18 DE JUNHO DE 1959 1001
todos os conflitos de ideias e de interesses; reconhecer a soberania privada como ilimitada em casos públicos e que nunca poderá tomar tais foros no nosso tempo.
Em segando lagar: levá-la ao texto constitucional, perfilhando detalhes ou estabelecendo regulamentação específica, firmar em novas alturas os problemas das empresas publicitárias, excede o perímetro da construção política, excede as barreiras do factor opinião pública e talvez contrarie o intuito e à técnica com que o legislador constitucional encarou a matéria e perturbe a ordem estabelecida, que dos cidadãos passa à família, da família aos organismos corporativos, dos organismos corporativos às autarquias e das autarquias à mesma opinião pública, abrangendo o carácter público da imprensa.
Assim poderia ser se o Estado Novo perfilhasse a chamada teoria socialista da imprensa, de que adiante falaremos.
Em terceiro lugar: entregar a solução legal dos problemas que preocupam a imprensa dos nossos dias a uma lei especial ou mesmo a uma lei especialíssima apresentará sempre as dificuldades de navegar num canal estreito entre dois escolhos e um privilégio, absolutamente contrário às modernas tendências igualitárias, ou uma excepção, que, como todas as excepções, não poderá deixar de ser odiosa.
Países há onde os jornalistas não pagam impostos, usufruem toda a espécie de regalias e entradas livres, vivem em apartamentos de renda pouco menos que simbólica e fazem tremer os dirigentes da economia, do teatro, da política e da vida social, tão descomedida a sua força e tão incerta a sua justiça.
Mas este exemplo não se recomenda para quem blasona de ter eliminado as castas e extirpado os privilégios.
Vejamos agora a marcha das ideias e dos acontecimentos e a caminhada do tempo para aquelas ou para outras soluções, até chegarmos aos factores actuais.
Quando eu andava pelos Gerais, de capa e batina, ensinavam-se ainda as fórmulas individualistas e categóricas da Declaração dos Direitos de 1789.
A liberdade de imprensa -a liberdade de imprensa. era o direito de o cidadão político exprimir crenças, opiniões e conceitos por forma impressa e sem dependência de autorização ou censura prévia.
Toda a gente - na teoria legal, é claro - podia ter uma tipografia, imprimir e editar livros, folhetos, hebdomadários, anúncios, cartazes, reclamos, jornais e brochuras, com plena independência e sem temer nem os vizinhos nem as autoridades. Tal era a teoria.
Não tinha uma tal soberania individual que temer senão exceder-se, atentando contra a liberdade alheia ou ocasionando prejuízos e acobertando actividades criminosas. Os abusos, raros e característicos, eram entregues a um júri especial, com a repressão adequada.
Está entre nós o Dr. João do Amaral, que foi director de um jornal académico vivo e de rica substância social e política.
Ele pode atestar como essa liberdade era compreendida, exercida e legalmente protegida.
Só digo que a lei previa as publicações «despejadas» para atacar um jornal de oposição e que entrava nos eufemismos do tempo o termo «empastelar».
Os novos hão-de supor que se tratava de pâtísserie digna do Chiado. Não senhor; tratava-se da prática discricionária de alguns cidadãos avantajados entrarem nas oficinas e redacções e das sacadas atirarem para a rua todo o material tipográfico e de redacção.
Não direi mais senão que para ser director de um jornal o Dr. João do Amaral era um herói!
Por esse tempo, Duguit, já velhote, mas sempre admirado, ensinava realisticamente que a liberdade de imprensa era uma liberdade teoricamente incontestada, mas no seu país - a pátria-mãe da Declaração dos Direitos - uma liberdade particular e profundamente ultrajada.
Entretanto aproxima-se e depois sobrevêm a grande guerra 1914 é, uma data marcada com a tampa de uma lousa.
E que aconteceu?
A derrota de Sedan fora atribuída a uma indiscrição da imprensa diária.
A Inglaterra e a França, pátrias da liberdade, e até poderia dizer-se seus berços políticos, sentiram-se inferiorizadas, do ponto de vista da segurança e da defesa nacional, com o tom e as manifestações dá sua imprensa em face da atitude uniformemente assumida pela imprensa germânica.
Datam daí as censuras prévias e a conservação de manchas de informação destinadas a notícias e informes oficiosos ou semioficiosos.
Os jornais começam a ser apreendidos por ofensas ao Chefe do Estado, ao mesmo Estado e à segurança nacional.
A Alemanha e a Itália - a seguir - integram a imprensa no regime de Estado, com direcções-gerais, ajustamento de quadros e intervenção na sua administração.
Os governos explicam que pretendem libertar a imprensa da servidão a interesses de grupo e que não há outro processo de garantir-lhe a independência senão pela acção decisiva do Estado.
É nesta altura que a Rússia declara a imprensa uma propriedade burguesa e privada exercida contra o Estado, e que, por isso, tem o dever de expropriá-la e convertê-la em orgão do partido dominante.
Nalguns países ocidentais a libertação política traduz-se em regresso às concepções tradicionais, mas os órgãos comprometidos ou participantes no estado de coisas anterior são paralisados ou proibidos de uma vez para sempre.
A segunda guerra mundial é teatro de novas formas jurídicas atentatórias da liberdade de imprensa - censura, fiscalização da administração e das redacções, supressão dos espaços em branco, admissão de propaganda oficial.
A própria ocupação militar encontra advogados e servidores.
Surge uma verdadeira praga de publicações clandestinas.
Algumas livrarias também habilmente adquirem intuitos políticos, e seguem uma táctica hábil, mas política, nas edições e séries publicitárias.
Depois da paz novos problemas surgem e novos métodos complexos se firmam ao substituir-se a censura preventiva pelo regime de suspensão, de apreensão, de inserção obrigatória, de participação e administração das empresas e de sustentação e financiamento de agências-oficiosas, direito de fixar preços, etc.
Estou referindo-me ao conjunto dos factos europeus e à linha geral de evolução, devendo destacar que os socialistas, que consideravam perniciosas as leis emanadas por volta de 1907 contra o anarquismo libertário, preconizam agora, defendem e lutam pela seguinte concepção : logo que a empresa jornalística adquire interesse, extensão ou dimensões de serviço nacional, toma a forma de um monopólio indiscutível e deve ser implacàvelmente expropriada.
No Ocidente surge também uma série de projectos destinados a criar um regime novo especial, a facilitar a missão do Poder e a garantir a fé e a tranquilidade do público.
Feito este rápido bosquejo da evolução, falemos dos novos tempos.
A imprensa diária e as revistas ilustradas adquiriram novo e formidável potencial.