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31 DE MARÇO DE 1960 527

Ouvimos há dias a magnífica intervenção da nossa Exma. Colega Dr. Maria Irene Leite da Costa sobre problemas da assistência às crianças e adolescentes portadoras de anomalias físicas e psíquicas.
A prostituição representa, algumas vezes, para elementos destes grupos, a termo de um processo de desadaptação.
Ainda por tal facto se justifica que se intensifique q recuperação dos anormais, criando e ampliando os serviços indispensáveis.
A actuação nestes domínios não pode esquecer os progenitores. Com eles surgem problemas que não têm conhecido solução conveniente.
Exemplifico com o alcoolismo.
O alcoolismo, mas do que ligado à prostituição na convivência simultânea dos dois vícios (cf., na obra de Odette Philippon L'esclavage de la femme dans le monde contemporain ou la prostitution sans masque o capítulo sobre os supostos argumentos públicos a favor da existência de toleradas), pesa grandemente nos domínios da hereditariedade.
Parte das raparigas escravizadas têm no alccolismo de seus pais uma causa remota.
Outro aspecto é o da família.
Graças a Deus, a família em Portugal ainda condensa virtualidades apreciáveis. O próprio Estado a reconhece como base de estrutura social.
Ao prenúncios de desintegração são, contudo, patentes nos aglomerados urbanos, mormente em Lisboa. Embora, por exemplo, a taxa de divórcios tenham pequeno significado - o que resulta da indissolubilidade do casamento económico -, são bem numerosas e instáveis, na capital, as uniões ilegítimas.
A maternidade legítima, que apresenta altos valores no nosso país, também está ligada à prostituição.
Recordemos, a este propósito, o seguinte passo de um depoimento:

De entre as 823 mulheres que passaram pelo serviço social do Dispensário de Higiene Social - escreve o Dr. Francisco Brandão na tese já citada -, 26 têm filhos já maiores; 28 têm filhos internados; 177 têm filhos menores com pessoas de família ou amigas, contribuindo como podem para o seu sustento; 98 têm os filhos consigo, e 70 têm os filhos em amas, pagando um mínimo sempre de 10$ diários, quando não de 12$ ou 15$, 7 raparigas estão internadas com filhos para recuperação. São, portanto, 406 mulheres, de entre essas 823, as que têm filhos...

A prostituta surge, muitas vezes, como vítima de uma maternidade ilegítima, que não encontra apoio na existência de serviços sociais, nem na facilidade de trabalho honesto e convenientemente remunerado.
As raparigas jovens têm a sua parte na debandada que hoje se verifica nos meios rurais e consequente afluxo a Lisboa. Só que o seu destino na cidade nem sempre é dos mais felizes. Já no parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de estatuto da assistência social se evidenciavam aspectos relacionadas com tão momentoso problema.
Creio serem urgentes as providências destinadas a evitar a fuga dos campos, opondo-se ao desenraizamento das nossas provincianas e a mitigar a sua ignorância e desamparo, protegendo-as contra as solicitações enganosas.
O nosso meio alimenta ainda preconceitos, ditos de higiene social, menos comuns nos países evoluídos. A sombra deste estado de espírito defende-se a prostituição regulamentada como mal menor.
O pouco acerto desta posição ficou claramente demonstrado no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei que deu origem à Lei n.º 2036. Verifica-se na prática que:

1) A existência de casas de toleradas conduz antes à multiplicação de focos de infecção sanitária.
Na verdade, essas casas, pelas facilidades que abrem, sobretudo aos jovens, aumentam os riscos;
2) A vigilância dessas mulheres é com facilidade iludida e muitas vezes imperfeita;
3) As doenças propagam-se, não obstante tal vigilância, mercê de circunstâncias bem conhecidas;
4) O número de toleradas é hoje reduzidíssimo relativamente às clandestinas;
5) Profilàcticamente este regime é de escasso alcance, pois não considera os doentes de outro sexo.

Por tudo isto, já o Comité da Sociedade das Nações, em 1930, afirmava que «o temor de que a abolição das casas de tolerância dê lugar a um aumento das doenças venéreas ou traga prejuízo à ordem pública revelou-se sem fundamento e o encerramento dessas casas reduziu a perigo de tráfico internacional das mulheres e crianças»
O que se impõe, Sr. Presidente, é dar integral execução às orientações da Lei n.º 2036, regulamentando as suas bases e multiplicando os serviços de profilaxia das doenças venéreas.
A hora que passa não é, no domínio das certezas nacionais, para concessões ou abdicações.
Assim não deixarão de preocupar esta Assembleia política as repercussões de qualquer atentado, ainda que frontal, à nossa unidade e aos valores que a sustentam.
Avolumam-se, infelizmente, dia a dia, nos mais variados sectores, os assaltos a esse equilíbrio, quase sempre desenvolvidos à sombra de processos indirectos. Quem estiver atento aos cinemas, aos teatros, às novidades literárias, aos dancings, etc., poderá fazer o seu juízo.
Beneficiámos nas últimas décadas, neste mundo desorientado, de estimáveis vantagens: a autoridade de um pode forte e prestigiado, a paz interna, com relativa estabilidade nas estruturas sociais, a profunda religiosidade que, apesar de tudo, ainda anima a vida portuguesa...
Será, portanto, rematada loucura facilitar o concluio das forças antinacionais, a avalanche daqueles que, pela inflação do erótico, procuram minar a própria estabilidade nacional. Importa estar atento e, sobretudo, reagir sem respeitos humanos.
Os onze anos já decorridos após a publicação da Lei n.º 2036 foram, em muitos aspectos, tempo perdido. Daí que se imponha ao Estado agir com redobrada intensidade.
A luta contra a prostituição não pode esquecer duas condições básicas:

1.º Solução equilibrada e progressiva de problemas económicos, sociais e morais que afectam a vida portuguesa e se projectam, com maior ou menor intensidade, através das causas atrás enunciadas, na trágica degradação social da mulher;
2.º Existência de um serviço público que coordene e fomente a intervenção de todos os que vierem a colaborar neste combate.