17 DE JANEIRO DE 1957 (243)
de nossos dias se viram forcados a viver em períodos mínimos, tanto quanto aquelas e outras gerações viveram em períodos mais longos, já adquiriram a consciência da sua posição na vida ou, pelo menos, a noção do seu real valor, que se tornam ciosos de demonstrar onde quer que a oportunidade apareça.
A personalidade, desabrochada já ao sol dos vários socalcos da vida, firma-se nas bases mais ou menos sólidas em que foi adquirida.
Há que acreditar nela e no seu vasto poder de dinamismo, que nesta altura já se deve ter encaminhado no melhor sentido, 'qual seja o de haver adquirido a exacta noção da responsabilidade própria na formação da responsabilidade geral.
For outro lado, a generosidade, que é também qualidade dominante da juventude, está sempre pronta a mostrar-se quando a nobreza dum ideal a reclama, e, ao fazê-lo, oferece-se integral, benfazeja, desinteressada e nobre na pureza de todas as suas intenções.
Sem pretender denegar a existência destas altas qualidades e das restantes outras que tanto dignificam nas Academias de Lisboa e do Porto, sinto que é justiça salientar que elas existem com forte desenvolvimento na Academia de Coimbra, que é aquela tradicionalmente mais coesa e mais robustecida em hierarquização indiscutível e, pois, aceite com plena unanimidade, por se saber formada segundo os conceitos históricos, velhos de mais de uma centúria.
Mercê dessa coesão e dessa hierarquia, já, aliás, moralmente reconhecidas como fenómenos da mais alta valia tradicional, a Academia de Coimbra formou, forma e formará sempre um caso bem à parte na vida das academias dos estudantes portugueses.
Dinamizada em todas as manifestações da sua forte vitalidade por mais de quatro mil estudantes universitários, dois mil liceais e muitos outros escolares integrados em segura linha de rumo que as gerações sucessivas vêm mantendo inalterada na sua essência, a Academia de Coimbra não tem nesse escol o seu limite natural, pois prolonga-se no tempo e no espaço e revive nas almas e nos corações de todos quantos, envoltos na austera imponência da sua capa tradicional - símbolo respeitado da mais alta gama de predicados da juventude em rumo à vida -, alguma vez ouviram as advertências do bronze hierárquico que, no alto da torre sineira da gloriosa Universidade - também símbolo altaneiro a atestar a eterna presença do passado -, concitavam à reclusão e a todos lembravam as virtudes sem mácula do trabalho.
Ora, essa capa tão enobrecida, que, ao igualizar os estudantes, também faz parte das insígnias mais altas que os mestres jubilosamente ostentam nos momentos solenes e se tem estendido perante as mais altas figuras da Nação, em reconhecimento de virtudes e de qualidades para cuja apropriada reverência melhor expressão ainda não se encontrou, tem cingido largos milhares de jovens que ao longo dos anos passaram pela Academia coimbrã, tendo vivido a larga sedução do seu natural encantamento, ao qual tacitamente juraram fidelidade indefectível.
O facto observa-se largamente em todo o Portugal - continental, insular e ultramarino até no estrangeiro, onde no Brasil, pátria irmã, se formaram núcleos de antigos estudantes de Coimbra, cuja organização fielmente traduz a própria organização daquela vida estudantil.
A Academia de Coimbra é, portanto, hoje, como o era ontem, uma força de saliente valor, que se formou e cimentou em ambientes de singular peculiaridade, únicos no Mundo, e que na vida nacional se apresenta cheia de pergaminhos e detentora de brilhante folha de serviços prestados à Nação, não só como forja que tem sido de altíssimos valores, a quem muito devem a política, a cultura e o próprio ressurgimento nacionais, como ainda pela especial relevância dos seus organismos culturais, artísticos, sociais e desportivos, que formam um amplo conjunto de actividades, gozando da mais justa nomeada e alta projecção, quer no País, quer no estrangeiro.
E nem se torna necessário destacar perante VV. Ex.ª a saliente categoria do Orfeão Académico de Coimbra, o eterno «jovem» que já completou 75 anos de vida sempre recamada de triunfos, da Tuna, do Teatro Clássico dos Estudantes, do Orfeão Misto, das Danças Regionais, do Teatro Moderno, da sua notável secção desportiva, hoje dos mais altos expoentes da actividade lúdica nacional, mas que não é razão única da supremacia estudantil coimbrã, e muito longe disso, da Filantrópica Académica e das restantes manifestações de vitalidade duma academia que, na marcha da vida, se tem mantido íntegra e devotada aos seus nobres primados, imune a ingerências estranhas, mas comparecendo sempre a marcar presença nos grandes momentos nacionais.
Ora, Sr. Presidente, todo este conjunto importantíssimo de valores se consubstancia na Associação Académica de Coimbra, em cuja direcção tomam assento representantes de todas ais Faculdades, e que, por isso, é órgão tutelar, com vasto poder de efectiva defesa e fomento de direitos e interesses, propiciando ainda ao desenvolvimento intelectual, moral e físico dos estudantes.
Os problemas da vida circum-escolar não são, por isso mesmo, assuntos desconhecidos ou de que se não tenha já naturalmente ocupado no desenvolvimento da sua actividade especifica.
A lição dos factos, reiterando-se nos anos, demonstrou à saciedade o verdadeiro valor dos seus esforços e inteiro cabimento das suas directrizes.
Esta a principal razão da natural expectativa e receios que o articulado do Decreto-Lei n.º 40 900 ali criou e até num largo sector da opinião pública.
Na verdade, perante a alegada peculiaridade da vida da Academia de Coimbra, onde todos ou quase todos os estudantes se conhecem e tão facilmente se desvenda o viver de cada um; perante o equilíbrio estável em que essa vida tem decorrido ao longo das décadas, orientada e acautelada tão cuidadosamente pela Associação Académica, a modificação profunda que o mencionado decreto-lei criou, prolongando largamente a acção directiva e fiscalizadora do Governo, edificada em novos moldes, cria problemas da mais alta transcendência.
É que não è possível num acanhado decurso de poucas dezenas de dias modificar utilmente a estruturação cimentada ao longo dos anos, para a substituir por outra de contornos ainda pouco nítidos, muito embora alicerçada nas confessadas intenções da valorização do estudante durante e após a sua vida escolar, garantindo-lhe que, finda ela, não cairá no vácuo duma vida sem significado e sem possibilidade de ser vivida no mesmo teor de dignidade a que ele se habituou.
Ora concebe-se facilmente que o Governo se queira assegurar da acertada aplicação do larguíssimo capital que terá de empregar para que os seus elevados desígnios de conferir ao estudante do ensino superior a habitação, a alimentação, a educação física, a saúde, o conhecimento do Mundo e das várias formas da cultura humana, o seguro, a escolha da carreira e o emprego possam sor alcançados na aceitável medida em que foram considerados no citado decreto-lei.
Não me parece, porém, que para tanto se torne forçoso menosprezar, pelo menos em Coimbra, uma orgâ-