206 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 78
problema de tão alta magnitude e gravidade. Mas não é bastante criar unicamente um banco de olhos. Em múltiplas situações, algumas de extrema urgência, homoplastias realizadas com pele, ossos ou vasos tirados do cadáver dão garantias de sucesso no tratamento de afecções cutâneas, ósseas, vasculares e tantas outras. O interesse nacional aconselha a criação de condições que tornem possíveis as intervenções plásticas, não só em olhos, mas também em diversos sectores do corpo humano.
Para tanto, bastaria substituir o banco de olhos por banco de órgãos, o que se realizaria com um ligeiro aumento de despesa, bem retribuída pelos benefícios que iria proporcionar. Assim se satisfariam necessidades existentes noutros capítulos da terapêutica cirúrgica e criar-se-ia um organismo de maior projecção e actividade médica, com reconhecida interesse nacional.
Evidentemente que, atendendo à grandeza e à sua utilidade, a organização de um banco de órgãos seria de aconselhar, visto desempenhar ao mesmo tempo outras funções, além das inerentes ao banco de olhos. Para mais, as técnicas e o equipamento necessários à conservação dos olhos e do material para plastias são sensivelmente os mesmos, não possuindo as instalações muito maior extensão, nem sendo preciso pessoal em muito maior número.
Em tais circunstancias, quer pelo volume dos pedidos que haveria a atender, quer pela urgência de que se poderiam revestir e que de outro modo não poderiam ser satisfeitos, deveriam criar-se três bancos de órgãos nas três cidades universitárias, dentro dos seus hospitais gerais, competindo atender as requisições de material para plastias na área correspondente à secção da Ordem dos Médicos onde se situam os respectivos hospitais.
Aqui deixo a ideia, e passo agora a ocupar-me especificamente do banco de olhos, que deverá obedecer a duas finalidades, constituindo um organismo capaz de desempenhar, como lhe compete, funções de assistência médica e de investigação científica. Não pode negar-se-lhe esta dupla finalidade, proporcionando aos investigadores os meios necessários para o progresso de conhecimentos no campo da oftalmologia.  No campo da assistência, competirá ao banco de olhos fornecer aos oftalmologistas portugueses, em condições próprias, olhos ou fragmentos destes tirados de cadáveres ou recolhidos de acidentados ou não, de modo a serem utilizados no tratamento de diferentes afecções oculares.
Também lhe competirá a colheita, conservação e distribuição dos olhos para enxertos. A sua colheita reveste-se da maior dificuldade entre nós, não pelo que se refere às exigências técnicas que lhe são inerentes, mas pelas condições ligadas às fontes de aprovisionamento a que o banco terá de lançar mão.
Os olhos só poderão vir de duas origens: do cadáver e do vivo. No caso do cadáver, a colheita dos olhos terá de ser condicionada pela resolução de um duplo problema: quais os cadáveres e em que condições a colheita poderá ser efectuada, o que é o mesmo dizer que se torna necessário esclarecer quais os cadáveres em que poderão ser colhidos os olhos, qual o momento próprio para a enucleação ser autorizada e quais as formalidades medico- legais que haja de cumprir-se.
Em alguns países a oferta dos olhos, satisfeitas certas condições legais, é suficiente para garantir o normal funcionamento dos bancos de olhos. Aqui, e nas condições presentes, é quase certo que este meio de obtenção não surta igual efeito, havendo que adoptar outros recursos. Em tais circunstâncias, o recrutamento dos dadores terá de fazer-se nos hospitais, entre os internados cujo estado clinico ao mesmo tempo permita supor curta sobrevivência e dê garantias de inocuidade às futuras plastias. Cria-se assim a necessidade de organizar uma colaboração efectiva entre as enfermarias de um ou vários hospitais e o banco de olhos, estabelecendo regras a fim de poder realizar-se dentro dos preceitos da técnica e da medicina indicados pelos conselhos médico-legais a escolha dos olhos.
Seria aconselhável que todas as enfermarias, exceptuando os casos especiais das enfermarias destinadas a doenças contagiosas e a outras doenças de alta gravidade, fossem obrigadas a dar ao banco de olhos informações clínicas atinentes a possibilitar a aquisição de olhos. Para tal fim os doentes, e no seu impedimento os familiares que os acompanham, deveriam declarar, verbalmente ou por escrito, dando aspecto legal a essas declarações, o consentimento da utilização dos olhos pelo banco, se assim o entendessem.
Este caso e tantos outros, que revestem um aspecto médico-social que tem de resolver-se, pela sua grande importância, só providências legislativas em diploma especial poderão solucioná-los, aproveitando o exemplo que nos é dado por muitas das nações da mais adiantada civilização.
Para prover às necessidades da assistência clinica e da investigação científica, é, sob o aspecto técnico, bastante simples a conservação dos olhos, já porque o instrumental não é excessivamente caro, o espaço necessário para a sua instalação é reduzido e o pessoal não é numeroso.
Todos os serviços de oftalmologia, pelos seus directores, e individualmente qualquer oftalmologista deverão ter qualificação suficiente para requisitar ao banco o material necessário às respectivas clínicas, devendo as requisições ser acompanhadas da identidade dos doentes e da descrição sumária das afecções a que o material se destina.
Ao lado da formação médica caberá uma função cientifica, compreendendo, não só os estudos tendentes à melhoria dos resultados das plastias, mas ainda as investigações contributivas do aperfeiçoamento de conhecimentos da patologia oftalmológica.
Tudo quanto acabo de expor é um rudimento muito sucinto do que na Assembleia Nacional me propus dizer, visto não ser lugar próprio para uma larga exposição de assunto que compete às sociedades das ciências médicas. O que afirmei é nem mais nem menos que o preâmbulo da organização do banco de olhos, feito à luz dos meus conhecimentos técnicos da questão e da responsabilidade que me cabe, quer como elemento da classe médica, quer como Deputado da Nação, cujo mandato me impõe obrigações e deveres, a que não pretendo fugir, dando-lhe inteira responsabilidade.
Sr. Presidente: existem entre nós algumas dezenas de milhares de indivíduos que beneficiariam extraordinariamente com os enxertos da córnea, admitindo que só uma certa percentagem de doentes a eles recorra.
Atendendo a várias circunstâncias, parece-me que um único banco de olhos daria satisfação às necessidades do continente português.
Somos um país de reduzidas dimensões e que presentemente dispõe dos méis de comunicação suficientes para o transporte rápido e em boas condições do material para as plastias destinado a qualquer centro cirúrgico especializado. Depois torna-se mais económico existir um só banco de olhos, rigorosamente equipado, que dois ou três que o não estejam. Entendemos, porém, que o banco de olhos criado numa das três cidades universitárias, dispondo de delegações nas outras duas, anexas aos grandes hospitais, onde aquele banco de olhos teria pessoal próprio e estas lhe seriam subordinadas, dentro de uma hierarquia .compatível com uma liberdade de acção que não inferiorizasse o seu rendimento,