620 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: embora tenha consciência plena da minha pobre documentação sobre problemas de economia e de administração, subo a esta tribuna para fazer o meu depoimento acerca do projecto de lei que está em discussão, subscrito por vários Deputados e exposto com notável clareza e muito brilho pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Julgo, no entanto, que os aspectos políticos do projecto de lei me obrigam, de acordo com as responsabilidades que assumi ao tomar assento nesta Câmara, a não ficar calado quando se debate um problema que considero de muito interesse para a vida da Nação. Vou, porém, ser muito breve.
Pelo que li e pelo que ouvi, julgo-o na linha de orientação da nossa doutrina, de acordo com o espírito da Revolução o com os princípios definidos pelo Sr. Presidente do Conselho, de harmonia com a letra da nossa Constituição e de alguns decretos publicados pelos Governos do Estado Novo e ainda com afirmações feitas nesta Câmara por alguns dos nossos colegas. Considero-o um trabalho possuidor de uma notável e transparente ortodoxia política e de uma extraordinária clareza nos objectivos a atingir e nas medidas a aplicar.
Aliás, na primeira parte do parecer da Câmara Corporativa está bem patente uma notável erudição - lá estão claramente apontadas as passagens e os lugares onde se afirma uma linha de orientação, sem desvios, na defesa dos princípios a que visa o actual projecto de lei. Nem sei mesmo se a este projecto de lei n.º 27 - « Remunerações dos corpos gerentes de certas empresas»- se não poderia juntar este subtítulo: «Da revisão do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 20 115 e da aplicação do Decreto-Lei n.º 40 833 e talvez um pouco mais: tentativas legislativas para evitar algumas formas de ludíbrio daquelas disposições legais e para procurar obter a moralização e a regularização de certos sectores da nossa vida administrativa e económica».
Na realidade, vendo bem as coisas, ele pouco traz de novo! ... E, não vindo recheado de matéria nova, não atino porque causa tantos engulhos, porque gera tantas reacções e porque traz tão sobressaltados certos magnates e certos sectores da nossa actividade comercial e industrial! Apesar da sua pobreza em novidade político-administrativa, entendo de meu dever felicitar os seus autores e, particularmente, o expositor da doutrina, pelas razões de ordem moral e política que orientaram a sua elaboração, pela coragem de que deram mostras, pelo brilho e clareza com que foi exposto e ainda pela flagrante oportunidade da sua apresentação.
Falo da flagrante oportunidade da sua apresentação, embora saiba que nem todos estarão de acordo comigo. Se o digo é porque sei que se fazem por aí muitas acusações; porque tenho notícias de muitas reacções políticas e sociais originadas por certas situações injustas e imorais; porque me dizem que andam de mão em mão listas de nomes e de cifras que correspondem a chorudas remunerações que ultrapassam o que pode considerar-se legítimo neste País, onde tantos vivem uma vida atribulada; porque sei que, no seio do próprio Exército, desse Exército glorioso que fez a Revolução Nacional e que tem sempre apoiado, com inexcedível dedicação e patriotismo e também com admirável espírito de sacrifício, a política de resgate realizada ao longo destes 34 anos, se comenta, com desgosto, a manutenção de certas condições que permitem a continuação e até o agravamento dessas, embora pouco numerosas, condenáveis situações.
Foi tudo isto - e talvez muito mais - que levou o engenheiro Cancella de Abreu a afirmar, na sua notável declaração de voto, que o projecto de lei responde
«às exigências morais de uma justa sobriedade social e a urgência das correcções que a nossa consciência política e a opinião nacional reclamam com insistência».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas são as razões que me decidiram a dar o meu inteiro aplauso ao projecto de lei em discussão e a felicitar vivamente os seus autores.
Vejo nele um conjunto de medidas terapêuticas destinadas a deter e a exterminar alguns males que minam a estrutura política e social da Nação. Para além dessa acção terapêutica imediata, encontro também nele preciosas disposições profilácticas contra a criação de condições geradoras de prováveis e sérias reacções.
A Câmara compete estudá-lo cuidadosamente, de modo que a lei em que venha a transformar-se seja um instrumento político sério e justo, capaz de corrigir inexoravelmente condenáveis desvios e de evitar que continuem a manter-se condições que gerem os «super-beneficiados», as quais são ofensivas daquelas em que vive a grande maioria da Nação. Entendo que é à Câmara que compete esta função, que e ela que deve assumir a responsabilidade dessa decisão - o projecto de lei não pode deixar de ter a sua solução lógica, não pode degenerar em aviso prévio.
Como já alguém aqui disse e como dizem, nas suas notáveis declarações de voto, os dignos Procuradores Profs. Afonso Queiró e Braga da Cruz e o engenheiro Cancella de Abreu, à Assembleia cumpre o dever de consignar nessa lei o limite dos vencimentos e remunerações a receber. Em meu entender, ela não deverá transferir para o Governo essa obrigação. Por isso mesmo nego o meu voto ao projecto elaborado pela Câmara Corporativa.
A Câmara não deve julgar de ânimo leve os múltiplos problemas abrangidos por este projecto de lei, não deve menosprezar as reacções políticas e sociais a que a não resolução desses problemas pode dar lugar, nem deve deixar de considerar as condições em que «neste país, onde são possíveis as situações que o projecto visa corrigir», vivem muitos milhares de portugueses.
Não vale a pena ocultar - e isso deve estar sempre presente nas nossas consciências! - que há muitos portugueses que não dispõem do indispensável à manutenção de um ambiente que possa considerar-se o mínimo exigido pela dignidade humana; que a Nação inteira se; sacrifica para ir fazendo chegar a água potável, a energia eléctrica, a estrada, a escola, a educação, a higiene e os alimentos aos mais desprotegidos e minorar-lhes a miséria das suas condições de vida; que a Nação procura, num esforço admirável, vencer o nosso atraso no combate ao analfabetismo, reduzir a nossa ainda alta taxa de mortalidade infantil, debelar a tuberculose, promover o nosso equipamento industrial e todas as obras de fomento, melhorar as condições de vida de toda a população, fazer face às nossas obrigações internacionais, etc.; mas que a Nação que a isto se submete com extraordinários sacrifícios e com admirável patriotismo, não tolera a afronta dessa espécie de nababos - graças a Deus, poucos- que a ofendem com a exibição das suas riquezas e que tantas vezes lhe lançam em rosto, desumanamente, aquilo que lhes permite o supérfluo das suas remunerações ou os proventos de outra natureza.
Somos um país pobre, que se ofende com essas situações e com essas atitudes.
O rural que moureja a terra com magro salário; o que trabalha ininterruptamente sem possibilidades de constituir o seu pé-de-meia; o pequeno proprietário que se debate com enormes dificuldades; o funcionário