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9 DE MAIO DE 1959 715

Não há dúvida de que, se vier a julgar-se inconveniente a localização de algumas indústrias já instaladas na região de Lisboa, o custo da sua transferência poderá ser tão elevado que obste a essa transferência, e os inconvenientes não poderão ser removidos, ou só o poderão ser com graves e avultados prejuízos de ordem económica. É, por isso, urgentíssima a elaboração do plano director da região de Lisboa, com o que se está plenamente de acordo, repete-se.
Mas, Sr. Presidente, não posso neste momento esquecer a conveniência, que é até necessidade, de enfrentar-se igualmente a resolução dos problemas de desenvolvimento económico e de arranjo urbanístico de toda a região do Porto, pois na capital do Norte e nos seus concelhos suburbanos verifica-se também forte concentração demográfica.
Esta concentração demográfica estende-se, de resto, largamente, para sul da capital do Norte, até à cidade de Aveiro, por toda essa vasta região, parte da qual recebe a influência económica da grande laguna que é a na de Aveiro, com 50 km de extensão e com uma largura muito variável, mas que em alguns pontos atinge 9 km.
Há em toda esta vastíssima região, que vai do Porto a Aveiro, uma densidade demográfica extraordinária, das maiores do Pais, e nela estão espalhadas numerosas indústrias, que dão trabalho a uma parte importantíssima da população portuguesa.
Por outro lado, o desenvolvimento económico da cidade de Aveiro, com o seu importante porto comercial e de pesca, exige a articulação de um plano regional, com a sua rede de fáceis comunicações terrestres, que dê saída às mercadorias e produtos que se concentrem no porto e se destinem ao interior do País, à Beira, sobretudo.
Acresce que a enorme laguna, que é a ria, é motivo turístico, único no género no Pais. Daqui, a adjudicação recente das obras da sua pousada.
Não resisto à tentação de trasladar para aqui a impressão que dela colheu um dos grandes escritores portugueses, Raul Brandão:

A ria é um enorme pólipo com os braços estendidos pelo interior desde Ovar até Mira. Todas as águas do Vouga, do Águeda e dos veios que nestes sítios correm para o mar encharcam nas terras baixas, retidas pela duna de quarenta e tantos quilómetros de comprido, formando uma série de poças, de canais, de lagos e uma vasta bacia salgada. De um lado o mar bate e levanta constantemente a duna, impedindo a água de escoar; do outro é o homem que junta a terra movediça e a regulariza. Vem depois a raiz e ajuda-o a fixar o movimento incessante das areias, transformando o charco numa magnífica estrada, que lhe dá o estrume e o pão, o peixe e a água de rega. Abre canais e valas. Semeia o milho na ria. Povoa a terra alagadiça e, à custa de esforços persistentes, obriga a areia inútil a renovar constantemente a vida. Edifica sobre a água, conquistando-a, como na Gafanha, onde alastra pela ria. Aduba-a com o fundo que lhe dá o junco, a alga e o escasso, - detritos de pequenos peixes. Exploram a ria os mercantéis, que fazem o tráfego da sardinha, os barqueiros, que fazem os fretes marítimos, os rendeiros das praias, que aproveitam os juncais, os marnotos, que se empregam no fabrico do sal, os moliceiros, que apanham as algas, e finalmente os pescadores da Murtosa, que são os únicos a quem se pode aplicar este nome, que entre outras redes usam a soalheira, a rede de salto, a murgueira e a branqueira. O homem neste sítios é quase anfíbio: a água é-lhe essencial à vida e a população filha da ria e condenada a desaparecer com ela. Se a ria adoece, a população adoece. E, além de fecundar e engordar, a ria dá-lhes a humidade durante todo o ano, e com a brisa do mar refresca durante o Estio as plantas e os seres. Uma atmosfera de humidade constante envolve a paisagem como um hálito.

Um plano director de desenvolvimento económico e urbanístico que englobasse toda esta vastíssima região impõe-se, com uma força irreprimível e com excepcional urgência, à administração pública. Por isso se lembra aqui a necessidade da sua preparação e elaboração.
Não são só factores de ordem económica e urbanística, mas também de ordem turística, quê impõem a elaboração deste plano, para a qual se chama a atenção do Governo. Há, todavia, nesta região uma obra a fazer imediatamente : a construção da chamada ponte da Varela, de excepcional relevo para toda a região da ria e de extraordinário interesse turístico.
Sr. Presidente: os problemas suscitados nos chamados planos regionais não podem, em boa verdade, ser equacionados e resolvidos isoladamente, sob pena de se comprometer a resolução dos problemas que interessam à restante parte do território metropolitano, como, aliás, já aqui foi referido por vários Srs. Deputados que intervieram na discussão desta proposta de lei.
Com efeito, o planeamento urbanístico conduz necessariamente à resolução do problema da localização das indústrias e da delimitação das respectivas zonas.
Sabemos que o País caminha no sentido da sua industrialização e que o Governo se vem esforçando nesse encaminhamento, criando desta forma meios de trabalho à população portuguesa e evitando assim, na medida do possível, que uma parte dela procure nos países estrangeiros formas de exercício da sua actividade.
A população industrial, em relação à população activa do País, tem subido muito nestas três últimas décadas.
A percentagem daquela sobre esta era, em 1930, de 17 por cento e, em 1950, de 20 por cento, devendo actualmente, dado o crescente esforço do Estado neste sentido, ser superior a 30 por cento, o que representa cerca do dobro da existente em 1930.
Ora, em face disto, um grave problema se põe necessariamente à consideração e resolução do Governo: o da localização das indústrias a criar e o da sua repartição pelo território nacional, repartição esta largamente favorecida pela actual facilidade de transportes e pela abundância de energia eléctrica prestes a atingir todas as regiões do País. Estão aqui, aliás, na descentralização industrial, fortes razões de justiça social e também, certamente, em alguns casos, razões de ordem económica.
Destas circunstâncias resulta a conveniência de equacionar à escala nacional o planeamento urbanístico, definindo-se, pelo menos, as linhas fundamentais de orientação para um plano de conjunto do território metropolitano.
Como bem se afirma no douto parecer da Câmara Corporativa, «o problema ... tem necessariamente de enquadrar-se numa visão nacional, consoante o espírito hoje dominante em matéria urbanística ... Planos locais e planos regionais são partes de um todo, que será o plano urbanístico do conjunto do território, digamos o plano de arranjo do espaço nacional ... E embora esse plano de conjunto não exista ainda, porque o seu levantamento é trabalho ingente e moroso, muito embora ponderosas razões de urgência aconselhem a inverter uma ordem natural, dando prioridade aos planos de escalão regional, o certo é que deverão, pelo menos, definir-se algumas linhas de orientação essenciais à escala nacional, quais premissas mestras em que terá de assentar uma política urbanística, para que seja conscienciosa».