligeira referência.
No quadro III registei números relativos a nascimentos, óbitos, emigração e mortalidade entre os anos de 1949 e 1954.
Verifica-se impressionante aumento dos saldos demográficos, motivados por natalidade, com marcada tendência para subir (em 1955 já ultrapassa 34), e a mortalidade em franco declínio, apesar de ainda ser muito mais alta do que a média portuguesa.
A perspectiva é muito sombria. A situação dos rurais, a manter-se o sentido e intensidade da evolução, pode vir a ser muito mais grave do que a actual na época em que os varões agora nascidos entrarem na classe activa, se até lá não forem criadas novas fontes de trabalho.
Afirma-se muitas vexes que as dificuldades do camponês micaelense provêm da fraca divisão da propriedade P dá-se tomo prova o que se observa nos outros distritos açorianos, particularmente no da Horta, cujas boas condições de vida. impressionam qualquer que os visite.
De facto, vê-se nos anuários do Instituto Nacional de Estatística que no distrito da Horta há cerca de 8 700 proprietários isentos de contribuição rural e no de Angra do Heroísmo 4700, aproximadamente, ao passo que em Ponta Delgada só existem 2700 pessoas cujo rendimento colectável é inferior a 15$:
Mas pergunto: é o usufruto de propriedade de tão baixo valor que origina vida desafoga?
Indicam também os publicações do Instituto Nacional de Estatística que a percentagem e, consequentemente, o número de contribuintes nos escalões correspondentes a propriedades que podem ter significado, embora pequeno, no nível de vida dos respectivos possuidores é maior no distrito de Ponta Delgada do que nas outras terras açorianas. O que realmente condiciona os casos açorianos é a densidade populacional, que em S. Miguel já deve ter ultrapassado 250 habitantes por quilómetro quadrado. Digo propositadamente casos açorianos porque a população da ilha da Madeira, com muito maior densidade ainda, mercê de fontes de trabalho e de riquezas diversas desfruta situação muito melhor do que a de S. Miguel.
No distrito da Horta, com 55 000 armas e 76 000 ha de área total, devia haver quase três vezes mais trabalho rural do que em Ponta Delgada, com 184 000 habitantes (em 1954) e 85 000 ha, mas, considerando a maior percentagem de incultos existente, no distrito ocidental dos Açores, a diferença não será tão grande. No entretanto, o número de jornas que a agricultura daquele distrito fornece aos seus rurais é certamente muito superior ao dobro das que o camponês micaelense tira da terra.
Além disso as obras públicas realizadas nas ilhas do Faial, Flores e Pico, em ritmo vivo nos últimos anos, têm tido influência profunda no aumento do trabalho rural.
No distrito de Angra, onde a população é mais densa do que no da Horta, já a terra garante menos ocupação aos camponeses, mas a situação foi sempre muito melhor do que em S. Miguel, apesar de menos feliz do que nas ilhas ocidentais.
Visto e estudado o assunto em profundidade, o que não consegui fazer agora, talvez se chegue à conclusão de que a propriedade está mais bem distribuída na ilha de S. Miguel do que nos outros distritos dos Açores, mas o que nela existe com certeza é gente sem nada possuir em número muito mais elevado do que nas outras terras açorianas.
O problema fundamental é de falta de trabalho rural, e esse não aumenta com a divisão da propriedade, antes, pelo contrário, diminui.
O montante das rendas também tem sido alvo de apaixonados comentários. É verdade que há rendas altas, mas os maiores proprietários, herdeiros de casas antigas, em sua grande maioria, mantêm as honrosas tradições da terra portuguesa e passam os arrendamentos de pais a filhos, não especulando com a concorrência que o aumento de população provoca. De facto, quantas vezes são os próprios rurais que, na ânsia de melhoria para o próprio trabalho, vão oferecer maiores rendas. Contra o abuso desumano que existirá não vejo, infelizmente, forma legal do agir, mas o aumento das obras públicas, dando trabalho em abundância, creio, levará ao justo equilíbrio. Talvez negociações bem conduzidas entre Casas do Povo e o Grémio da Lavoura chegassem a resultados convincentes.
É evidente que estando a grande massa da população a sofrer falta de trabalho não há forma de aumentar substancialmente os consumos.
Se é certo que se nota subida em tonelagem dos produtos entrados, também é verdade que a população cresce muito. Quanto aos produtos agrícolas que constituem principal alimento du população micaelense devem admitir-se melhores produções unitárias, mas há sempre a considerar o aumento da população, que está, como se tira do quadro III, a acusar saldos líquidos anuais da ordem de 3000 almas! Consequentemente é provável que não haja apreciável melhoria nos consumos por cabeça, se bem que deva admitir-se subida nos consumos totais.
É em toda a parte o mesmo problema - baixo nível de vida provocando fracos consumos.
O incremento dos trabalhos públicos, que estão a receber do Governo muito cuidada atenção, é ainda o meio mais eficaz de combater de momento as dificuldades, que afinal são quase inteiramente sociais. Pode afirmar-se que os detentores de terra inculta ainda reconhecem a função social que lhes cabe e, quando os meios de comunicação permitem, ocupam muita mão-de-obra, arroteando tudo o que é susceptível de aproveitamento.
Vou referir-me, em rápida análise, ao comércio de cabotagem com o estrangeiro.
O quadro IV indica entre 1951 e 1954 melhoria notável da balança comercial do distrito de Ponta Delgada, se é permitido chamar assim ao movimento comercial de saída e de entrada de produtos diversos em região limitada do País.
Nota-se quanto à saída de produtos subida de tonelagem e aumento de valor global e quanto à entrada de mercadorias descida ligeira do valor total, embora se apresente oscilante, mas talvez com tendência para crescer, a respectiva tonelagem.
A diferença entre o valor global dos produtos entrados e o dos saídos do distrito tem baixado fortemente nos últimos anos e é bastante provável, dadas as deficiências das fontes de informação, que o saldo negativo registado em 1954 esteja muito abaixo de 21 contos.
Não consegui obter indicações seguras de entrada de invisíveis, mas tudo leva a crer que atinja quantia, capaz de cobrir largamente o saldo negativo acusado peias únicas estatísticas que possuímos.
Parece interessante registar aqui algumas considerações sobre o comércio com o estrangeiro e o feito em cabotagem - comércio externo.
Entre os produtos exportados figuram com valores que podem atingir umas dezenas de milhares de contos os ananases, causavas de peixe, amendoim e pouco mais. Em contrapartida, as importações de maior vulto são: sementes, automóveis, adubos (por vezes mais de