210 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 141
Mas a terra, como os homens, não se mede aos palmos, nem se afere o seu valor pela abundância de fugazes valores materiais.
Goa é, sim, pobre de haveres materiais, mas é rico o seu património espiritual.
Não nos envergonha a pobreza em que vivemos. Mas a riqueza de nossos valores morais e espirituais, que tanto sublimaram a nossa terra, levantando bem alto o seu nome, enche-nos de orgulho.
Por uma feliz coincidência, o Sr. Ministro da Presidência presidiu à cerimónia do início dos trabalhos de reintegração da Velha Cidade no seu espírito histórico-arqueológico, monástico e religioso - trabalhos esses que se destinam à reconstituição de uma parte do nosso património espiritual.
O ilustre governador-geral, brigadeiro Manuel António Vassalo e Silva, que vem dando ao Estado da índia, cujos destinos lhe estão confiados, o melhor do seu inteligente e patriótico esforço, concebeu o simpático e - porque não dizê-lo - arrojado projecto de reanimar a Velha Cidade, que é, como S. Ex.ª muito bem disse, um repositório de valores artísticos, históricos, culturais e religiosos.
Iniciativa feliz e cheia de significado - iniciativa plena de espiritualidade, merecendo o mais caloroso apoio.
O Sr. Ministro, no discurso que proferiu no Instituto Vasco da Gama após a conferência, subordinada ao sugestivo tema e Goa, fanal da espiritualidade portuguesa», feita pelo distinto e erudito magistrado Dr. Ismael Gracias, presidente do Tribunal da Relação de Nova Goa, referiu-se ao projecto em termos muito animadores e, exprimindo ao Sr. Governador-Geral o seu aplauso pela iniciativa, afirmou que se sentia feliz por ter vindo tomar parte e acompanhar a cerimónia.
A Velha Cidade é um sagrado documentário do muito que os Portugueses fizeram no Oriente. No silêncio que a envolve tumultua todo um mundo de recordações a que nenhum espírito culto pode ser insensível. Foi ela a urbs mater do império português no Oriente; «a cidade mãy de toda la índia», na conceituosa e lapidar expressão do ínclito Afonso de Albuquerque.
Não durou, porém, muito essa sua próspera e privilegiada situação. Factores de vária ordem contribuíram para o seu rápido declínio. Hoje tem ela o triste aspecto de uma vasta necrópole, onde avultam, soturnas e sombrias, as ruínas de templos e outros edifícios que, na sua majestade e grandiosidade, emolduravam o esplendor dessa gloriosa cidade.
Reanimá-la, dar-lhe nova vida, por forma a (impedir que se esbatam os valores espirituais de que ela é repositório», é a ideia mestra em que se inspirou o plano do Sr. Governador-Geral.
A efectivação desse plano vem sendo uma das mais absorventes preocupações de S. Exa. Em Maio último nomeou uma comissão de estudo à qual competiria
estabelecer as bases principais em que deve assentar o programa das realizações, que passarão a ser levadas a efeito por um número reduzido de técnicos e consultores, mais de acordo com a preocupação de materializar a ideia».
A comissão, ao cabo de um aturado estudo em pormenor, elaborou um interessante e lúcido relatório, em que se indica o que há a fazer para a efectivação «da obra altamente nacional de reintegração dos monumentos s edifícios que restam da Velha Cidade no ambiente respeitável e austero da cidade religiosa e histórica».
Frisando a necessidade de se inventariar tudo quanto resta na Velha Cidade, que carece de ser delimitada, localizando-se todos os monumentos existentes e as ruínas, sendo possível; de dispor os edifícios para a finalidade que tinham ou podem ter; de promover a construção de artérias necessárias com vista a facilitar o acesso aos lugares históricos da cidade e salvaguardar o que lá existe ainda não arruinado - a comissão tomou resoluções que comportam a realização de obras em duas fases: na 1.º - a) Restauro de monumentos e ruínas; colocação da estátua de Camões; b) Construção de arruamentos e praças; ajardinamentos.
Como se vê, o plano é grandioso.
Os trabalhos que já começaram, convenientemente conduzidos, como é de esperar, culminarão numa obra colossal, gigantesca, revivificando a histórica cidade que hoje jaz morta.
Praza a Deus que cheguem a bom termo os trabalhos que sob tão bons auspícios se iniciaram.
O Sr. Ministro, num outro passo feliz do seu discurso, realçou a importância da obra, dizendo: e O maior e mais alto papel da evocação do passado é servir de cimento para o futuro».
Mas quanto mais grandioso é o plano tanto mais cheia de dificuldades é a sua efectivação, dificuldades que provêm, sobretudo, da escassez de recursos. Mas nem por isso há esmorecimento, há desânimos.
Não escapou este aspecto ao Sr. Ministro, que, a terminar o seu discurso, disse: «Teremos recursos para terminar a obra? Há sempre recursos quando u alma é grande. O que primeiramente é necessário é a convicção. O resto virá depois».
Pois é verdade. Nilo devemos esquecer que a fé transporta montanhas.
Além de autorizar com u sua presença o começo dos trabalhos de reconstituição da Velha Cidade, o Sr. Dr. Teotónio Pereira teve, durante a sua visita, a oportunidade de ver os vários e importantes melhoramentos com que o Estado da índia ultimamente tem sido dotado, destacando-se de entre eles os estaleiros navais e a fábrica de farinação de peixe, melhoramentos esses que- terão uma repercussão acentuadamente benéfica na economia do País.
Não me detenho a fazer referências especiais a vários outros interessantes números do programa da visita. Pela excepcional importância de que essa visita se reveste, é de esperar que ela resulte muito proveitosa para o Estado da índia.
Digo-o na plena convicção de que o Sr. Dr. Teotónio Pereira, após a sua visita, levará a índia no seu coração e, tomando-a sob o seu alto patrocínio, defenderá as suas justas aspirações e os seus legítimos interesses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: no dia 16 de Dezembro próximo passado foi em romagem ao túmulo de Pedro Alvares Cabral, a Santarém, o Sr. Embaixador do Brasil, Dr. Negrão de Lima, decorridos que eram poucos dias sobre a entrega das suas credenciais a S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Deram S. Exa. e o Governo Português a essa visita carácter oficial, pelo que Santarém o recebeu com as honras devidas à sua alta hierarquia e ao país que tão dignamente representa.
Constituiu o facto uma das primeiras manifestações da actividade diplomática do Sr. Embaixador no nosso país e creio ter ele um sentido digno de ser assinalado nesta mais alta assembleia política da Nação.
Foi Pedro Alvares Cabral o varão assinalado que, partido da ocidental praia lusitana, primeiro aportou a terras de Santa Cruz.
Ele foi «o homem que inventou o Brasil, no dizer de Afrânio Peixoto.