19 DE FEVEREIRO DE 1959 209
intervenção de órgãos de soberania nacional aos quais cumpre apreciar uns e outros: a Administração e os tribunais.
E porque os tribunais administrativos, à face da actual Constituição Política, também são órgãos realizadores da função judicial, sugeria então a Câmara Corporativa que ao Ministro da Justiça fosse dada competência para resolver os problemas da nacionalidade, com recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Foi essa orientação que veio a prevalecer e que a actual proposta novamente consagra.
Sr. Presidente: lendo a proposta em discussão, que contém cinquenta e três bases, a regulamentar oportunamente, e comparado o conjunto das suas disposições com os preceitos do Código Civil, pode avaliar-se da importância e da complexidade de que se revestem hoje os assuntos referentes à nacionalidade.
Mas a proposta não se limita a actualizar a matéria, em pô-la de acordo com a doutrina e com os pareceres dos órgãos consultivos do Ministério da Justiça. Introduz princípios novos, alguns dos quais não queremos deixar de assinalar especialmente.
Assim, era regra consignada no Código Civil que adquiria a nacionalidade portuguesa a mulher estrangeira que casasse com cidadão português; em contrapartida, de uma maneira geral, perdia a nacionalidade a mulher portuguesa que casasse com cidadão estrangeiro.
Este problema do carácter individual ou familiar das regras da nacionalidade tem sido motivo de largo debate na doutrina. Numerosos autores e tratadistas defendem a unidade da nacionalidade da família - ou seja do marido, da mulher e dos filhos menores -, com o fundamento de que, constituindo a família um todo, um agrupamento natural e legal, ao mesmo tempo, todos os seus membros devem estar sujeitos ao mesmo regime.
Sendo o marido o chefe da sociedade familiar, é natural que a sua nacionalidade se imponha aos outros membros da família. Além disso, a tendência geral é para a mulher e os filhos adquirirem a mentalidade, os sentimentos e as ideias do marido e do pai. A outorga da nacionalidade não faz mais que consagrar e traduzir, portanto, um estado de facto. A coesão familiar supõe uma só nacionalidade.
Segundo estes autores, a unidade de nacionalidade tem consideráveis vantagens práticas-, assegurando o mesmo estatuto pessoal aos membros de uma família nas legislações - e é o caso da nossa - quê fazem reger esse estatuto pela lei nacional dos interessados. Evitam-se assim conflitos difíceis de resolver entre a lei do marido e a lei da mulher e todas as querelas e discussões, que são sempre fonte de divisão e discórdia e que por vezes afectam gravemente os próprios vínculos familiares.
Os interesses do Estado são, enfim, salvaguardados - como se refere na súmula de doutrinas que estamos reproduzindo - por uma solução que, tanto quanto possível, cria- famílias nacionais, realiza a absorção de corpos sociais vivos, e não somente de indivíduos isolados, reforçando, pela sua coexistência, os sentimentos patrióticos.
Os partidários do sistema oposto, que se pode chamar o sistema da personalidade da nacionalidade, argumentam que a unidade absoluta e permanente de nacionalidade é praticamente irrealizável. E, embora admitindo que o interesse do Estado seja, por vezes, no sentido da unidade de nacionalidade familiar, afirmam que uma aquisição automática ou colectiva de nacionalidade, com redução ou supressão completa da intervenção do Estado, pode importar sérios inconvenientes e trazer, por vezes, para o seio da nação pessoas indesejáveis.
Para estes autores, os poderes resultantes das duas instituições jurídicas do poder marital e do poder paternal têm sido notavelmente enfraquecidos e é cada vez mais fiscalizado o seu exercício. Os indivíduos sujeitos a estes poderes têm-se gradualmente emancipado deles, e, dentro da família, afirmam-se e desenvolvem-se as vidas individuais e as autonomias pessoais.
Nesta orientação, a nacionalidade é o vínculo jurídico que liga o indivíduo ao Estado e pelo qual este afirma o seu poder e impõe uma sujeição; mas é também, e sobretudo, uma comunidade de aspirações, uma vida espiritual, uma questão de consciência. Nesse sentido não pode ser senão individual.
Se quanto à nacionalidade da mulher que casa são diferentes as soluções da doutrina, muito diversas são também as soluções adoptadas nos sistemas legislativos.
Em muitos países - é o caso do nosso - a mulher segue, em regra, a nacionalidade do marido. Mas noutros, como na Inglaterra, a mulher que casa com um cidadão desse país só adquire a nacionalidade do marido se o pedir.
Noutros países o casamento é, quanto à nacionalidade da mulher, um facto puramente irrelevante. É, por exemplo, o caso da União Soviética, onde, segundo a lei de nacionalidade de 1935, o casamento de um cidadão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas com uma mulher que não seja cidadã da União não importa nenhuma modificação de nacionalidade.
Há nesta matéria sistemas curiosos: assim, por exemplo, na China, quando uma estrangeira casa com um chinês, adquire a nacionalidade deste, salvo se não perder a sua nacionalidade de origem. Mas uma chinesa que. casa com um estrangeiro só perde a sua nacionalidade originária se pedir e obtiver a respectiva autorização do Ministério do Interior.
Na Argentina, e segundo uma lei de 18G9, um estrangeiro que casa com uma argentina é considerado cidadão daquele país por naturalização e em diversos países a mulher que casa com um estrangeiro não perde a sua nacionalidade de origem.
O autor da proposta de lei sobre a nacionalidade, colocado perante soluções tão diversas da doutrina e do direito positivo, manteve-se fiel ao pensamento e às disposições fundamentais do Código Civil. Mas introduziu-lhe uma inovação importante: permitiu à mulher estrangeira que casa com português conservar a sua nacionalidade, provando que não a perde à face da legislação do seu país. E, na lógica da solução adoptada, deu à mulher portuguesa que casa com um estrangeiro a faculdade de conservar a sua própria nacionalidade.
A legislação francesa adopta uma solução só em parte semelhante à da proposta. Assim, pelos artigos 38.º e 94.º do Código de Nacionalidade daquele país, a mulher estrangeira, no caso em que a sua lei nacional lhe permite conservar a sua nacionalidade, tem a faculdade de declarar anteriormente à celebração do casamento que declina a qualidade de francesa.
Mas quanto à mulher francesa que casa com estrangeiro conserva a nacionalidade francesa, a hão ser que declare antes do casamento que a repudia.
O Sr. Ministro da Justiça, com a clareza de estilo que lhe é peculiar, justifica a razão das inovações que introduz nesta matéria, baseadas no legitimo e compreensível desejo que a mulher pode ter de continuar adstrita ao vinculo que a prendia à Mãe-Pátria.
O próprio Ministro reconhece que as soluções adoptadas padecem, sem dúvida, do ponderoso inconveniente de criarem nalguns casos uma dualidade de leis pessoais dentro da sociedade conjugal. Mas tem, em compensação, a vantagem de respeitar a vontade individual, num domínio que transcende os interesses da própria família.
De resto, o Código Civil admitia já excepções à regra de unidade de nacionalidade da família. Assim, a mulher portuguesa que casa com um estrangeiro conserva a