10 DE DEZEMBRO DE 1956 73
as reclamações, pedem-se providências, e ninguém escuta o clamor que encerra a voz da razão. E nós continuamos esperançados em que um dia se operará o começo do milagre, que antevemos ainda distante.
Outro grande problema a tratar é o que se refere à habitação. O problema habitacional reveste-se de um aspecto verdadeiramente dramático nas actuais condições do Mundo. É problema que, estendendo-se a todas as nações, se apresenta com foros de complicada solução em algumas, por falta de meios para resolvê-lo. Crise de uma civilização, que nau soube prevê-lo e resolvê-lo na altura própria, dominando assim e combatendo os seus reflexos sociais, que tanto prejuízo tem acarretado à humanidade.
Por toda a parte se nota e se sente profundamente a falta de alojamento, e são, evidentemente, as classes pobres, as mais desprotegidas pelos dotes da fortuna, as famílias humildes, que sentem essa necessidade, essa falta de alojamento, verdadeiramente preocupante.
O homem, ocupando o lugar que lhe compete como chefe do seu agregado familiar, seja qual for a sua condição, alimenta no íntimo do seu ser uma das mais
caras aspirações humanas: possuir a sua casa, o seu lar, onde possam caber todos quantos vieram à luz do dia a sombra das suas responsabilidades, amparados pela forca do seu braço. E, posto que os estados até certa altura se tenham mostrado alheados de problema tão grave, hoje mais que nunca, exige a sua intervenção, e presentemente todos os países lhe dedicam particular cuidado, visto tratar-se de um problema social que variadas mutações na vida dos povos contribuíram para seu agravamento.
Uma revolução de efeitos bem marcados se deu no Mundo, atingindo todas as classes e os próprios costumes domésticos. E, ao lado de largas destruições as aldeias, vilas e cidades sofridas pelos países envolvidos em conflito, das quais resultaram as maiores misérias, outros factores de ordem social deram causa à crise de alojamento, como sejam a migração para as cidades, a industrialização de grandes centros urbanos, a multiplicação familiar, transformando e dividindo os agregados, e muitos motivos baseados em questões de natureza económica, de sanidade e até de natureza política, todos confundidos e justificados por aspirações e necessidades profundamente humanas.
A família é na estrutura da nação a sua primeira célula; e, como célula, sujeita às transformações operadas na divisão ou multiplicação do seu plasma, cientificamente demonstrada e naturalmente realizada e continuada.
Os alojamentos terão de acompanhar essa transformação vital na perpetuidade das suas gerações. A crise habitacional ó crise nacional, exigindo do Governo providências requeridas pelo sentimento e pela necessidade que nós, como a humanidade inteira, experimentamos e apontamos.
De facto, a verificação deste desequilíbrio, que não é monopólio de alguns, é sentido pela quase totalidade dos países do Mundo, como já afirmei, e à sua solução ligam os estados a importância devida, procurando solucioná-lo na medida das suas possibilidades. Há pouco observei, através da imprensa, que nu vizinha Espanha seriam precisas casas em número superior a 1 milhão para dar remédio à crise habitacional que a assoberba. Adoptou agora medidas estaduais para no ano próximo se construírem, pelo menos, 100 000 moradias.
Na Holanda, a rainha Juliana afirmou, no discurso inaugural da actual sessão da sua Assembleia Nacional, que no ano corrente se construiriam também 100 000 casas, facto julgado insuficiente para debelar a falta de alojamentos nesse país.
Na Rússia este problema reveste-se de uma gravidade excepcional. Apesar das medidas adoptadas pelos Sovietes, construindo habitações em série, de dimensões limito reduzidas, falhas do mais elementar conforto, serão necessárias milhões de construções para albergar os que tão vivamente sentem a sua falta. E factos semelhantes se dão em muitos países cm adiantado estado de civilização, não falando daqueles que sofreram a devastação de grandes aglomerados, levada a efeito pela acção destruidora da guerra.
É bem necessário e urgente resolver problema tão crucial, visto ser a casa o santuário da família cristã, onde se vivem os melhores momentos de uma vida física e espiritualmente sã, casa de pais e escola de filhos; onde o homem, fatigado pelo esforço despendido na luta pela vida, descansa, recuperando as suas forças em ambiente de carinho e amizade, rodeado por aqueles que são no seu lar fonte de alegria e motivo de preocupação.
É cheia de esperança e de fé a feliz expressão de Salazar quando afirmou que enquanto houvesse uma família sem lar e uma casa sem pão a revolução continuaria. E, assim, tem de ser continuada a tarefa que ao lado da alimentação e do vestuário constitui a trindade das necessidades da vida do povo.
Sr. Presidente: a crise habitacional acusa também entre nós um grau de reconhecida importância, acentuadamente nos grandes aglomerados populacionais, mas sofrendo também efeitos semelhantes em todos os meios, ainda os mais reduzidos.
A preferência que as gentes das aldeias vêm dando às cidades, onde procuram melhorias das suas condições de vida; o crescimento progressivo da população, que deve. na hora presente, atingir no continente os 9 milhões: as acanhadas condições em que vivem milhares de famílias constituídas por elementos numerosos; a existência de casas em ruínas, desprovidas de todos os preceitos higiénicos e onde tudo falta; o regime de industrialização a que se está procedendo, dando erradas preferências para a sua montagem às cidades, num desprezo absoluto pelas vantagens do seu estabelecimento em meios subdesenvolvidos; a falta de protecção devida ao trabalhador dos campos, em manifesta desigualdade com o trabalhador das oficinas, das indústrias e de outras ocupações, e muitos outras factores, tem concorrido para o deficit habitacional manifestado em grande escala, nos meios urbanos.
Considerados todos estes motivos e razões, o Estado, dentro das suas possibilidades, tem demonstrado o maior empenho em dar ao problema o remédio exigido, através de leis estimulando e facilitando as construções e dos investimentos e comparticipações na satisfação dessa necessidade, fonte, de dificuldades reflectidas no nível de vida do nosso povo, que tanta preocupação nos causa.
Não pode negar-se, ou desconhecer-se o que se tem realizado. Mas não pode olvidar-se também que dentro do melhor princípio, é necessário fazer-se muito mais, destinando-se verbas bastantes para dar rumo definitivo a questão de tanta actualidade e magnitude.
De norte a sul do País, observam-se bairros alegres e confortáveis que os trabalhadores habitam. Mas se esses somam já cifra elevada, é necessário que a eles se juntem, e em curto prazo, muitos outros, demonstrativos do empenho e da vontade do Estado, dando a cada família o seu lar.
Particularmente no Porto e no seu distrito, que aqui, na Assembleia Nacional, represento como Deputado, tenho vivido em permanente ansiedade, entregando-me à defesa do problema habitacional, que, revestindo aspectos inquietantes, se vem atenuando de dia para dia, com a adopção e aplicação de medidas atinentes à sua solução.