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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 188 (364)

Tal uru a fibra de herói, que nem os, anos. nem os trabalhos, nem a adversidade, num as horas incertas, nem os ardores tropicais o amolentariam quando o coração causado se recusava a bater.
Eis, no ligeiro apontamento da cronologia ilustre, a figura incansável, prestigiosa, singular, de Salvador Correia de Sá o Benevides, do qual D. João IV dizia, em nota escrita do seu punho, que não havia melhor socorro para Angola do que nomear Correia de Sá governador.
Era homem agigantado no moral e forte na compleição física esse aristocrata da mais pura cepa. cujos minutos de descanso não contaram nunca.
Trabalhava pela segurança na paz, mas sabia arriscar-se na guerra.
Não improvisava. Era moderado o prudente nas opiniões que expendia, corajoso e empolgado, admirado de heróis como Francisco Barreto, lembrado por émulos e rivais. Quando lhe faltavam meios oficiais, comprometia o seu património, pagava da sua fazenda, porque se habituara, desde tenros anos, a confundir os seus interesses com o bem de todos.
No Reino prevalecera nele o princípio da lealdade, que o alinhara na fidelidade ao verdadeiro duque de Bragança e até na co-responsabilidade da magnífica, administração do conde de Castelo Melhor.
Nem as solicitações nem as intrigas o demoveram v não se lhe deu, no fim de tantas! actividades, ficar em casa preso com homenagem, como o general Naguib.
Portanto, valentíssimo até à temeridade, desprezando a vida e o perigo a, ponto que u artilharia holandesa o pudera tomar para alvo, arriscando tudo no final da sua vida, quando merecia descanso, espalhando e malbaratando, pelas plagas africanas e da América, sangue e grandeza, de ânimo, fortalecimento e energias, impacientado com n. burocracia e a marcha do tempo, Salvador Correia de Sá e Benevides viveu galhardamente, heroicamente, à voz de seus maiores e à voa da Pátria.
Não era destes cortesãos cujos segredos se reúnem nos agrados, nem um entiché de noblesse desses que só discutem genealogias e precedências, nem tão pouco um desses altivos senhores peninsulares para quem todo o esforço era inútil ou mesmo degradante.
Como todos os grandes, tinha algumas das virtudes contrárias aos defeitos da sua grei - mas no fundo, nu fundo, ora um português do melhor quilate.
Hipnotizados pela vida ardente e perigosa do herói, alguns escritores têm esquecido a faceta, da sua vida que o revela, nas mesmas alturas, como um dos grandes portugueses que simultaneamente foram construtores de grandeza de além-mar e voaram acima dos limites estreitos da faixa metropolitana.
Em 1618 assiste com o pai aos ensaios sobre a prata extraída em Sergipe. Dez anos depois é lhe dada a alcaidaria-mor vitalícia do Rio de Janeiro, com suas graças e prerrogativas, e depois o governo por dois triénios.
Funda em 1637 a vila de Ubutuba.
Em 1639 administra as minas de S. Paulo.
Recebe novas confirmações de cargos.
A gente de Santos deve-lhe que solucione, com tacto e magnanimidade, as suas complicações e dúvidas.
Depois, no Rio de Janeiro, abre caminhos, cria povoações, combate a indisciplina, e, mercê da sua actuação, esta cidade é equiparada à nossa Invicta.
Na metrópole, em 1646 e 1647, discute no Conselho Ultramarino. Advoga a navegação de maior tonelagem. Prepara, paciente e cuidadamente, as expedições do ultramar, a fim de enfrentar os batavos.
Funda a vila de Paranaguá.
Três miou de Angola acreditam-no, além de conquistador glorioso, como um administrador acautelado, de rara sagacidade.
No Rio, aonde volta depois, continua com a exploração agrícola. Funda vilas, mas não abandona a exploração mineira. Quer cultivar mais, povoar em grande escala. Funda novos centros. Coloniza e governa a Baia. Até as finanças atrasadas do Rio deve limpar e sanear, o conseguiu-o.
Não é, pois, apenas a figura de militar que se nos impõe, a três séculos de distância; é o político construtivo, o grande administrador de além-mar. São os seus actos que respondem pelos seus intuitos; é uma vida Activíssima e inquieta que mostra a fidelidade maior dos seus protestos de lisura e grande ânimo, como atesta isenção e sacrifício.
Muitas vezes esteve em oposição geral, mas nem por isso deixou de mandar, de fazer cristandade, de declarar livres os gentios e de administrar correctamente.
Para os portugueses de antanho, como para os de hoje, a lição da vida ardorosa, longa e exuberante de Salvador Correia de Sá e Benevides contém, quanto à restituição de Angola, três grandes e inesquecíveis ensinamentos:
Foi, primeiro, o que os nossos chamaram «o fim da heresia»;
Foi o que apelidaram também de «restituição à Pátria»;
Foi o que, em termos actuais, se pode designar ainda como justiça entre os indígenas já impregnados de portuguesismo.
Portanto, ortodoxia nas ideias, dedicação total à obra dos descobridores, integração para além das raças, dos costumes e dos preconceitos dominantes na época, e que vai culminar anos após na abolição do esclavagismo.
A restituição de Angola tenho-a visto taxada de surpreendente, entrando assim pelo domínio místico do milagre, concorrendo para. isso a forma como na fortaleza de S. Miguel o inimigo se rendou quando dispunha de força e protecção superiores.
Lembremo-nos de que os Holandeses se apossaram de Angola e do Brasil, mas, na verdade, nunca dominaram Angola e o Brasil; a alma da terra e das gentes escapou-lhes.
Lembremo-nos do que de um lado estava a Pátria eterna, indistinta, intocável mesmo, nas suas infelicidades, e do outro estava a poderosíssima Companhia das índias Ocidentais, majestática empresa movida pela mola confessada dos lucros, mecânica de. cálculo de interesses que nunca poderia aspirar ao pleno domínio dos homens, os quais estipendiava para proliferar com os seus serviços.
Entre uma irmandade que tudo arriscava pelas grandes e pequenas coisas do sentimento u que a escravatura apenas mancharia por algum tempo e uma grande empresa mercantil havia distâncias o antagonismos a que, mais do que os combates e vitórias, só as almas poderiam fornecer verdadeira medida.
Fora a unidade jurídica e política imarcescível da Pátria que permitira armar no Brasil expedições de socorro a Angola e entregar o comando a um gigante que, como António Vieira, fizera carreira e ia desgastando a sua vida para além dos mares.
Chego ao final desta desataviada intervenção untes da ordem - e paramento sentimental.
Daqui, deste hemiciclo representativo. me dirijo à Câmara Municipal de Lisboa e ao seu tão ilustre presidente para que só dó testemunho condigno, numa grande artéria ou por outra forma, da gratidão lusíada para com a memória do grande almirante dos mares do Sul, prodigioso administrador e político, português de lei, à altura da nobreza da sua pessoa e dos seus feitos.
Uma calçada obscura e unia rua em Telheiros de Baixo não atestam completamente a sua honra, tão dis-