O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

18 DE JUNHO DE 1959 999

A Assembleia dispõe de uma função de primazia e a Constituição dá-a como qualificadamente competente. E porque não?
Podia a Câmara, que levanta por sessão uma dúzia de questões, pelo menos suscitar aquele problema, chamar a atenção para ele e interessar o Pais no seu estudo.
Mas fê-lo sem essa preocupação de método.
Verberou o arruído, registou a contrafacção opositora.
Vibrou com os lances e explorações políticas, com a contrafacção histórica, mas não passou à análise da metodologia jurídica de pôr termo a um tal estado de coisas.
Fez bem?
Fez mal?
Estava no seu pleníssimo direito.
Se a Câmara, pelas suas comissões e pelos seus jurisconsultos - e hei-de referir-me a estes aspectos noutra altura -, se tem preocupado mais com a jurisdicidade do que com a política, não tenho dúvida de que teria chegado à iniciativa de duas ou três bases, tomaria a dianteira ao Governo e surgiriam aqui duas ou três bases na assunção dos poderes constitucionais, que assim o teriam sido da maneira mais efectiva e que qualificariam e levantariam a iniciativa da Câmara.
Havia também um processamento no tempo.
A Câmara podia levar meses antes de funcionar como constituinte e encontrar depois a conveniente oportunidade para pôr em marcha o mecanismo constitucional. Essa iniciativa seria de vários Srs. Deputados, depois de largo amadurecimento do assunto.
Portanto, Governo e Câmara podiam levantar a iniciativa de remodelar o processo de eleição, mas aquele, mais pronto, obedecendo a programações e a prometimentos, julgou indispensável fazê-lo mais cedo.
É da ordem institucional a prontidão de um lado e a reflectida preparação do outro.
Mas trata-se apenas de iniciativa. E começa-se pelos alicerces.
Sr. Presidente: a Constituição de 1933 substituiu ao Presidente da República apagado e neutro de 1911 um magistrado supremo, órgão proeminente na realização do bem público, escolhido pela maioria dos Portugueses.
Cedia-se assim à teoria, dominante nos meios dirigentes europeus e desenvolvida por volta de 1875, do chamado governo representativo, pela qual os órgãos constitucionais ficavam periodicamente sujeitos à eleição popular. Até os Ministros...
Nunca fui propenso a acreditar nas virtudes do sufrágio como ele se desenvolvia à nossa vista, mas tinha de reconhecer algumas das suas certezas e tranquilidades.
Dizia Churchill que o sufrágio lhe assegurava uma retirada tranquila da cadeira e do Poder e uma velhice isenta de dúvidas de consciência e de responsabilidades.
Dizia isto, mas antes que o seu país, inesperadamente, tivesse votado, por grande maioria, contra o seu governo.
Também eu pensava que o sufrágio garantia uma certa soberania inimpugnável e que a minoria, se não acabava por fazer coro com a maioria, se achava na situação de ter os seus argumentos esgotados e se via reduzida ao silêncio próprio de um gentleman que sabe perder.
Tenho na memória, e bem vivas, as últimas imagens do constitucionalismo monárquico sobre a teoria e a prática do sufrágio.
As mesnadas eleitorais vinham formadas e de caçadeira ao ombro, avançando assim para a igreja matriz, tal como as pintou Júlio Dinis.
O secretário de Fazenda apontava os votantes da parte contrária, para os causticar na matriz.
As beatas fechavam o abade na sacristia durante as horas de voto e de espera, para que não fosse dar o seu aos correligionários da véspera.
Durante dois ou três dias homens armados de espingardas e cacetes guardavam as urnas, não fossem roubadas antes do apuramento e escarnecer da soberania popular. Muito teria que contar.
Proclamada a República, aqui, em Lisboa, os bacharéis em Direito eram eliminados dos cadernos eleitorais pelo eufemístico motivo de não saberem ler nem escrever.
Mas o sufrágio universal, individualista, aritmético, destinado a popularizar o elegível, a mostrá-lo, a assegurar-lhe contacto com o maior número, não era discutido como princípio, embora fosse muito discutido como técnica.
Ele era um tabo e um rito do nosso tempo, e países como o México, que passaram pelas maiores perturbações religiosas e políticas, encontraram num sistema de feudos eleitorais e de influências locais a paz social e a ordem que tornam o desenvolvimento possível.
Portanto, o intuito constitucional, apesar dos defeitos reconhecidos, era bem evidente: o Chefe do Estado sairia dignificado pela decisão do maior número, tornar-se-ia mais popular ainda, a sua elevação impor-se-ia à minoria vencida e ver-se-ia isento de agravos e de dúvidas na sua natural e paterna autoridade.
Como às vezes sucede, os princípios entre nós foram deformados por motivos de estratégia eleitoral e as minorias não quiseram dar-se por vencidas nem convencidas.
Foram os propugnadores puros do sistema e da democracia popular que transformaram os actos eleitorais em começo de motim, que o interpretaram de forma paradoxal e que, ou negavam os seus efeitos ou contestavam, por sistema, as consequências jurídicas.
Mais: em lugar de elevarem à candidatura da chefia do Estado os seus homens de Estado, procuravam acreditar os trânsfugas ou os anónimos, para que a confusão nas massas participantes passasse à confusão das interpretações.
Os odres de Eolo foram então soltos para libertar todas as fúrias represadas, converter o operação de paz pública em estado insurreccional e para que a vida normal do Estado fosse a crise mais aguda do Estado!

O Sr. Melo Machado: - Muito bem!

O Orador: - E assim os actos eleitorais perderam a sua finalidade jurídico-política, para que, em vez de tranquilidades e certezas, houvesse inquietação permanente e impugnação constante. A chefia do Estado não era o altíssimo cargo de benovelência paternal, de moderação, de arbitragem que não se faz sentir, mas um posto avançado para a guerra a seguir.
E o que se passava pela Europa?
Na França actual muitos seguiam a tese de os males sociais e políticos de que o país padecia derivarem do sufrágio universal, que a proporcionalidade agravou ainda.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na própria Inglaterra, o sufrágio universal, que permitira assegurar-lhe durante cem anos uma constelação de grandes primeiros-ministros e de estadistas mais que capacitados para a direcção política, não aguentara as provações contemporâneas e se tinha por duvidoso que a elite dirigente fosse achada por este meio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Chefe do Estado detém em primeiro lugar a soberania, representa a Nação no que ela tem de perdurável e melhor, exerce uma função prestigiosa