478 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94
Até no Brasil isto se torna necessário, para se manter a admirável união que existe entre todos os estados que compõem essa poderosa nação luso-americana.
Sr. Presidente: actualmente, o ensino da língua portuguesa está confiado, em grande parte, às missões religiosas portuguesas, a cuja benemérita e patriótica acção presto respeitosamente as minhas homenagens, manifestando nesta Assembleia a minha muita admiração pelos relevantes serviços que tom prestado à Pátria.
verdade, porém, é que nas missões estrangeiras raramente aparece quem seja capaz de ensinar e fazer compreender a língua portuguesa com a devida eficiência e correcta pronúncia, pelo que me parece que tem oportunidade e é digno de ser tomado em consideração pelo Governo - e, em especial, por S. Exa. o Ministro do Ultramar e até pelos governadores das províncias ultramarinas - o apelo que lhes dirijo, no sentido de ser consideràvelmente aumentado o número de escolas primárias existentes em todo o ultramar.
Sei até que residem em algumas localidades de Angola e Moçambique professores e professoras de instrução primária que não exercem a sua benemérita acção educativa por falta de escolas e de lugares onde possam exercer oficialmente a sua profissão. Se fossem criadas novas escolas oficiais, que tanta falta estilo fazendo, esses educadores poderiam começar a prestar os seus serviços, com bem evidente vantagem, pelo conhecimento que já têm do meio em que têm vivido.
Sr. Presidente: pode causar uma certa admiração que eu, nunca tendo estado no ultramar, me atreva a pronunciar-me a respeito de um assunto de tanta importância, mas a verdade é que este problema já me preocupa desde 1918, quando um camarada africano me chamou para ele a atenção.
Esse camarada era o quartanista de Direito e alferes miliciano de infantaria 22 António Carreira, filho de pai português e de mãe de raça vátua.
O Carreira era um bom oficial. Sempre o primeiro nos trabalhos e perigos e o último a ir descansar, amigo dos soldados, sacrificando-se por eles, chegando a levar às costas as mochilas de dois soldados doentes para que pudessem marchar, era muito estimado pelos seus subordinados e pelos oficiais que melhor o conheciam.
Além disso, era forte e corajoso, sereno e calmo durante os combates, utilizando sobriamente as suas qualidades naturais para fazer patrulhas de reconhecimento, e um destemido e sincero patriota, orgulhoso do seu sangue português, que, misturado com o de sua mãe, lhe transmitira as melhores qualidades que possuem as duas raças de que descendia.
Defendendo sectores vizinhos nas trincheiras de primeira linha da frente de combate confiada aos Portugueses durante a guerra de 1914-1918, conversávamos muito a respeito de assuntos ultramarinos, procurando adivinhar qual seria a situação do nosso país quando terminasse a imensa tragédia que estávamos vivendo e o que se passaria no mundo nos anos seguintes.
Na opinião do Carreira os possessões portuguesas ficariam para sempre ligadas à Mãe-Pátria, porque, tendo os Portugueses um espírito superior ao dos outros povos de raça branca, que lhes permitia acamaradar com povos de outras raças, sem discriminações que os humilhassem e sem os dominarem pelo terror, estes os respeitariam e estimariam sempre, vindo a constituir uma nação única na história do mundo, com uma formidável força económica e bases estratégicas que lhe permitiriam valorizar-se como potência militar de primeira ordem.
Para isso, dizia-me o Carreira, há mais de quarenta anos, «é preciso ensinar o português puro, o mais depressa possível, em todas as províncias ultramarinas», e hoje sou da mesma opinião.
Honra-nos com a sua presença nesta Assembleia o Sr. Comodoro Sarmento Rodrigues, que à frente do Ministério do Ultramar prestou à Nação incontestáveis e relevantes serviços, que o impuseram à admiração de todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - S. Exa., que prestou assinalados serviços nas nossas províncias ultramarinas, que visitou como Ministro e cujas necessidades bem conhece, poderá dizer, melhor do que ninguém, se o africano Carreira tinha ou não razão no que me dizia há já tantos anos.
Creio que sim e que também não éramos excessivamente optimistas quando, ouvindo troar o canhão, rebentar as granarias e silvar as balas de espingarda e metralhadora, sonhávamos com um grande mundo lusitano em que Angola e Moçambique fossem novos Brasis, sempre ligados à pequena casa lusitana e ao grande Brasil e constituindo uma imensa nação, com ramificações em iodas as partes do mundo, e em que a velha Lusitânia fosse a transmissora de novas e sempre vivas energias e do seu alto espírito europeu e cristão aos seus irmãos das terras de além-mar, povoando-as com o excesso da sua população e sendo a terra linda e saudável onde os portugueses de todo o seu mundo viessem restaurar a sua saúde, ganhar novas forças e avigorar o seu legítimo orgulho e a nobreza do seu espírito, contemplando e aprendendo a amar os monumentos que consagraram o esforço desta raça sonhadora, valente, compreendedora e inteligente, que, desde os tempos da velha Lusitânia, tem marcado sempre com altivez o seu lugar distinto entre os outros povos da terra.
Nesse tempo era um sonho, nada mais do que um sonho, mas que, a pouco e pouco, se vai transformando numa encantadora realidade. Para que p seja completamente parece-me que é necessário, indiscutivelmente, que se intensifique o ensino da língua portuguesa em iodas as nossas províncias ultramarinas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: por ocasião da sua recente visita à cidade do Porto e no decurso de uma reunião de professores do ensino primário, o Sr. Ministro da Educação Nacional proferiu um discurso, no qual se contêm afirmações extremamente importantes, tanto pelo que denotam de clara visão do conjunto do problema educacional português, como pelo que julgo revelarem sobre a posição do Governo em face daquele mesmo problema.
Reconheceu-se claramente a necessidade do aumento do tempo da escolaridade obrigatória e afirmou-se que manter o limite actual de quatro classes pode constituir um erro grave, em face do anseio de educação permanente. Definiu-se como objectivo a atingir, no sentido de acertar o passo com os outros, povos europeus, o ensino obrigatório de seis classes.
Reconheceu-se que o nível cultural e sanitário condicionam a produtividade e que, sob o ponto de vista económico, as primeiras preocupações de um Estado são a saúde pública e a instrução de todos a um nível tão elevado quanto possível. E, por último, creio que houve a intenção de aludir a uma questão de importância vital para a sobrevivência do mundo e da alma portugueses, quando se ligou o plano de acção que acabava de se esboçar com a certeza, que todos precisamos de ter, de que nos quatro cantos do mundo português feito pelos nossos avós os nossos netos falarão sempre a lín-