DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 178 (240)
Se está por fazer, por outro lado, a história da Academia de Coimbra, há bastantes elementos, uns escritos e outros colhidos pela tradição, que nos habilitam a tomar conhecimento das principais características da vida dos estudantes de Coimbra.
Ainda hoje nos sabe bem, aos antigos estudantes da cidade de Coimbra, ler as páginas que Eça de Queirós consagrou nas Notas Contemporâneas ao seu tempo de estudante:
Em cada estrela plantávamos uma tenda, onde dormíamos e sonhávamos um instante, para logo a esquecer, galopar para outra clara estrela, porque éramos verdadeiramente, por natureza, escravos do ideal. Mas o ideal nunca o dispensávamos, e nem as sardinhas das tias Camelas nos saberiam bem se não lhes juntássemos, como um sal divino, migalhas de metafísica e estética.
A arte, a ciência, a literatura, a música e os desportos foram e serão sempre questões que interessam os rapazes de Coimbra, porque o seu convívio concentrado lhes permite agruparem-se em organizações onde se articulam tendências específicas de vários. Os alunos das diferentes Faculdades de Coimbra podem conviver com suficiente intimidade para que se nutra, por assim dizer, uma atmosfera de enciclopedismo diário, que a dispersão dos estudantes pelas diferentes Faculdades das outras Universidades não permite. Criou-se um tipo de alma académica tal que, mesmo passados muitos anos sobre a conclusão dos estudos, quando nos encontramos uns com os outros em qualquer parte, a conversa, as recordações, as saudades, nunca mais têm fim.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Diz-se que Coimbra é a terra dos doutores, pois ninguém lhe chama a terra dos professores, e os próprios estudantes são tratados por doutores pela gente da cidade. O vulgo irmana professores e alunos no mesmo título, facto que creio ser único no Mundo, como se a alma mater não consentisse no descaminho, no desencontro de uns e outros.
Em arte, os motivos decorativos têm o seu significado próprio e parece que os castelos simbolizam a segurança e as- águias a longevidade. A Universidade de Coimbra poderia ostentar no seu brasão os castelos e as águias, tal a força espiritual permanente, ia dizer eterna, que dela tem dimanado, envolvendo professores e alunos. As embaixadas académicas, com o seu orfeão, com a sua tuna, com o seu teatro, com as secções de futebol e basquetebol da Associação Académica, encontram sempre outras embaixadas de antigos estudantes de Coimbra e suas famílias, que lhes dão agasalho e lhes tributam carinho e aplauso, onde quer que seja, no império português.
Notas de beleza espiritual da nossa história moderna estão intimamente ligadas à Academia de Coimbra, cabendo bem lembrar as festas do tricentenário da morte de Camões, celebradas pela Academia de Coimbra em Junho de 1880 e em Maio de 1881, que mereceram a Ramalho Ortigão expressões de apreço e simpatia pelos estudantes de então.
Nos tempos de hoje as actividades circum-escolares ramificam-se, em Coimbra, para os mais diversos sectores: a religião e o espírito, a arte e a literatura, a educação física e os desportos, como o prova a existência do Orfeão e Tuna Académica, do Teatro dos Estudantes e do Grupo Coral da Faculdade de Letras, das secções de futebol e basquetebol da Associação Académica, do C. A. D. C. e, mais recentemente, do Centro Universitário da Mocidade Portuguesa e do Centro de
Iniciação Teatral. Não se pode, pois, negar o timbre particular da estrutura da Academia de Coimbra e tem de se respeitar uma posição social consagrada pelas comendas de Santiago da Espada e de Cristo com que foi agracia da a sua Associação.
A reacção contra algumas disposições do Decreto n.º 40 900 afirma o carácter viril da mocidade de Coimbra, no que este contém de independência sem coacção e de solidariedade sem paixão, correcta nas atitudes e fiel aos princípios políticos que orientam a Nação Portuguesa.
O Doutor Mário de Figueiredo leu, na Sala dos Capelos, em 1936, uma conferência consagrada aos i Princípios essenciais do Estado Novo Corporativo •. Neste notável trabalho se encontram as traves mestras da nossa organização política actual, em estilo claro e em correcta síntese. Fazia falta um trabalho desse género na nossa literatura política e ninguém melhor que o então director da Faculdade de Direito de Coimbra o poderia levar a cabo. Tornava-se, com efeito, necessário mostrar qual era a posição ideológica do Estado Novo e esclarecer alguns problemas. Acentuou o Doutor Mário de Figueiredo que o Estado Novo procura realizar o seu sistema através da organização corporativa, que se apresenta como um processo de autodirecção despertado e vigiado pelo Estado».
O Doutor Mário de Figueiredo referia-se em especial ao sector económico, mas as suas ideias podem e até devem aplicar-se ao sector educativo.
Com efeito, por volta de 1910, no remado de D. Manuel II, um moço estudante de 18 anos proferiu em Viseu uma conferência sobre o tema da educação, manifestando a necessidade de adaptar ao nosso país certos princípios de formação «particularista», em que a autodirecção educativa desempenha um importante papel. Mal sabiam os que o escutavam nesse momento que estavam em presença do futuro estadista Doutor Oliveira Salazar.
Ê evidente que a autodirecção sem a vigilância do Estado dá lugar ao aparecimento do pior inimigo das sociedades, que é a anarquia. Por isso penso que se deve tomar conhecimento e se devem apreciar as reclamações dos estudantes de Coimbra e atendê-las tanto quanto o seu estudo e ponderada reflexão impuserem, dentro da necessidade de levar a cabo os desígnios do Governo nesta matéria. Constituiria omissão grave lançar no olvido as razões dos estudantes.
De resto, há outros motivos que me parecem inteiramente óbvios e indiscutíveis, impondo a ratificação com emendas: a ratificação porque o conteúdo essencial do Decreto n.º 40 900 é digno do maior aplauso; as emendas porque algumas são até sugeridas pelo Ministro.
Com efeito, o Prof. Leite Pinto é o primeiro a reconhecer que houve um lapso referente ao método adoptado para as eleições na Escola Superior de Medicina Veterinária e, além disso, ele próprio admite ser necessário dar mais explícita redacção a alguns preceitos e «atender a uma ou outra particularidade da vida associativa dos estudantes».
A obra até agora realizada pelo Prof. Leite Pinto impõe-me admiração e incita-me mesmo à colaboração com S. Ex.ª
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com as minhas palavras tive em mira provar que as tradições e os hábitos da vida dos estudantes de Coimbra têm particularidades especiais, bem como a sua vida associativa.
Nesta ordem de ideias, a ratificação com emendas permitirá o aperfeiçoamento de algumas disposições do