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2 DE JULHO DE 1959 1098

Agora o meu comentário. Parece-me que por este caminho seria marchar ao arrepio do Mundo e contra o sentido da história. Pior: seria contrariar a boa razão e a ordem inscrita na natureza das coisas. Porque se o Mundo segue muitas vezes rumos tortuosos e falsos, não é este o caso. E são exactamente aã realidades que, corrigindo o irrealismo dos sistemas a revolta dos. factos contra as abstracções -, estão a impor ao Mundo o caminho que ora vai trilhando. E também me parece que o objectivo e a tendência das alterações propostas estão em contradição flagrante com o sentido profundo da revolução que há trinta e três anos iniciámos e porfiadamente temos prosseguido.
É andar ao arrepio do Mundo e contra o sentido da história, disse eu.
Em nenhum país do mundo civilizado o poder está partilhado à base das chamadas funções- do Estado.

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. parece não ter lido a minha exposição.
Porque isso mesmo disse eu aqui e salientei a interpenetração funcional dos vários poderes do Estado.

O Orador: - Li, sim senhor. E é exacto que isso foi afirmado por V. Exa. Simplesmente, a afirmação não foi tida em conta ao formular e fundamentar o objectivo do projecto de lei de V. Exa., e que é atribuir a Assembleia Nacional a função legislativa apenas com algumas restrições impostas pelas realidades.
Aliás, como diz Burdeau, a classificação clássica, tripartida das funções do Estado, é uma classificação puramente verbal, que não resiste a uma crítica objectiva, a Os factos ensinam que só se governa dando ordens, editando regras obrigatórias para os governados. Ora estas ordens e estas regras são essencialmente expressas pela lei. Governar é primeiro ter uma visão exacta de uma situação social e política dada; é depois adoptar as medidas que ela comporta, utilizando as directivas incluídas na ideia de direito. Ora, como pode governar o órgão que tem de esperar de outra autoridade ao mesmo tempo a apreciação da situação de facto e as regras que ela impõe?».
Como poderiam os governos desempenhar a sua missão ase à apreciação soberana da oportunidade e das conveniências políticas não juntassem a faculdade de eles mesmos decidirem o conteúdo da ordem jurídica aplicável? Esta necessidade postula n realização

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Lima: - Não falei em divisão das funções do Estado. Afigura-se-me evidente, dada a íntima conexão entre as actividades estaduais, não ser possível dividi-las em compartimentos estanques, por modo que cada uma das classicamente chamadas funções do Estado caiba a um só órgão. A rigidez de tal doutrina, além das deficiências teóricas de que enferma, nunca permitiu que tivesse viabilidade prática.
V. Exa. não atendeu devidamente ao que eu disse ...

O Orador: - Atendi. V. Exa. põe o problema muito certo. V. Exa. está dentro dele. Simplesmente, depois pretende exactamente atribuir à Assembleia o papel de organismo legislativo.

O Sr. Carlos Lima: - Exactamente; defendo p. predomínio legislativo da Assembleia, não a atribuição a esto do exclusivo da respectiva função.
Além do mais, V. Exa. omitiu e esquece que eu baseio em princípios constitucionais o meu ponto de vista.

O Orador: - Continuando: em todos os Estados civilizados do Mundo é cada vez mais restrito o âmbito das funções e da actividade legislativa das assembleias, encargo que tende a passar progressivamente para as atribuições e acção dos governos. E isto em consequência de razões poderosas e múltiplas e, a perder- de vista, irreversíveis.
O primeiro exemplo é o da Inglaterra, a terra-mãe do parlamentarismo. Foi a partir da primeira grande guerra que começou a prática da legislação delegada. A actividade legislativa do Gabinete Britânico estendeu-se rapidamente, e hoje pode dizer-se que a feitura das leis é monopólio seu.
A lei de iniciativa parlamentar é presentemente de uma excepcional raridade, IS nas secretarias ministeriais que os textos legislativos são elaborados, e a sua aprovação está assegurada pela votação de uma maioria solidária com o Governo. Na maior parte das vezes, mesmo, o Parlamento limita-se à formalidade de um mero registo. E até esta formalidade vai sendo dispensada, porque o Governo, autorizado por uma lei de plenos poderes, legisla directamente.
Em França, depois de um longo monopólio legislativo do Parlamento, o Governo entrou, com a primeira grande guerra, também a legislar por delegação.
A IV República, apesar da interdição formal expressa na Constituição, manteve a mesma prática, salvando as aparências pelo artifício das leis-quadros. Com a V República é, verdadeiramente, o crepúsculo da legislação parlamentar.
A nova Constituição deixou apenas um número restrito e expresso de matérias reservado à competência da Câmara e, ainda, este domínio susceptível de delegação por autorização legislativa. Tudo o mais é da alçada do Governo, quê legisla livremente por meio de ordennances. E, ainda, em situações de crise, de que ele é o juiz, pode o Presidente assumir poderes extraordinários, confiscando as funções da Assembleia.
Nos restantes países as coisas evoluem no mesmo sentido.
Em nenhum Estado do Mundo se pôde instaurar ou existe uma divisão de poderes e equitativa e equilibrada. Pelo contrário, o que se vê é uma disposição hierárquica se não de direito, de facto do poder dos órgãos supremos da gestão da vida pública. Nunca pode manter-se duradouramente o equilíbrio dos poderes. E quando, transitoriamente, algumas vezes pôde estabelecer-se um certo equilíbrio, aliás sempre instável, foi para flagelo dos povos; porque redundou na paralisia do Estado, e os povos não foram governados, e nas lutas entre os poderes concorrentes, até que um deles - legalmente ou não acabou por impor a sua supremacia, lutas não raro com graves reflexos na direcção do Estado e da vida social.
Também em nenhum Estado do Mundo com comando eficiente da coisa pública e compostura de modos na vida política se desenha, nesta hierarquização, tendência para a supremacia das assembleias. Muito ao contrário, no alto está uma oligarquia, ou mesmo, quase sempre, o poder de um só. Os Estados Tinidos regem-se, inequivocamente, por uma monocracia. Na França da V República destaca-se, com grande proeminência, o poder do Presidente.