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18 DE MARÇO DE 1959 329

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: recordo certa região arborizada por onde transitei muitas vestes e que o tempo devastou no decorrer dos anos.
Lembro-me de as cheias - que dantes engrossavam os ribeiros e não transbordavam dos leitos- inundarem as margens e de as torrentes caudalosas passarem a correr desordenadamente, levando consigo a flor da terra.
Sempre que as águas subiam de nível a terra ficava mais pobre, e tão viva foi a com parti cão que estabeleci, com a ajuda da memória, entre o maciço exuberante já extinto e o ermo escalvado ali à vista que nunca mais pude esquecer o terrível confronto.
O mais estranho é que ninguém reparara no prejuízo verificado no espaço de cada hora, ninguém vira o grama de pó em que se desfazia a terra em cada segundo .
Alivio agora, em pensamento, as tintas do quadro no que respeita à indiferença prolongada dos homens perante o fenómeno, reduzo a extensão dos estragos, olho paru o terreno político por onde mais tenho andado, e julgo ver ainda assim, Sr. Presidente, alguma semelhança nos sinais de empobrecimento, que me confrangem e inquietam.
A discordância sistemática, a incompreensão malévola, o inconformismo dos que nada consentem, para que tudo lhes seja consentido, o ódio dos que tentam cilindrar-nos a todo o custo não deixam de atacar a excelência das nossas ideias, n seriedade dos nossos propósitos e o valor da nossa obra.
Certos, bufarinheiros da opinião pública, jogadores de interesses, com a bugiganga das suas palavras, mesmo chocarreiras, destituídas de nexo e sempre falhas de valor, de razão e de dignidade, conseguiram trânsito para os seus embustes e detracções, quando não lograram colocar a vil mercadoria na boa fé dos mais desprevenidos, na pressa dos mais sugestionáveis ou na aberta credulidade dos ignorantes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Vesgos oficiais da inveja, incluindo, porventura, aspirantes a intelectuais, e certamente aspirantes toda a vida, recalcados uns e outros no que julgam ser a mísera área concedida ao seu valor, bolçaram do nada ou do pouco que realmente valem injúrias e agravos, e até a peçonhenta baba do papel anónimo, e até o boato vadio e torpe, anãs corrosivo e demolidor.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - A própria obra de ficção, que deveria projectar invariávelmente os desígnios superiores implícitos na alma dos verdadeiros artistas e demonstrar o mais nobre e justo sentido crítico, serviu, em certos casos, para denegrir pessoas, serviços e organismos e para perturbar o juízo do público com descrições menos respeitosas e menos exactas do correcto exercício da autoridade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mus este é o tropel dos que se empenham por toda a parte em campanhas de destruição e que pretendem demolir-nos a todos, tentando as mais das vezes demolir-nos um por um.
Com esses contamos ou devemos contar, supondo-os sempre presentes no ódio que não cansa e que também nunca chegará a causar a nossa comprovada disposição de lhes dar combate, pois a batalha com eles travada é de vida ou de morte.
Não é dos inimigos declarados que desejo hoje ocupar-me especialmente.
Aquele que no desempenho do cargo para que foi nomeado perde o bom senso e prefere colocar-se em primeiro plano, não agindo como e quando devia e esforçando-se, por todos os modos, na colheita de louros para adorno próprio, sem pensar que os louros assim obtidos valem, afinal, como as espumas perpetuamente desfeitas, ainda que perpetuamente renovadas, e que as omissões podem ser mais prejudiciais do que as acções, por constituírem a pólvora surda, que faz estrago e não faz estrondo, o pecado que se fez não fazendo o que era obrigação fazer-se, no dizer famoso do egrégio oratoriano Manuel Bernardes;
O simples dirigente político local que se esquece da essência e do comando dos princípios para se entregar n desencontros atentatórios da "actividade confiada à sua suposta firmeza;
O homem reputadamente bom que se deixa intimidar por factores de inibição inventados para o amarrar e tolher pelos traficantes sem escrúpulos e encartados apedreja dores da honra alheia;
O companheiro de ideal considerado apto a afirmar o seu credo sem reservas nem conveniências, que se sente confortado por o inimigo, felizmente, ter atacado um dos seus camaradas e não o ter atacado a ele;
O que confidencia não concordar com as investidas do inimigo comum e não tem coragem de dar a pública prova da sua discordância;
O que põe n problema da falta de prestígio para aquele dos seus que se bateu e só por se ter batido, em vez de figurar, de um lado, o prestígio em causa de todos os honestos servidores de um honesto sistema e, do outro lado, os provocadores de sobejo conhecidos pelos seus condenáveis processos, mas nunca suficientemente castigados pelos seus perigosos atrevimentos;

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - O destinatário do bem, que não avalia o bem recebido ou, se o avalia, não o agradece e muito menos o louva, ou o esquece pura e simplesmente;
Toda esta maléfica sorte de erros, quedas, injustiças, cobardias e fracassos, aqui e além verificada ou aqui e além possível, é que me levou hoje a pedir a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para o breve apontamento que estou fazendo.
Os factores que desagregam e matam a terra também não se revelam no minuto em que principiam a sua lenta e devastadora acção e só se mostram u indiferença ou u despreocupada boa fé dos homens quando os estragos por eles produzidos ganham volume impossível de ocultar por mais tempo: o mesmo processo diabolicamente imperceptível no tenaz dia a dia do seu método de desgaste.
Antes o inimigo em pé de guerra, pois é sempre preferível dar combate a quem nos defronta do que estar em guarda contra quem nos aperta a mão.
Maior e miais sobressaltada terá de ser a nossa vigília de cuidados; maior e mais demorado terá de ser o nosso alerta de consciência.
Todos nós falamos muito de unidade, sem a qual não podemos caminhar nem. resistir.
Mas que espécie de unidade?
Unidade aparente ou unidade real?
Unidade forjada pelo medo de morrer ou unidade de inteligência?
Unidade com prejuízos a mistura ou unidade limpa, expurgada - sem os dúbios, sem os calculistas, sem os versáteis?
Não há unidade possível sem sinceridade constante.