9 DE ABRIL DE 1959 431
os beneficiários não têm qualquer responsabilidade nos bons ou maus resultados que se alcançarem.
Estabelece a legislação em vigor que o início de cobrança da taxa de reembolso só terá lugar quando toda a obra reunir os requisitos legais para incidência da taxa, e pela Lei n.º 2028, de 4 de Março de 1948:
A declaração da passagem das terras ao regadio, assim como o início da cobrança da taxa de rega e de beneficiação e as novas contribuições pelas obras, não poderá verificar-se em nenhum caso antes de decorrido o período mínimo de cinco anos sobre a conclusão das obras.
Compreende-se a disposição legal, mas ela poderá ser uma fonte de perturbações.
Em muitos prédios, ou em parte deles, os benefícios alcançados pela rega poderão ser quase imediatos e até espectaculares, enquanto em muitos outros se tornará indispensável realizar demorados e custosos trabalhos para a sua adaptação ao regadio. Aos primeiros concede-se um privilégio gratuito e o Estado verá adiar-se quase indefinidamente o momento em que se inicie a cobrança da taxa de reembolso.
Muitas terras incultas, salgadas ou em regime de exploração extensiva, antes da realização das obras, poderão melhorar sensivelmente os rendimentos dentro dos cinco primeiros anos, mas muitas outras haverá que necessitem de períodos mais longos.
Encontram-se presentemente concluídas obras de fomento hidroagrícola que possibilitam o regadio, em regime mais ou menos perfeito, de cerca de 15 000 ha.
De acordo com as disposições legais, mais de 7000 ha encontram-se nas condições requeridas para que sobre ele se inicie a cobrança da taxa de reembolso.
Todavia, só em relação a 729 ha, das obras do paul de Magos e dos campos de Alvega, a cobrança tem sido efectivada. Se atendermos a que, quanto a 450 ha, do paul de Magos, as taxas de reembolso foram voluntariamente remidas pelos beneficiários, conclui-se que apenas sobre 279 ha tem sido possível efectivar a cobrança da taxa.
Estes números dispensam quaisquer comentários e demonstram que o actual regime jurídico das obras de rega não se ajusta às realidades.
O adiamento sucessivo do início da cobrança das anuidades de reembolso, pelo Estado, cria naturalmente o hábito da gratuitidade do serviço e dificultará o natural desenvolvimento da política da rega.
O prazo mínimo de cinco anos para o início da cobrança da taxa de rega e beneficiação pode também criar situações injustas.
Os proprietários mais competentes e mais aptos não se pouparão a esforços nem a despesas para procurarem, no mais curto prazo, o melhor aproveitamento da água nas suas propriedades. Terminando o prazo mínimo fixado na lei, não poderão recusar-se ao pagamento da taxa de rega e beneficiação, sempre que o seu valor não ultrapasse a mais-valia.
Haverá outros proprietários que deixarão correr a água pelos canais de rega, pouco ou nada fazendo para melhorarem as condições da exploração durante o prazo em que não são obrigados ao pagamento da taxa.
Quando esta vier a ser fixada, requererão a determinação da mais-valia, que poderá ser nula ou quase, do que resultará a aplicação de uma taxa naturalmente baixa, e assim se manterá no futuro, sem alteração.
A lei trabalha, assim, contra os melhores e compromete o objectivo essencial da política da rega, que assenta na valorização do rendimento das propriedades dominadas pela obra da rega.
A Lei n.º 1049 estabelece que os encargos com a exploração e a conservação das obras serão distribuídos uniformemente pela área total beneficiada, sem se atender, nem à grandeza do benefício, nem à qualidade das terras, nem à diversidade das culturas ou condições de exploração.
Afasta-se assim o estímulo para a mais conveniente utilização da água.
Parece evidente que não deveriam ser oneradas com as despesas com o enxugo as terras baixas, que sem essas obras continuariam alagadas e com fraco ou nulo rendimento, e as terras de meia encosta, que sofrem apenas inundações acidentais e temporárias e nem sempre lesivas de um bom rendimento.
Pode haver, e geralmente há, nas zonas dominadas pelas obras da hidráulica agrícola, grande número de propriedades que já eram regadas antes das obras; e outras que, embora exploradas em regime de sequeiro, produziam rendimentos, por unidade de superfície, que nem sempre a rega consegue ultrapassar.
São, por exemplo, algumas terras excepcionais aptas para a cultura da vinha e algumas terras argilosas, como os barros das vizinhanças de Beja ou do concelho de Serpa, que, exploradas em regime de sequeiro, produzem altos rendimentos e que são especialmente aptas para a cultura de trigo e de leguminosas para grão.
O princípio legal do reembolso integral do custo das obras de hidráulica agrícola realizadas pelo Estado, nas condições invariáveis de prazo, de anuidades e de taxas de juro, pode nem sempre ser compatível com a valorização alcançada nas explorações agrícolas e cria, por outro lado, o convencimento de que, uma vez integralmente amortizadas, as terras deveriam reverter à posse definitiva dos beneficiários, com suspensão do pagamento de quaisquer taxas.
Sabe-se que nunca se conseguirá atingir a perfeição, mas sente-se a necessidade de uma cuidadosa revisão do regime legal em vigor, ajustando-o às realidades.
As obras de fomento hidroagrícola não têm como único objectivo o lucro imediato e directo dos proprietários por elas beneficiados.
Procura-se essencialmente uma modificação na estrutura agrícola tradicional, para se conseguir uma maior ocupação de mão-de-obra, maior regularidade nos trabalhos agrícolas e melhoria nos salários.
As obras hidroagrícolas possibilitam ainda, em muitos casos, o abastecimento de água para consumo em numerosos agrupamentos populacionais; fomentam a melhoria das comunicações; ajudam o desenvolvimento da electrificação rural e da respectiva distribuição; visam a um aumento de produtividade agrícola, permitindo reduzir algumas importações; regularizam os rios e ribeiras, dando possibilidade à sua navegação e reduzindo os gastos com as dragagens dos leitos dos rios e das respectivas barras; ajudam a resolver graves crises de desemprego rural, etc.
O Tesouro não se limitará a cobrar a taxa de reembolso e os encargos com a exploração e conservação das obras, pois verá sensivelmente acrescidas as suas receitas, resultantes do aumento das contribuições e de encargos fiscais de variada natureza.
As dificuldades que se têm deparado entre nós não diferem grandemente das verificadas em outros países que se lançaram na política de fomento da rega.
Não é fácil modificar rapidamente velhos hábitos, por vezes seculares, e é humano não confiar em resultados que só se verificam - e quando se verificam - em épocas diferentes do momento em que vivemos.
Por isso na maioria dos países se entendeu que o Tesouro deverá comparticipar, e substancialmente, nos custos de grandes obras de fomento hidroagrícola.