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18 DE JUNHO DE 1959 995

Assim propus e continuo convencido de que esta eleição, genuinamente aristocrática no melhor sentido, é solução a preferir para a escolha do Chefe do Estado. Há quem pretenda, ou por vício de formação política, ou ainda pela força de preconceitos democráticos, que a razão e o bom senso condenam implacàvelmente, há quem pretenda - dizia eu - que o sufrágio político será tanto mais genuíno e válido quanto mais se aproximar da base; e o mais puro e o que mais consagra e legitima o eleito será o sufrágio universal e popular.
Pois eu penso, e tenho razões para isso, que o sufrágio só é legítimo e dignifica o escolhido quando está à altura dos problemas que a eleição envolve e de medir bem as responsabilidades que cada um se assume no acto da opção. A democracia, o sufrágio popular, parece-me bem ao nível da paróquia e, quando muito, do município. E daí para cima entra francamente no plano da deficiência e da irresponsabilidade e, ao nível dos problemas do Estado, torna-se escandalosamente incapaz e inadequada.
Para a designação dos membros da Assembleia Nacional propus o sufrágio por círculos distritais e colégios eleitorais, constituídos pelos municípios e alguns representantes dos organismos corporativos locais, a indicar por lei, conforme as realidades de cada um.
A minha intenção é dar à escolha o carácter fundamentalmente municipal. Aliás, a intervenção dos elementos corporativos não desfiguraria o meu propósito, porque, enraizadas no seu meio, não deixariam de se integrar no espírito regional de colégio formado pelos municípios.
Talvez mesmo a redacção mais conveniente da proposta seria atribuir a função eleitoral à reunião dos conselhos municipais de cada distrito, onde já se integram todos os elementos considerados.
Sendo assim, a minha proposta não sugere de modo nenhum um sufrágio corporativo, pelo menos no sentido restrito e corrente de corporativismo, como erradamente se diz no parecer da Câmara Corporativa. E caem pela base as objecções ali formuladas com esse fundamento. Objecções, aliás, em inteira contradição com outros passos do parecer da mesma Câmara sobre a proposta governamental. Mas isso não interessa.
Parece-me que esta minha sugestão se justifica plenamente pelo nível de consciência que já implica a escolha dos Deputados. Mais uma vez aqui o sufrágio universal se pode considerar muito abaixo das responsabilidades da eleição.
Os conselhos municipais constituem já o resultado de uma primeira selecção eleitoral a partir das eleições primárias, tanto das autarquias locais (paróquias) como das actividades corporativas. E até deste modo já podem satisfazer os pruridos democráticos de muitos a quem isto interessa.
O que já representam, evidentemente, é uma camada eleitoral muito mais à altura de escolher os representantes distritais.
Pode objectar-se que não é de representantes distritais que se trata, porque os Deputados são constitucionalmente representantes da Nação. Mas a objecção seria igualmente cabida para o actual modo de eleição individualista territorial, também realizado por distritos.
Sem dúvida que nada tiraria aos escolhidos a tendência a olhar com algum carinho para os problemas da sua região; mas isso, que é naturalíssimo e humano, já se verifica, agora nesta Assembleia. E não me parece grande mal.
Os municípios são uma realidade na vida portuguesa, instituições cheias de vitalidade, com dignidade secular e que merecem também estar representadas junto do Poder.
Não me parece que a exígua representação que têm na Câmara Corporativa esteja em relação com a sua importância e a sua imponente realidade.
O que é preciso, para que não seja um mal, é que os homens escolhidos, para além desse aspecto, estejam à altura de considerar os problemas que aqui se debatem no plano nacional.
E isso é que a minha proposta parece garantir muito melhor que o actual modo de sufrágio. Porque, ao elegerem os representantes distritais, os municípios deverão naturalmente inclinar-se para as figuras de maior relevo e superioridade no meio, pessoas evidentemente destacadas pela sua proeminência social, pela sua cultura, pelas posições que ali ocupam.
E estas serão sem nenhuma dúvida, ao menos em grande parte, perfeitamente qualificadas e ao nível dos problemas que competem a esta Câmara.
Mas, a par disto, a minha proposta viria pôr de acordo esta eleição com as imposições mais claras da nossa doutrina político-social. Repudiamos abertamente a visão individualista da sociedade entendida como poeira amorfa de indivíduos autónomos.
E consideramo-la como trama complexa de relações humanas, um todo orgânico diferenciado e hierarquizado, constituído por sociedades menores, grupos em simbiose de relação e de dependência, onde os homens se associam por parentesco, por amor, por necessidade, por preferências do espírito. E que são, no plano geográfico, as paróquias, os municípios e as províncias - expressão das relações de vizinhança. São, no plano das actividades sociais, a vasta e multiforme rede de associações de fins económicos, culturais e morais. E através desses grupos menores que o homem se enquadra no Estado, e não directa e imediatamente.
E, portanto, a representação social deve ter por base esses grupos intermediários, e não os indivíduos. No caso ficaremos a ter, em vez de um sistema territorial individualista, um sistema territorial orgânico.
O sufrágio individualista é um erro e a negação dos princípios que perfilhamos. São horas de varrer impiedosamente todo esse lixo do passado.
Além de todos os outros defeitos - o seu desacordo com as realidades sociais, a sua incompetência insanável, a sua versatilidade, a sua irresponsabilidade, o seu fácil aproveitamento por todos os poderes, bons ou maus, claros ou ocultos, nacionais ou antinacionais, desde que tenham possibilidades para isso, o sufrágio individualista tem o perigo grave de se volver a instrumentos gigantescos de perturbação e de subversão social.
Na sua lógica, aliás, estaria a liberdade de criação de partidos. Mas, sobretudo, o que há a considerar é o problema gravíssimo das campanhas eleitorais, que, neste sistema, não podem deixar de ser permitidas.
Ora essas campanhas, com o pretenso objectivo de esclarecer a opinião pública, só servem para turvar o sossego dos espíritos e das almas, desencadear ódios e paixões, semear discórdias e divisões e não raro levar a sociedade à guerra civil e à desordem, deixando atrás de si um rasto de agitação que leva muito tempo a serenar.
Recorde-se a história de todas as campanhas eleitorais que se tem feito na vida do regime, com uma oposição sem limitações de nenhuma espécie nos meios de que se serve para a propaganda e para a disputa.
A sua violência vem crescendo sempre, e todos assistimos, há meses, a uma obra de agitação do mais nítido carácter insurreccional e subversivo.
Pergunto solenemente à consciência dos que me ouvem se havemos de consentir que a sorte do País, o destino da obra reconstrutiva que estamos a erguer e,