17 DE JANEIRO DE 1957 235
Fora de critérios estreitos de entendimento, acima de ângulos de visão eivados de parcialidade, deformados por atitudes partidárias ou condicionados, se não mutilados, por obediência a programas preestabelecidos para além de apertadas fórmulas ditadas por grupos, a nós aqui, na Assembleia Nacional e ao serviço da Nação, neste particular a nós nos seduz e empolga a ideia, pela qual batalharemos sem descanso, de que a mentalidade dos homens de amanhã, porque moralmente bem formada, dotada de robustez intelectual, estruturada no mais puro civismo, abrasada na crença e no respeito de Deus, esteja em absoluto tocada, dominada pelo total amor da Pátria, na maior fidelidade à linha do seu destino histórico e à eternidade da sua missão, com séculos de inofuscável grandeza, marcando-lhe responsabilidades que ela, a nossa esperançosa mocidade, não enjeitará e antes saberá e quererá manter, como prova de pundonor e titulo de honra.
A juventude, Sr. Presidente, bem deve ser, dentre todos os nossos amores, o maior. Ela merece-nos atenções, compreensão, vigilância, todos os desvelos. Ninguém ousará tentar iludir a verdade de que ante Deus e a nossa consciência por ela nos responsabilizamos todos: pais, encarregados de educação, professores, governantes, homens de doutrina e homens de acção.
Preocupados com o futuro da Nação, que será obra do cérebro, da alma e do coração das gerações que nos hão-de suceder na caminhada da vida, não cerremos nunca os ouvidos à singeleza do prolóquio popular, que contém, no entanto, uma grande verdade: cada qual virá a guardar aquilo que semeia, sendo bem certo que não cuide colher trigo aquele que deixou que o joio germinasse e se propagasse.
Entre nós, pelo que diz respeito ao terreno da literatura infantil e juvenil, bastante se tem andado -ó justo reconhecê-lo- a partir de 1950, desde que o Governo emitiu acertadas instruções relativas às condições de edição e circulação das respectivas publicações e foi nomeada a comissão especial para a literatura infantil e juvenil, a cuja acção presto homenagem, com a função de zelar pelo cumprimento das instruções referidas.
E nem se compreenderia que assim não houvesse sido, dado que para o Estado Novo, se a criança vem sendo objecto de especiais desvelos e protecção sob o aspecto somático, cuidando do recém-nascido e da primeira infância, procedendo a vacinações, adoptando medidas de profilaxia no tocante à prevenção de doenças e sen combate, olhando à criação de jardins e parques infantis, pensando na instalação de colónias de férias, quer de praia, quer de campo, de igual sorte haveria que olhar com não menor atenção e até com o fervor do mais carinhoso interesse pela sólida formação do espírito infantil e juvenil. E neste capítulo ter-se-á atingido a meta do desejável? Sinto sobre mim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o peso de uma dúvida angustiosa.
Não ignoro, repito, que os Poderes Públicos já determinaram uma fiscalização rigorosa a exercer sobre o texto de certos livros, inculcando mesmo a adopção de medidas de carácter policial, e apraz-me bendizer a meritória iniciativa, digna de encómios e de agradecimentos, da Acção Católica, dedicando-se ao estudo critico das obras de literatura infantil e juvenil, a cuja publicidade poderão ir buscar-se normas seguras da melhor orientação.
Há que prestar homenagem, rasgada e merecida homenagem, aos escrupulosos autores -e temo-los, felizmente, entre nós- de livros infantis que reputo do melhor quilate. Omitir os seus nomes não significa ingratidão.
Julgo, no entretanto, que há que determinar, e sem detenças, a intensificação da acção policial.
Concretizo o meu ponto de vista aduzindo alguns apontamentos probatórios do que acabo de enunciar: a nocividade de certas histórias chamadas de quadradinhos ; a obscenidade das imagens de alguns livros e publicações e o contra-senso de no texto de muitos deles serem tratados assuntos que constituem o tema de filmes classificados de impróprios para menores de 18 anos; a circulação camuflada de revistas que podem rotular-se de pornográficas; a falta de conformidade de certos livros, em sua urdidura, com a idade e o sexo dos leitores a que se dizem destinados; a «febre» das novelas policiais, algumas das quais constituindo, pelo seu entrecho, uma grave perturbação para a fantasia do jovem leitor, escaldando-lhe a imaginação, quando não revestindo foros de um lamentável atentado à sua sensibilidade e ao seu psiquismo e -o que é pior! - conduzindo-o sinistramente à situação não só de dessoramento moral mas até, por vezes, de verdadeira delinquência; a circunstancia de se usarem, em hábil dissimulação, como veículos de propaganda deletéria, numa tentativa infiltratória das toxinas do comunismo internacional.
Vozes: - Muito bem.!
O Orador:-E reproduzo este grito de alerta: «Deixar corromper a mocidade é perder, ingloriamente, a batalha do futuro».
Vozes: - Muito bem l
O Orador:-Fui demasiadamente pessimista no quadro que deixei esboçado? Apenas quis, Sr. Presidente, pôr em foco um problema premente e candente, e procurei ajustar-me às realidades.
Para tanto, e em reforço do que deixei dito, trago à colação estas três notas: um dia -creio que foi em Junho de 1953- o Sr. Dr. Veiga de Macedo, cuja passagem pelo Ministério da Educação Nacional deixou um rastro inapagável, teve ensejo de afirmar haver verificado que, em cinquenta números de cada um dos oito periódicos para crianças, os números mais lidos eram os mais fracos como assunto, redacção e ilustração.
Acrescentava notar-se ainda incorrecção de gravuras, descrições condenáveis e situações inconvenientes, que despertavam desejos prematuros.
Aspo agora, Sr. Presidente, alguns passos de um resumo por mim lido, em Dezembro daquele ano, de uma notável conferência feita, com a autoridade que todos lhe reconhecem, por monsenhor Moreira das Neves, conferência integrada nus celebrações da XVI Semana da Mão.
A laia de intróito, asseverava então a voz eloquente daquele culto ministro da Igreja e ornamento brilhante do nosso escol intelectual que do drama universal em que o Mundo todos os dias se dilacerava, molhando em fel os dedos e a boca, faz parte o drama da inocência. E esse é, inexoravelmente, o drama terrível e sagrado donde sairá sempre a tragédia ou a epopeia do futuro dos povos.
Nele se entrelaçam todas as actividades humanas, porque nenhuma pode ser estranha, no bem ou no mal, ao destino, renovação e direcção da vida. E, se há responsabilidades a atribuir, uma das maiores pertence, decerto, à literatura infantil.
Monsenhor Moreira das Neves, lamentando que campeasse a literatura infantil de carácter comercial, entregue a calculismos metalizados e frios, que nas crianças vêem apenas ranchos brancos de cordeiros de tosquia fácil, alude aos resultados dum inquérito adrede feito, salientando a conclusão de que o mundo das crianças é quase exclusivamente o mundo do crime, do gangste-