2 DE JULHO DE 1959 1097
e que já constou da Constituição e propus de novo a sua inserção na lei fundamental, e isto até porque, como demonstrei no debate na generalidade, algumas das soluções foram retiradas do texto constitucional sem qualquer razão, mas apenas com o fundamento da inutilidade.
Quer dizer: o essencial do conteúdo do projecto em discussão não implica com quaisquer ideia» que não tenham sido consideradas razoáveis e aceitáveis adentro dos quadros da Constituição de 1933.
Há talvez no projecto um aspecto novo: o alargamento do período das sessões legislativas.
É de anotar que estas observações sugerem um curioso raciocínio, que pode delinear-se nos seguintes termos. A tal nota parlamentarista do projecto não pode, é claro, derivar das respectivas soluções que foram aceites pela Câmara Corporativa, que já constaram da Constituição ou que foram defendidas por pessoas responsáveis da Situação. Mas, se essa nota não pode extrair-se de tais aspectos, parece que só pode inferir-se daquilo que no projecto s novo, isto é, do proposto alargamento do período das sessões legislativas. Todavia, se só resta este alargamento como característica susceptível de dar no projecto qualquer nuance parlamentarista, cumpre concluir que parlamentarista é, sim, o Sr. Dr. Cerqueira Gomes, uma vez que aceita e defende tal alargamento do período das sessões legislativas.
É claro, Sr. Presidente, que o meu projecto supõe e joga com um certo numero de ideias e princípios, que eu, aliás, não procurei obscurecer ou fazer passar despercebidos através de soluções indirectas, evasivas ou equívocas. Pelo contrário, pus clara e ostensivamente, sem rodeios, os princípios que me nortearam, e, ao mesmo tempo que demonstrava emergirem eles da Constituição, procurei ser coerente com as bases de que partira.
Acontece apenas que isso nada tem que ver com as afirmações e com os conceitos ao debate trazidos pelo Sr. Dr. Cerqueira Gomes.
O Sr. Deputado Cerqueira Gomes disse muita coisa - e eu, aliás, agradeço a gentileza das suas palavras para comigo-, utilizou muitos e variados conceitos, mas não atacou os problemas nevrálgicos a esclarecer, que são os de saber, primeiro: é ou não exacto que as soluções concretas que eu proponho se encaixam e inserem nos princípios informadores- da nossa Constituição e, segundo: qual é, afinal, precisa e concretamente, a função desta Assembleia, nos quadros constitucionais, para aqueles que entendem que é um órgão essencialmente fiscalizador?
Pelo visto, o Sr. Deputado Cerqueira Gomes entende que a função fiscalizadora se cifra em poder dizer-se que isto ou aquilo está bem ou está mal. Não afirmo que tal actividade crítica seja inútil; mas reduzir a isso o essencial dó conteúdo dos poderes da Assembleia Nacional, de um órgão de soberania, é pouco. É pouco. Como acentuei no debate na generalidade, uma verdadeira função fiscalizadora supõe um consistente poder legislativo; aquela sem este deixará de ser uma função predominantemente fiscalizadora para passar a ser apenas uma função predominantemente faladora, o que é coisa diferente.
Sr. Presidente: tenho realmente pena de que o Sr. Deputado Cerqueira Gomes tenha, deslocado o assunto para o campo dos equívocos e das más interpretações, o que obriga, sem qualquer utilidade, a entrar em problemas e discussões que nada tem que ver com os problemas postos, que cumpre enfrentar e resolver.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Compreende-se que às vezes, falando para a generalidade das pessoas, se utilizem determinados palavras sem a preocupação de explicar em pormenor o respectivo alcance e de fundamentar a justeza do seu emprego.
Todavia, as coisas são diferentes quando se trata de uma assembleia como esta. Perdoem VV. Exas. a imagem, mas u uma assembleia qualificada, com a categoria e nível daquela que agora está em causa, não se pode dizer que cos meninos vêm de Paris» e ter a pretensão, ou mesmo a esperança, de que ela fique convencida.
Pode, por gentileza ou outra razão, fazer de conta que se convenceu; pode mesmo proceder como se disso estivesse convencida, mas na realidade não está.
Sr. Presidente: ainda vou acrescentar mais uma nota. Falei aqui, a propósito da função fiscalizadora das assembleias - e esse termo parece que soou mal a certos ouvidos-, em sanção, e o Sr. Deputado Cerqueira Gomes, ao reproduzir as minhas considerações, vincou esse aspecto. Cumpre, por isso, dizer alguma coisa sobre tal ponto.
Anoto, desde já, que- o que decisivamente interessa não são os termos, mas o que está por trás deles, as ideias que com eles se pretende exprimir, e a verdade é que já procurei explicar o que quis dizer ao usar da aludida expressão.
Consoante já disse, não me parece suficiente para caracterizar o poder de fiscalização a simples possibilidade de fazer crítica.
A função fiscalizadora supõe a possibilidade de, em certos termos e determinada medida, interferir - a expressão foi muito acentuada pelo Sr. Dr. Cerqueira Gomes na orientação governamental! Tal possibilidade, com um mínimo de consistência, parece-me essencial à existência de um verdadeiro órgão da soberania.
O facto de existir mais de um órgão da soberania implicado pela divisão do poder político torna inevitável a possibilidade de haver divergências entre eles.
Quando tal se der, no nosso caso concreto, por exemplo, de duas, uma: ou se aceita que a opinião do Governo é sempre boa, que a sua vontade deve prevalecer sistematicamente e que a Assembleia nunca tem razão - e então nem esta tem realmente poderes nem o principio de divisão do poder político vigora -, ou se entende que nas aludidas emergências a Assembleia deve poder, em certos casos, fazer vingar eficazmente a sua orientação - e então terá, na verdade, poderes, consoante é aplicado pelo referido princípio.
Quando afirmo que ao princípio da fiscalização anda naturalmente associado o da sanção, pretendo justamente traduzir a ideia de que o .poder fiscalizador pressupõe u possibilidade de, em determinadas condições e certos casos, a Assembleia contrariar eficazmente a vontade do Governo.
Ora, essa possibilidade, em regra, deve concretizar-se em leis na» quais se vertam as orientações reputadas boas. Por isso é que um consistente Poder Legislativo constitui o necessário suporte da função fiscalizadora.
Ë claro que tal possibilidade pode originar complicações, dificuldades, atritos, etc. Mas isso é mera e inevitável consequência do facto de se aceitar a existência de Assembleia Nacional.
É que a divisão do Poder político, se, por um lado, elimina os incontestáveis perigos da sua concentração, suscita, por outro lado, delicados s difíceis problemas de coordenação das posições relativas dos vários órgãos da soberania, doseamento da respectiva intensidade política, etc.
É impossível eliminar tais problemas, e isto porque as quotas-partes do Poder dividido não vivem, nem po-